A Quercus desenvolveu hoje, dia 3 de Setembro, data da abertura de mais uma época de caça às aves aquáticas – patos, galeirão e galinhas d’água, uma acção de alerta para a contaminação do chumbo nas zonas húmidas e apelou ao fim da caça na Lagoa de Melides. Nesta acção a Quercus colocou 10 “espantadores” de caçadores na Lagoa de Melides, Grândola, constituídos por bonecos de aves elevados por estacas de 4 metros.
FIM DA CAÇA NA LAGOA DE MELIDES
No decorrer desta acção a Quercus alertou para a necessidade de se fazer a proibição da caça na Lagoa de Melides, zona húmida da costa alentejana situada no concelho de Grândola. Esta zona húmida tem sido sujeita a diversas pressões que têm a ver com a actividade agrícola nas várzeas a montante da lagoa, com a drenagem e pressão sobre as suas margens, a poluição e a gestão da abertura ao mar. A actividade cinegética é outra das pressões a que a lagoa tem estado sujeita ao longo dos anos. A relativa pequena dimensão deste espaço natural, a existência de estradas, habitações e outras infra-estruturas na sua envolvência deveriam ser só por si suficientes para que ao abrigo do que está legislado quanto a distância mínima para a prática desta actividade já tivesse sido decretada a interdição da caça nesta área.
Acresce ainda o facto de que a actividade cinegética ao introduzir chumbo no ecossistema tem um impacte nas aves aquáticas, em especial nos anatídeos – patos – que frequentam a zona.
CHUMBO DEVERÁ SER GRADUALMENTE ELIMINADO DAS MUNIÇÕES DE CAÇA
Há muito tempo que é reconhecido o papel negativo do chumbo nas aves. Estes animais ao ingerirem pequenas pedras de areia e pequenas pedras para ajudar a digestão na moela acabam por também ingerir as pequenas esferas de chumbo dos cartuchos usados na caça. Daí resulta a intoxicação conhecida por saturnismo com efeitos diversos na saúde das aves podendo levar à sua morte. Calculando as muitas dezenas de milhões de cartuchos usados anualmente na nosso País é fácil perceber que estamos a falar de muitas toneladas de chumbo que ano após ano se vão acumulando nas nossas áreas naturais com especial impacte nas zonas húmidas. Estimou-se que a utilização de chumbo nas munições provocaria anualmente a morte de 1,4 2,6 milhões de patos por envenenamento na América do Norte. Actualmente a utilização do chumbo na caça às aves aquáticas está proibida em vários países (EUA, Dinamarca, Espanha). Estudos recentes obtiveram valores de envenenamento que chegam perto dos 60% em Pato real (para alguns períodos) em Portugal, ficando provada a ocorrência de mortalidade devido a este facto em Portugal.
Apesar de virmos a alertar há vários anos para a necessidade de se começar a limitar o uso deste metal nas munições de caça especialmente nas zonas húmidas a verdade é que a situação não tem tido nenhuma evolução positiva nos últimos anos. Isto apesar de Portugal ter assinado o Acordo para a Conservação das Aves Aquáticas Migradoras Afro-Euroasiáticas, onde entre outras medidas se aponta a redução do uso do chumbo nas zonas húmidas, a qual não foi no entanto regulamentado até à data. Sabemos que ao nível técnico existem já alternativas ao chumbo (por exemplo o aço) e que há alguma investigação a decorrer em relação á procura de novos materiais e à qual há que dar incentivo com vista ao seu prosseguimento.
Consideramos que é necessário começar a trabalhar de forma concreta no sentido da proibição da sua utilização começando de forma gradual pelas zonas húmidas, nomeadamente dentro das áreas protegidas e das zonas abrangidas pela Convenção de Ramsar – Convenção de Protecção às Zonas Húmidas de Importância Internacional – dando assim seguimento ao que diversos Países europeus já vêm implementando desde há vários anos atrás.
Calendário venatório também ajuda à pressão sobre espécies
O inicio da caça às aves migratórias em Agosto leva ao abate de aves protegidas que ainda não iniciaram a migração para África e origina uma sobreposição do início da época venatória com a fase final de nidificação de algumas espécies pelo que deveria ser adiada algumas semanas. Esta é uma situação que ocorre com a rola-comum e também com os patos uma vez que muitas aves se encontram ainda na fase de mudança de plumagem e outras se encontram ainda com juvenis.
Quanto à caça em Fevereiro temos realçado a necessidade de Portugal aderir à recomendação do Parlamento Europeu, reforçada pelo tribunal europeu, para considerar o período venatório apenas até aos finais de Janeiro. De facto, o prolongamento da actividade venatória até finais de Fevereiro, para além de afectar estas espécies, vai aumentar o risco para muitas espécies não cinegéticas, dada a falta de respeito de muitos caçadores pelas espécies protegidas.
A caça aos patos é permitida até 1 hora antes e depois do pôr-do-sol. Mesmo ao crepúsculo, continua a ser um problema em termos de conservação da natureza pelo facto de não se conseguirem distinguir correctamente as espécies e de muitas delas, não cinegéticas, serem por vezes abatidas.
MAIS EXIGÊNCIA NA GESTÃO E FISCALIZAÇÃO
No terreno continuamos a assistir a situações de incumprimento da legislação e de falta de fiscalização. O Chamado controle de predadores e o abate de exemplares de espécies protegidas continuam infelizmente a ocorrer. O uso de veneno é outro flagelo para o qual há que actuar e nesse sentido a Quercus e as outras entidades que integram o Programa Antídoto têm concretizado diversas actividades que visam o controle deste problema (www.antidoto-portugal.org).
Perante este cenário continua a ser confrangedora a falta de meios de fiscalização que as diversas entidades fiscalizadoras possuem para trabalho no terreno.
QUERCUS PREPARADA PARA RECEBER ANIMAIS FERIDOS DE ESPÉCIES PROTEGIDAS
Como é norma na nossa actuação estamos prontos para receber animais feridos nos núcleos e nos Centros de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André e de Castelo Branco geridos pela Quercus. Sugere-se, no entanto, que a entrega se faça preferencialmente nas sedes das áreas protegidas (Parques e Reservas Naturais) ou no SEPNA (Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da GNR), que os encaminharão para os nossos centros ou para outros centros geridos pelo Instituto de Conservação da Natureza e outras ONGs.
APELO À CONSCIÊNCIA DE QUEM CAÇA
Deixamos aqui o nosso apelo aos caçadores no sentido de respeitarem a lei e de serem eles próprios a impor uma conduta de bom comportamento junto daqueles que com eles partilham o gosto por esta actividade. Para além disso, exige-se que os meios humanos e materiais afectos à fiscalização sejam ampliados de modo a que as infracções possam ser detectadas e devidamente punidas.
Lisboa, 3 de Setembro de 2006
A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza