+351 217 788 474

Login

Sign Up

After creating an account, you'll be able to track your payment status, track the confirmation.
Username*
Password*
Confirm Password*
First Name*
Last Name*
Email*
Phone*
Contact Address
Country*
* Creating an account means you're okay with our Terms of Service and Privacy Statement.
Please agree to all the terms and conditions before proceeding to the next step

Already a member?

Login

Parecer da LPN e da quercus sobre a estratégia nacional para as florestas

Introdução 

 

O presente parecer é o resultado da análise do documento “Estratégia Nacional para as Florestas”, (doravante referido como Estratégia) colocado em discussão pública no dia 21 de Março de 2006. O parecer reflecte as posições conjuntas da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e da Quercus-ANCN e pretende ser um contributo para melhorar o documento em discussão. Tal como se refere nas páginas que se seguem, a nossa opinião sobre o documento em apreciação é bastante crítica. No entanto, estamos convencidos que a versão que agora se encontra em discussão pública poderá ainda ser substancialmente alterada, pelo que envidámos os nossos melhores esforços para poder de alguma forma contribuir para essa alteração.

 

Aspectos gerais

 

O documento em apreciação sofre de um constrangimento grande que é o de apenas reflectir a perspectiva de quem o elaborou, sem grandes preocupações de reflectir a perspectiva da sociedade. Uma outra possibilidade que colocamos é que o documento talvez tenha mesmo a presunção de reflectir a perspectiva da sociedade, o que é ainda mais grave. A leitura da proposta de Estratégia faz-nos inclusive pensar que quem elaborou o documento nem sequer terá tido em conta outros documentos entretanto promovidos por este mesmo Governo, como sejam as Orientações Estratégicas para a Recuperação de Áreas Ardidas (adoptado como um documento estratégico para as florestas pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2006) ou até mesmo o Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios (actualmente em discussão). Esta mesma sensação tivemos aquando da apresentação do documento em apreciação durante a sessão pública organizada no dia 21 de Março de 2006. Enquanto o documento fala do “sucesso” do sector florestal nas últimas décadas, o Ministro da tutela enfatizava a necessidade de corrigir os grandes “erros cometidos no passado”.

 

Deste modo, o documento em apreciação tem a marca indelével de quem o coordenou, neste caso um reconhecido especialista do Banco Mundial. A escolha de alguém ligado ao Banco Mundial é só por si, no mínimo, controversa, assim como altamente controversa tem sido a acção desta instituição internacional ao nível da floresta. Essa controvérsia foi extensível ao nosso país nos anos 80, altura em que foram financiados projectos de arborização com eucalipto que hoje em dia até as próprias empresas de celulose reconhecem terem sido verdadeiros erros técnicos, económicos e sobretudo ecológicos. O documento em apreciação traduz assim uma perspectiva marcadamente economicista associada ao sector da floresta, compreensível de alguma forma em países subdesenvolvidos, mas altamente discutível num pais que se pretende desenvolvido e ainda por cima com um historial avassalador em termos da degradação dos seus ecossistemas florestais. Entregar a Estratégia Nacional para Floresta a alguém ligado a uma instituição que se especializou em financiar projectos de silvicultura intensiva em países do Terceiro Mundo, não nos parece que tenha sido uma aposta correcta deste Governo.

 

Por outro lado, é importante referir que o documento em discussão é o terceiro documento com características semelhantes produzidos nos últimos 8 anos, onde se incluem o Plano para o Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (1998) e o Programa de Acção para o Sector Florestal (2003). Também é importante referir que a situação no terreno muito pouco se alterou com os dois documentos estratégicos anteriores e que as únicas alterações significativas a que se assistiu no terreno, foram no sentido do aumento da área ardida e do agravamento de vários problemas ao nível da sustentabilidade económica e ecológica da actividade florestal.

 

De referir ainda, tal como se reconhece no próprio documento, a enorme quantidade de planos a vários níveis e de natureza diversa, com influência no sector florestal, que se encontram em vigor ou em vias de serem aprovados. É fácil perceber que os problemas da Floresta Portuguesa não se resolvem com mais um plano de âmbito nacional, mas sim com a implementação de medidas no terreno, envolvendo a participação directa dos actores locais, nomeadamente as autarquias, os compartes e as associações de proprietários e produtores florestais.

 

Um outro aspecto prende-se com a instabilidade governativa ao nível das políticas para o sector florestal. De entre todos os sectores de actividade, o sector florestal é com certeza um dos que mais são afectados pela falta de continuidade das medidas governativas, dados os ciclos longos que o caracterizam. Cada governo decide como se fosse eternizado no poder, frequentemente fazendo tábua rasa das medidas do governo anterior. Deste modo, nada nos garante que um próximo governo não venha a pôr na gaveta mais este documento, quando o que se pretende é que exista uma doutrina nacional estável para a floresta do nosso país. Tal doutrina existe noutros países, porventura com uma cultura florestal mais marcada que a nossa, permitindo dessa forma uma continuidade nas políticas para o sector. Em Portugal, seria muito desejável que essa doutrina fosse estabelecida e assumida. No entanto, as decisões sobre as florestas (e eventualmente esta Estratégia), são fruto de pressões originadas de sectores diversos, os quais não reflectem necessariamente o sentir da generalidade dos cidadãos.

 

Deste modo, pensamos que seria importante a realização de um inquérito nacional que pelo menos levantasse um pouco o véu relativamente ao que a sociedade Portuguesa pensa hoje em dia da floresta. As decisões do sector deverão deixar de estar centradas quase em exclusivo, nos agentes que lidam directamente com os assuntos florestais (empresas, proprietários, serviços do Estado), mas progressivamente passarem a reflectir o sentir da sociedade a este respeito. Mais ainda, a doutrina florestal de um país deveria tentar reflectir sobretudo o sentir das novas gerações, dadas as consequências a muito longo prazo das decisões sobre a floresta. A progressiva urbanização da sociedade leva a que esta tenha passado a valorizar cada vez mais as externalidades geradas pela floresta e cada vez menos os rendimentos directos que ela origina. Se assim for, os cidadãos talvez não se importem de passar a contribuir (tal como acontece hoje em dia com o Fundo Florestal Permanente) cada vez mais para ter uma floresta mais centrada na produção dessas externalidades e cada vez menos, em termos relativos, na produção de matérias primas. No entanto, estas suposições apenas são baseadas na tendência evolutiva das sociedades do chamado Mundo Ocidental em geral e deveriam, com toda a justificação, ser verificadas através de sondagens de opinião pública. Talvez dessa forma documentos como o que está agora em apreciação pudessem com alguma propriedade ser (e este documento definitivamente não é) a resposta a uma pergunta óbvia, ou seja: o que queremos todos da floresta em Portugal?

 

Aspectos em que concordamos

 

Apesar das considerações anteriores o documento em apreciação contem aspectos que nos merecem a mais absoluta concordância.

 

– Um dos aspectos tem a ver com o início de uma “terceira fase” no sentido de aumentar a qualidade, eficiência e valor agregado do sector. Entendemos como valor agregado todos os benefícios directos e indirectos e como tal consideramos que há sem dúvida que dar esse salto qualitativo que é referido.

 

– Para tal, é necessário prosseguir de forma acrescida com a dinâmica a que actualmente se assiste quanto à criação de unidades de gestão comum no sentido de ultrapassar as dificuldades estruturais da floresta em Portugal. Todos os mecanismos que são apontados nos parecem legítimos para o conseguir, nomeadamente os fiscais, o associativismo, as ZIF (Zonas de Intervenção Florestal) e os Fundos de Investimento Imobiliário. Pena é que até agora (à excepção das associações de produtores florestais) estes mecanismos ainda não tenham conseguido sair do papel.

 

– Impossível também não concordar com todos os aspectos que se relacionam com a redução dos riscos, nomeadamente no que diz respeito à incidência de incêndios florestais. Esta é talvez a única matéria que une todos os agentes com interesses ligados à floresta e a sociedade de um modo geral.

 

– Apesar das considerações que são referidas no que diz respeito às questões do aproveitamento de biomassa para a energia, é notável a preocupação em criar um Observatório que acompanhe e monitorize este tipo de actividade, dados os elevados riscos que envolve em termos do impacte potencial ao nível do solo e dos ecossistemas.

 

– Estamos absolutamente de acordo em que se eleja como prioridade a elaboração de um cadastro da propriedade florestal, assim como todos os outros processos que contribuam para melhorar a informação sobre o sector. No entanto, este cadastro deverá ter o maior rigor para que possa vir a integrar a estrutura do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica.

 

– Estamos também de acordo quanto ao princípio de se dever dar prioridade à consolidação da área florestal e muito menos à sua expansão.

 

– Um outro aspecto que nos merece um absoluto aplauso consiste na proposta de “criar um instrumento de financiamento da investigação florestal onde os projectos de investigação concorreriam e seriam apreciados por uma comissão que incluísse representantes de Associações Florestais, Administração Pública e Indústria”. Pena que neste painel não esteja prevista qualquer participação de organizações não governamentais ligadas ao ambiente.

 

 

Críticas a interpretações, opções e estratégias

 

O aspecto referido no ponto anterior parece-nos particularmente grave na medida em que as organizações não governamentais ligadas ao ambiente têm demonstrado possuir valências (esperamos que o presente Parecer seja um bom exemplo) em termos técnicos e científicos; disponibilizados sem qualquer contrapartida; no sentido de ajudar a resolver os problemas ambientais deste pais. O termo “Organizações não governamentais” é referido uma única vez ao longo das 109 páginas do documento. Pensamos que se trata claramente de andar ao arrepio das tendências de todos os países modernos, onde a sociedade civil tem como vozes privilegiadas as ONG do Ambiente.

 

Não podemos de forma alguma estar de acordo com a perspectiva que o documento faz relativamente ao percurso feito pela floresta portuguesa durante o séc. XX e em particular nas últimas 3 décadas. Expressões como “desempenho surpreendente” do sector florestal no séc. XX, ou a referência efusiva aos “factores de sucesso” da floresta em Portugal apenas nos podem deixar atónitos. Esta apreciação encontra-se viciada à partida por traduzir uma perspectiva absolutamente unilateral daquilo que a floresta representa para a sociedade em geral. Atrevemo-nos mesmo a dizer que evolução da floresta em Portugal no século XX foi a mais desastrosa de toda a história conhecida sobre o sector.

 

Mesmo tendo em conta que a desflorestação terá sido a mais intensa de toda a história durante o séc. XIX, toda a evolução verificada era até aí completamente reversível, dadas as condições de elevada produtividade de uma boa parte do nosso país. O que se fez durante o séc. XX foi a introdução de factores de irreversibilidade ao nível da degradação ecológica e da insustentabilidade dos sistemas como nunca se tinha feito até aí. Estamos a referir-nos em particular à introdução de espécies lenhosas exóticas, nomeadamente as do género Acacia e Eucalyptus. Se como pensamos, a breve prazo a sustentabilidade da economia do eucalipto está em risco (vide artigo do Eng.º João Soares da Portucel no suplemento Agrius do semanário Expresso de 4 de Abril) devido à progressiva concorrência de países em vias de desenvolvimento, então chegamos à conclusão que a radical alteração da paisagem portuguesa a partir dos anos setenta foi motivada por circunstâncias meramente conjunturais. No entanto, assim que a conjuntura for (como começa a ser) diferente da que tem sido nos últimos 30 anos, a paisagem não vai mudar facilmente. A reconversão que o documento refere de povoamentos de eucalipto em áreas marginais para espécies autóctones (erradamente designadas como “naturalizadas”) será extremamente difícil dada a elevada resiliência da espécie. Por outro lado trata-se de uma espécie cujo carácter invasor apenas agora se começa a evidenciar.

 

Situações como a que a foto da página seguinte apresenta (na Serra da Boa Viagem, em 8 de Abril de 2006), com uma regeneração abundante de eucalipto depois de um incêndio, começam a multiplicar-se por toda a faixa Centro e Norte Litoral.

