‘REPowerEU’ é uma estranha espada de dois gumes
No Dia Nacional da Energia, a Quercus lamenta que o ‘REPowerEU’ – o plano energético recentemente apresentado pela Comissão Europeia – ainda se alicerce nas importações de combustíveis fósseis de países terceiros, arriscando a exploração crescente de combustíveis fosseis, dentro e fora da Europa, e agravando a crise climática.
Novas metas positivas, mas aquém da ambição necessária
Enquanto aspetos positivos, o ‘RePowerEU’ prevê incentivos às energias renováveis e aos planos de poupança energética, ainda que insuficientes para garantir segurança energética para todos e o cumprimento do Acordo de Paris para o clima.
Apesar do aumento das metas das energias renováveis de 40% para 45% e da eficiência energética de 9% para 13%, até 2030, estes objetivos não têm a ambição suficiente para fazer cumprir o Acordo de Paris e deveriam ser ajustadas para 50%, no caso das renováveis e para 20% no caso da eficiência energética.
Essencial travar financiamento dos combustíveis fósseis
O ‘REPowerEU’ é contudo insuficiente quanto a medidas imperativas que visem parar a expansão de infraestruturas que funcionam com base em combustíveis fósseis e também na implementação de ações que visem poupanças estruturais no consumo de energia. Pelo contrário, cria “alçapões” para o financiamento dos combustíveis fósseis e de importações não sustentáveis de países terceiros, de acordo com a Rede de Ação Climática Europeia, de que a Quercus faz parte.
Corrida ao gás natural de outros países é contrária à descarbonização
O objetivo autoimposto de afastamento rápido do gás fóssil russo está a conduzir a uma corrida à importação de gás de outros países do mundo e ao desenvolvimento de planos de instalações para o Gás Natural Liquefeito a uma velocidade sem precedentes. Ações que vêm em contracorrente aos objetivos de descarbonização da economia, de há muito traçados.
Taxar o carbono via sistema de comércio de licenças de emissão da União Europeia (EU-ETS) para reduzir as mesmas e depois reciclar os ganhos em gás emissor de carbono e metano, irá aprofundar a dependência da União Europeia (UE) em relação aos combustíveis fósseis importados, contradizendo assim os objetivos do Pacto Verde Europeu. Isto é para várias ONG, entre as quais a Quercus, inaceitável numa altura em que existe um enorme défice de financiamento para atingir o objetivo da Comissão de uma redução de 55% de emissões até 2030.
Painéis solares no parque edificado
Consideramos muito positiva a estratégia de UE apresentada no ‘REPowerEU’, que define a obrigatoriedade da instalação de painéis solares na cobertura de novos edifícios públicos, comerciais e residenciais. Contudo, é também essencial não esquecer os telhados dos edifícios já existentes, com muito potencial de aproveitamento solar.
Ecodesign e etiquetagem energética
É também reconhecida importância do ecodesign e das etiquetas de eficiência energética dos equipamentos de aquecimento, estando previstos critérios mais exigentes e o reescalonamento das etiquetas até 2025/2026, pondo como limite para a colocação no mercado de caldeiras de combustível fóssil o ano de 2029 e o fim dos subsídios públicos ao aquecimento fóssil até 2025, em vez de 2027. Porém, como cumprir estes objetivos se o financiamento é retrovertido para equipamentos a energias fósseis quer dentro, quer fora da UE? A Quercus tem, juntamente com outras ONG internacionais, apelado para a proibição destes equipamentos de forma a cumprir os objetivos climáticos que a própria UE definiu.
A mera referência a uma redução dos subsídios aos combustíveis fósseis sem uma recomendação concreta de faseamento ou prazos acaba por resultar num simples desejo, completamente insuficiente para reafetar recursos preciosos rumo a uma rápida transição energética.
Nos seus planos, a Comissão Europeia não fornece uma avaliação para a produção mundial de Gás Natural Liquefeito (GNL) para satisfazer as necessidades da UE, o que poderá, em vez de apoiar os países parceiros a serem menos dependentes do carbono, atolá-los na exploração de gás fóssil. E ainda que o uso dos hidrocarbonetos vise a produção de hidrogénio, nada no ‘REPowerEU’ compara o balanço da eficiência e sustentabilidade de produzir grandes quantidades de hidrogénio em África para a Europa, com o uso da eletricidade diretamente em África.
Os planos ‘Fit for 55’ e ‘REPowerEU’ juntos podem ajudar-nos a prescindir dos combustíveis fósseis e enfrentar a emergência climática através de uma transição justa para as populações. Porém, tal só será viável se forem ousados na sua aplicação e não abrirem caminho a novas e igualmente nocivas utilizações dos combustíveis fósseis.
Lisboa, 29 de maio de 2022
A Direção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza