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Estudo “Regadio 20|30” incentiva uso cego da água – Quercus denuncia falta de transparência no processo de consulta pública

Mais de um mês após o término da consulta pública (CP) ao estudo “Regadio 20/30 – Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década”, e ultrapassado o prazo legal estipulado para a sua divulgação, a Quercus – ANCN vem denunciar o facto de os pareceres e contributos resultantes da mesma se encontrarem por publicar, o que revela uma falta de transparência inaceitável.

O estudo “Regadio 20/30 – Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década”, refere que apenas 15% da superfície agrícola utilizada a nível nacional (SAU) tem acesso ao regadio, perfazendo uma área total de 626.820 ha de superfície irrigável e de 562.255 ha (pública e privada) de superfície regada. Prevê-se 787 M€ de investimento total, em modernização e reabilitação de 588 infraestruturas de regadio existentes e instalação de 199 em regadios existentes, que aumentará a área em mais 500.000 ha.

Mas o valor dos investimentos poderá ser muito superior. Considerando 233 milhões do Programa Nacional de Regadios, 400 milhões do Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030) e o investimento previsto no PRR para a construção da barragem do Pisão, no total estamos a falar de cerca de 1,5 mil milhões para aplicar em regadio na próxima década, valor que ultrapassa as utópicas previsões de necessidade de investimento apresentadas num recente estudo divulgado pela FENAREG, entidade que representa mais de 90% do regadio organizado nacional (1).

A demonstração do uso para regadio da Barragem do Pisão

Causa também estranheza a forma como foi possível inscrever no PRR, o investimento no Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato, mais conhecido por Barragem do Pisão. Para ultrapassar os constrangimentos que poderiam ser criados pela Comissão Europeia a este investimento, nomeadamente pela aplicação da Diretiva Quadro da Água e o European Green Deal (Pacto Ecológico Europeu) que apontam para “uma análise ambiental profunda da necessidade de construção de novas barragens de regadio”, justifica-se o alagamento de  700 hectares de montado num ecossistema equilibrado e habitat de aves estepárias, com a possibilidade de esta reserva de água vir a constituir uma alternativa ao abastecimento público a 110 mil pessoas nos 15 municípios do distrito de Portalegre, afirmando a entidade  promotora que o seu “principal objetivo é garantir a disponibilidade de água para consumo urbano’.

Atente-se neste aspecto, ao fato de que esses 15 Municípios são abastecidos por 3 subsistemas de distribuição de água ‘em alta’ que não se interligam entre si, e que esta reserva de água apenas constituirá alternativa ao subsistema abastecido pela Barragem da Póvoa e Meadas que abastece apenas 8 Municípios: Nisa, Crato, Gavião, Alter do Chão, Ponte de Sor, Avis, Fronteira e Sousel. Carece ainda da construção da adutora que interligue a Barragem a esse eixo central do sistema. Ora não é esta a prioridade nem do governo nem da entidade responsável pelo empreendimento, já que o concurso que foi lançado de imediato foi o do projeto de execução de infraestruturas de regadio da Barragem do Pisão, com um valor base superior a 568 mil euros (2). A vocação agrícola deste empreendimento fica assim demonstrada e, se a prioridade fosse o abastecimento público de água, então poder-se-iam com muito menor custo fazer avançar as obras de manutenção da Barragem de Póvoa e Meadas e a interligação do subsistema Póvoa ao subsistema da Apartadura, consignando ao abastecimento público esta última reserva de água e não apenas os 20% que atualmente vigoram, sendo os restantes 80% dedicados à agricultura.

A Quercus considera assim este investimento no regadio como excessivo, sem considerar abordagem integrada, o interesse das regiões, todos os usos e utilizadores deste recurso natural cada vez mais escasso, ignorando preservação dos ecossistemas. 

Para a Quercus é inaceitável que se insistam em políticas públicas que estimulam crescente aumento da procura de água no setor agrícola, e incentivo de práticas agrícolas que degradam o solo, diminuem a sua capacidade de retenção de água e contaminam com pesticidas e fertilizantes de síntese, comprometendo o futuro do próprio setor agrícola, outros setores económicos, designadamente de abastecimento de água e saneamento, a preservação dos ecossistemas e, no limite, as condições mínimas de subsistência das populações.