 

De notar que, devido à inviabilidade económica da sua exploração, há actualmente uma tendência para o abandono de parcelas plantadas com eucalipto, sobretudo por parte dos pequenos proprietários privados. O abandono do arvoredo irá provavelmente fazer aumentar o número de sementões e como tal os focos de invasão sobre outros tipos de utilização do solo. A curva de expansão de uma invasora é a que se apresenta acima e é bem possível que em relação ao eucalipto a fase de “invasão”, tenha sido até agora apenas adiada, dado que uma boa parte das árvores são normalmente cortadas antes de terem frutificação abundante. Por outro lado, os incêndios parecem ser um dos factores de facilitação para o aumento da regeneração por semente.

 

Se juntarmos a este, o problema das acácias e de muitas outras invasoras lenhosas e se pensarmos que o problema gravíssimo de incêndios em Portugal se deve aos apelidados “factores de sucesso” da floresta portuguesa durante o séc. XX, temos um panorama completamente diferente daquele que o documento refere.

 

Quando se refere que em “Portugal se extrai mais riqueza por ha do que em qualquer outro país do Mediterrâneo é lícito perguntar: mas à custa de quê e com que sustentabilidade? Será que os autores do relatório não pensaram contabilizar os enormíssimos custos sociais e económicos dos incêndios florestais em Portugal? Ou será que não tiveram em conta os elevadíssimos custos de investimento que foram suportados para termos uma floresta apenas ditada por aspectos conjunturais e como tal completamente insustentável a médio prazo? Será que os autores do relatório sabem que graças aos “factores de sucesso” há por exemplo, concelhos em Portugal que viram desaparecer cerca de 90% da floresta de carvalho português durante o ultimo quartel do séc. XX, situação que nos coloca muito para lá do que acontece nos países do terceiro mundo em termos de substituição das florestas naturais por exóticas. Factores de sucesso? Desempenho surpreendente?

 

Algo que também nos deixou surpreendidos foi a apologia que o documento faz da floresta privada. Políticas anteriores referiam como desígnio a aquisição de terras por parte do Estado de forma a aumentar o património florestal público, em termos relativos o mais baixo da Europa e um dos mais baixos do Mundo. Há pelo menos um relatório da FAO que já nos anos sessenta aponta igualmente nesse sentido. Todos sabemos os elevadíssimos constrangimentos que o regime privado da floresta em Portugal acarreta em termos, nomeadamente, de prevenção contra incêndios.

 

O facto de a floresta pública em Portugal não ser um exemplo de boa gestão não faz propriamente da floresta privada (em particular a floresta de minifúndio), um exemplo a seguir. É bom lembrar que a gestão da floresta pública já passou por dias bem melhores, naturalmente associados a períodos de maior estabilidade governativa, o que significa que é possível melhorar a gestão do património florestal público desde que se queira. Frases como “o futuro terá que se basear mais do que nunca na floresta privada” não podem merecer senão a nossa desaprovação. Se é um facto incontornável que o futuro terá efectivamente que se basear na floresta privada, já que ocupa perto de 85% da superfície florestal do País, o apontar como tendência desejável um aumento dessa dependência, é ir ao arrepio de quase tudo o que se tem escrito a este respeito.

 

Um outro aspecto altamente contestável prende-se com o princípio de especialização do território, que traduz de certa forma a filosofia de base de todas as medidas reflectidas nesta proposta de Estratégia. Dividir o país em produção lenhosa, gestão multifuncional e áreas costeiras e protegidas, não nos parece que seja uma abordagem adequada em termos de estratégia a seguir. Por exemplo, se excluirmos as áreas com declives superiores a 30% e as linhas de água, chegamos à conclusão que uma boa parte da área “vocacionada” para a produção lenhosa (correspondendo às regiões mais acidentadas do país) deverá antes servir preferencialmente objectivos de protecção do solo e do regime hídrico (para além dos objectivos de prevenção contra incêndios), de acordo até com os princípios da Reserva Ecológica Nacional. Deste modo, a abordagem deveria antes apontar princípios de base aplicáveis a todo o território e não fazer a sua divisão desta forma. A este respeito, parece-nos mais apropriada a utilização deste princípio quando aplicado aos PROF (Planos Regionais de Ordenamento Florestal) do que aplicada desta forma à escala nacional. E, por outro lado, porquê separar de forma tão dramática a produção de lenho da produção de cortiça, “relegando” esta para as áreas multifuncionais? Será que não se devem ter igualmente ter em conta critérios de optimização da produção de cortiça, sem dúvida a produção mais sustentável e estratégica da floresta portuguesa? Será que os autores do documento sabem que o sobreiro é uma espécie climácica em praticamente toda a região “vocacionada” para produção lenhosa? Será que sabem também que é a espécie com melhores características de resistência aos incêndios que recorrentemente fustigam a região “vocacionada” para produção lenhosa?

 

Percebem-se (mas não se concorda) as motivações da proposta quando se diz que “os investidores privados na área de produção lenhosa deverão ter garantias de que intervenções posteriores não virão a reduzir a rentabilidade dos seus investimentos.” Mas o que é que está em causa? É a defesa dos interesses dos investidores privados ou é a defesa dos interesses dos cidadãos em geral, mesmo que tal vá contra o interesse dos proprietários indivíduais? Estamos a pagar bem caro a primazia do interesse privado e empresarial sobre o interesse público relativamente ao ordenamento florestal, pelo que discordamos de afirmações como a anterior.

 

Por outro lado, pretende-se claramente abrir a porta à implementação de novas arborizações com eucalipto quando se refere que “A promoção pública da relocalização de espécies, e em particular do eucalipto, poderá ser efectuada através da atribuição de direitos de plantação tendo por base produtividades de referência.” Ou seja, desde que a estação seja a apropriada parece dever ser este o critério para a implementação de novas arborizações com eucalipto. A este respeito pensamos que uma estratégia nacional para as florestas deveria sem margem para dúvidas apontar como objectivo nacional uma diminuição da área de eucalipto em Portugal, sem MEDO de ferir a susceptibilidade dos agentes ligados a esta fileira. Tal não terá que implicar necessariamente uma redução da produção total porquanto há muito a fazer, tal como o documento reconhece, em matéria de optimização da produção.

 

Em relação à expansão da espécie para outras áreas de maior fertilidade, pensamos que a “colonização” de novas áreas por plantações de eucalipto, deveria ser fortemente condicionada, senão mesmo interdita. Em concreto no caso da expansão para áreas agrícolas (para o qual o documento propõe financiamento com dinheiros públicos), pensamos que se corre o perigo de acabar com as poucas descontinuidades de combustível que ainda existem em muitas regiões. Como tal o potencial de expansão para estas zonas deverá ser necessariamente limitado e consequentemente nem deveria ser mencionado num documento com esta natureza. Defendemos antes que a produção lenhosa deverá ser optimizada de forma a poder libertar áreas que possam cumprir outros usos, nomeadamente para floresta de conservação, independentemente da zona do País onde se situem. A este respeito refere-se que o “incentivo à reconversão de espécies visaria reinstalar matas de espécies naturalizadas na zona multifuncional”. Porquê apenas na zona multifuncional. As outras espécies autóctones (o termo “naturalizada” pode aplicar-se a qualquer exótica invasora…” o que revela algum desconhecimento de terminologia básica utilizada em ecologia) da região dita de “produção lenhosa” não merecem beneficiar desta reconversão? Refere-se que o “subsídio financiaria a reconversão de eucaliptais e pinhais marginais em montados de sobro ou azinho, soutos de castanheiros, carvalhais, ou outras espécies nobres ecologicamente adaptadas à área multifuncional”. Muito embora se trate de um aspecto positivo, a verdade é que os incentivos para a reconversão para floresta de conservação se deveriam estender a todo o País e não apenas à área multifuncional.