Na verdade, são cada vez mais visíveis os impactos ambientais, sociais e económicos do atual modelo agrícola, em particular para as comunidades locais que veem avanço desenfreado de culturas intensivas, com destaque para o olival e amendoal, com destruição de valores naturais, como destruição de galerias ripícolas, substituição de áreas de montado e culturas tradicionais de sequeiro, mobilizações destrutivas de solo, aplicações excessivas de pesticidas, e as mais valias da produção são exportadas.

Que soluções para uma agricultura adaptada é realidade que vivemos de crise climática?

A Quercus elenca algumas das medidas mais importantes:

  1. Aumento da matéria orgânica/carbono no solo, para a retenção de água no solo e infiltração para os aquíferos, através da redução da mobilização de solo e enrelvamento permanente em culturas perenes (olival, amendoal e outros pomares de frutos secos, pomares de frutos frescos, soutos para castanha, pequenos frutos de ar livre como o mirtilo).
  2. Empalhamento (mulching) para abafamento de plantas infestantes e conservação da fertilidade e humidade do solo.
  3. Pequenas barragens e charcas/represamento para melhor acesso à água e possibilitar regadio com menor impacte ambiental.
  4. Abandono dos herbicidas, nomeadamente do glifosato, para evitar perturbação das funções ecológicas do solo, em vez de este ser considerado como matéria inerte para suporte das raízes das culturas.
  5. Culturas mais adaptadas às condições de solo e clima para aumento da produtividade para a mesma quantidade de água usada (por exemplo azevém em vez de milho para forragem), ou menor consumo de água para igual ou superior rentabilidade (por exemplo alfarrobeira em vez de abacateiro no Algarve).
  6. Proteção e recuperação de galerias ripícolas e sebes biodiversas com espécies nativas (ou autóctones).
  7. Policultura e diversificação de cultivos, nomeadamente novas práticas agroecológicas como agricultura sintrópica e agrofloresta.
  8. Incentivos a culturas tradicionais de sequeiro e maior incentivo à produção em agricultura biológica de qualidade, de que neste momento Portugal é muito deficitário recorrendo a importações, em especial de frutos frescos, cereais e lacticínios biológicos.
  9. A redução significativa de adubos e pesticidas de síntese química na agricultura convencional e melhorias no seu uso, produtos que são atualmente uma fonte de poluição da água superficial (pesticidas, salinidade) e subterrânea (nitratos, com nove zonas vulneráveis nas regiões de agricultura mais intensiva, com níveis acima do limite legal para consumo humano).

As previsões sobre as alterações climáticas apontam para subidas de temperatura consideráveis e mudanças profundas nos padrões de precipitação, mas importa realçar que não temos de ficar reféns e resignados a esta inevitabilidade. Apesar da complexidade do sistema climático, e de fenómenos à escala global, é possível ao nível local/regional restabelecer o ciclo da água através de recuperação do coberto vegetal natural na maior área possível do território. Além da proteção e recuperação de galerias ripícolas e sebes agrícolas, e de novos sistemas produtivos de agrofloresta, temos de considerar coerência na gestão do território, com a rearborização das faixas de gestão de combustíveis (bermas de estradas e envolvente de habitações e povoamentos), invertendo a situação atual de abate e desmatação sem fundamento técnico-científico, a conversão e instalação de mais espaços verdes numa conceção mais natural, com predomínio de plantas nativas.

A Quercus considera que a seca severa que assola o país em níveis sem precedentes obriga a respostas aos problemas de fundo e um trabalho de articulação e envolvimento de todos os setores, entidades competentes e a sociedade civil.

 

Lisboa, 21 de fevereiro de 2022

A Direção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

___________

Referências:

1- http://www.fenareg.pt/fenareg-propoe-estrategia-de-longo-prazo-para-o-regadio-em-portugal/

2- CP n.º 384/DGADR/2021 – Projeto de Execução de Infraestruturas de Regadio do Aproveitamento Hidroagrícola do Crato, https://dre.pt/dre/detalhe/doc/15818-2021-176059611