 

Algo que também nos preocupa profundamente é o aproveitamento da biomassa florestal para energia. Se é verdade que a ideia é interessante na sua origem devido às questões relacionadas com o cumprimento das metas de Quioto e mais ainda com a necessidade de diminuir a carga de combustíveis florestais para prevenir incêndios, os riscos inerentes a este tipo de actividades são enormes. Chegam-nos relatos de arranque de cepos deixando o solo completamente exposto à erosão e desprovido de matéria orgânica. Deste modo o documento deveria estabelecer claramente alguns limites a esta actividade e evidenciar os problemas que daí poderão advir. Há ainda o perigo da substituição de vegetação natural por produções para energia, tal como já se verificou com as produções para pasta para papel. Francamente tememos uma repetição da corrida absurda ao “petróleo verde” dos anos oitenta, neste caso agravada pelo facto de poder ocorrer um pouco por todo o país e de incluir sistemas ainda mais intensivos e desgastantes dos recursos de solo e da água, que a cultura de eucalipto para pasta para papel. O financiamento do aproveitamento de biomassa para energia deverá deste modo ser encarado com bastante cautela.

 

 

Omissões particularmente graves

 

– A Estratégia esquece completamente a situação internacional em termos da falta de competitividade da floresta de eucalipto e de pinho em Portugal (vide Boletim AGRIS-Expresso de 1 de Abril de 2006 artigo de João Soares). Tudo se passa como se estivéssemos em plena década de oitenta em que tudo valia para aumentar o PIB e em que Portugal ainda era concorrencial ao nível dos produtos lenhosos da floresta.

 

– A omissão em termos da importância das espécies autóctones vai ao ponto de se falar em “espécies naturalizadas”, que em rigor significa quaisquer espécies que se tenham naturalizado, sejam elas exóticas ou nativas.

 

– A Estratégia é completamente omissa quantos aos aspectos, éticos estéticos, sociais e culturais associados à floresta.

 

– Nos indicadores que se referem no final do documento como forma de monitorizar o cumprimento dos objectivos traçados, não há um único que faça referência aos aspectos ligados à biodiversidade ou ao valor ecológico das formações florestais.

 

– Não se refere a utilização do fogo controlado como ferramenta incontornável na gestão de combustíveis.

 

– A Estratégia no seu ponto 4.1 Especialização do Território, na “Figura 36 – Diferenciação geográfica e distribuição das funções dominantes do espaço florestal”, representa a Rede Nacional de Áreas Protegidas, esquecendo os Sítios da Rede Natura que decorrem da Directiva Habitats da União Europeia. É bem verdade que a Rede Natura 2000 incomoda muita gente (ou pelo menos algumas pessoas) mas uma Estratégia Nacional para as Florestas não pode praticamente ignorar a sua existência. Apenas se faz menção às Áreas Classificadas na Figura 15 e o termo Rede Natura 2000 está ausente do texto principal.

 

– As invasões biológicas por espécies exóticas constituem uma das principais ameaças à diversidade biológica a nível global, sendo reconhecidas como um dos principais fenómenos associados às alterações globais. Trata-se de um problema de dimensões crescentes, quer pelos impactos negativos directos a nível das perdas de biodiversidade, desequilíbrio dos ecossistemas e perdas económicas associadas à produtividade, quer indirectamente pelos gastos elevados associados às acções de controlo/mitigação dos efeitos negativos causados por estas espécies. Neste contexto é um tópico de elevada relevância que não deveria estar omisso no capítulo “Uma mudança de contexto” desta Estratégia. Por outro lado, trata-se de um aspecto que está previsto em diversos compromissos internacionais envolvendo Portugal e que deveria claramente estar incluído no documento.

 

 

Algumas sugestões e ideias

 

Criação de um Código Florestal

 

Tal como é reconhecido no documento, existe uma enorme dispersão de diplomas legais com incidência sobre a floresta. Refere-se a necessidade de simplificar o quadro legal existente, mas não se refere a criação de um documento único, tal como existe noutros países Europeus, que regulamente todas as práticas florestais. A existência de um código florestal poderia refrear a tendência para se fazer legislação avulsa e permitiria ter um documento de referência com a regulamentação das actividades do sector.

 

Integração da tutela das florestas no Ministério do Ambiente

 

Face à crescente importância da componente ambiental e das externalidades associadas à floresta, estamos convencidos que, à semelhança de outros países europeus, a tutela do sector deveria estar no Ministério do Ambiente. Tal permitiria a eliminação de uma série de ambiguidades, de contradições e de sobreposições (claramente evidentes no documento em apreciação). Esta não é uma ideia nova e foi inclusive admitida pelo então Ministro da Agricultura Sevinate Pinto, em 2003. A este respeito importa afastar os fantasmas que intimidam os agentes do sector mais ligados à produção florestal e para tal basta ver o que se passa na nossa vizinha Espanha, com condições muito semelhantes às nossas.

 

Legislação de protecção às florestas autóctones

 

A criação de legislação de protecção às florestas autóctones é algo absolutamente fundamental de forma a tentar preservar o pouco que resta do nosso património florestal natural. Por exemplo, não faz sentido que os montados de sobro e azinho sejam fortemente protegidos e que os montados de carvalho negral (e os carvalhais em geral) estejam à mercê da vontade dos proprietários e dos madeireiros. Pensamos que, dada a sua importância estratégica, o documento em apreciação deveria incluir claramente esta medida.

 

Compensação dos proprietários de floresta de conservação

 

A par com a legislação de protecção deverão existir mecanismos de compensação que motivem os proprietários de florestas autóctones a zelar pela sua preservação. Estes mecanismos poderão ser encontrados no quadro do Fundo Florestal Permanente, no âmbito do mecenato florestal ou de quaisquer outras fontes de financiamento julgadas adequadas.

 

Assumir claramente como objectivo nacional o aumento da área de floresta autóctone e a diminuição da área de plantações de eucalipto

 

Este deveria ser um desígnio nacional assumido sem quaisquer preconceitos. A questão das florestas de eucalipto é sistematicamente tratada como um tabu pelas autoridades do Estado. Este tabu traduz-se por exemplo na escolha da terminologia substituindo “eucalipto” por “espécies de rápido crescimento” e raramente fazendo a distinção entre espécies exóticas e espécies autóctones (o documento em apreço não o faz por exemplo). A afirmação estafada que refere que “as espécies são todas iguais” e que “não há espécies boas ou más” é também uma forma de não abordar a questão frontalmente. Trata-se aqui, claramente, de uma questão de valores e de decidirmos se damos ou não importância ao nosso património natural, logo às nossas espécies autóctones. Sabendo que as florestas de eucalipto têm sido fortemente concorrenciais com as espécies autóctones há que separar claramente as águas a este respeito, sem medo de ferir susceptibilidades. Portugal é único país da Europa em que uma exótica proveniente do outro lado do Planeta aumentou de forma tão impressionante e tão descontrolada a sua área de expansão (provavelmente a segunda ou a primeira espécie com maior área neste momento). É tempo de assumir claramente que não só não queremos que esta tendência se mantenha mas que queremos que a tendência se inverta.

 

Promover a realização de um inquérito nacional sobre o sentir dos Portugueses sobre as florestas

 

Aspectos como o descrito anteriormente poderiam ser mais facilmente abordados, caso existisse uma noção mais clara do que os cidadãos pretendem da floresta hoje em dia. Claramente, as decisões têm que deixar de ser apenas influenciadas pelos parceiros directamente envolvidos no sector mas ser fruto de uma consulta à sociedade em geral.

 

 

Comentários Finais

 

Em termos de apreciação global parece-nos um documento francamente desequilibrado na medida em que é praticamente omisso relativamente aos aspectos relacionados com as funções da floresta enquanto ecossistema, enquanto paisagem e enquanto património de interesse público. Trata-se de uma visão claramente economicista e muito parcial que, estamos convencidos, não reflecte o sentir de uma boa parte da sociedade portuguesa relativamente àquilo que considera serem as valências dos espaços florestais. Esta sociedade é cada vez mais, quer se queira quer não, quer se goste quer não, uma sociedade urbanizada e que encara a floresta como um espaço que visita e que contempla e não como um espaço onde trabalha ou do qual depende em termos económicos. É provável que estes aspectos tenham estado na mente de quem redigiu o documento, mas a verdade é que não transparecem da sua leitura. Deste modo, esperamos que a discussão pública que está em curso venha a permitir que a proposta de Estratégia Nacional para as Florestas seja substancialmente alterada de forma a reflectir pelo menos alguns dos aspectos referidos neste Parecer.

 

Lisboa, 26 de Abril de 2006

 

As Direcções Nacionais da

LPN – Liga para a Protecção da Natureza e QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza