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Portugal não pode inverter a marcha das renováveis pela aposta no gás de xisto

magem: http://climateanswers.info

Shale-gasNum momento em que estão a ser discutidas as metas do Pacote Energia-Clima para 2030 ao nível da União Europeia, no que diz respeito ao uso de energias renováveis, eficiência energética e de redução das emissões de gases de efeito de estufa, a Quercus vem reforçar a necessidade de Portugal não inverter a aposta feita nas energias renováveis durante os últimos anos, no sentido de abrir portas à exploração de fontes não convencionais de petróleo e gás natural existentes no subsolo português.

Desde há vários anos que foram identificadas fontes de petróleo e gás natural do tipo não convencional em Portugal, mas que se encontram em condições de difícil extração pelos métodos convencionais no subsolo monsenhor (em terra) e offshore (em alto mar). Em Portugal, da região Oeste à Costa Vicentina, de Alcobaça ao Barreiro, existem estudos que apontam para a existência de reservas de gás de xisto (shale gas, em inglês), um tipo de gás natural que pode ser encontrado preso dentro de formações de xisto argiloso.

O gás de xisto tem estado sob grande controvérsia ao nível internacional devido ao seu modo de extração –  através da perfuração horizontal e da fraturação hidráulica (fracking, em inglês) – e que têm tido um desenvolvimento significativo durante a última década em países como os Estados Unidos da América, o Canadá ou a Austrália.

A fraturação hidráulica é uma técnica de perfuração que consiste em injetar grandes volumes de água, sob pressão e com a adição de areia e químicos, provocando fraturas para extração do gás no subsolo. Os impactos ambientais são múltiplos:

– Elevado consumo de água: por cada poço, e nas diferentes fases de exploração, são necessários entre 9 a 29 milhões de litros de água, o que num contexto de escassez de água agravado pelas alterações climáticas assume uma preocupação acrescida;

– Uso de químicos: para ajudar a extração do gás aprisionado nas fissuras de xisto argiloso, são adicionados químicos na proporção de 0,5-2,0% do total de água utilizada, com riscos para a saúde e o ambiente. Entre as substâncias conhecidas (cerca de 600), estão elementos tóxicos e alguns cancerígenos como o benzeno, o chumbo, o mercúrio, o urânio, o rádio, o metanol, o ácido clorídrico, o formaldeído, o metanol e o etilenoglico;

– Contaminação de solos e lençóis freáticos: as águas residuais do processo de injeção podem ser contaminadas com hidrocarbonetos (como metano, propano, butano e etano), gases (como dióxido de carbono, sulfureto de hidrogénio, azoto e hélio), metais pesados (como mercúrio, arsénio e chumbo), elementos radioativos (como rádio, urânio) e compostos orgânicos voláteis (como benzeno). Esta água contaminada não pode ser tratada numa estação de tratamento de águas convencional;

– Poluição do ar e ruído: nas áreas de exploração de gás de xisto, são frequentes episódios de poluição atmosférica, ao nível local, desde logo na fase de construção e operação do poço de extração, até ao transporte de materiais (água, químicos) e eliminação de resíduos. Alguns destes poluentes incluem benzeno, tolueno, xileno e etilbenzeno (BTEX), partículas, poeiras, ozono (troposférico), óxidos de azoto, monóxido de carbono, formaldeído e metais pesados que resultam da combustão do gás natural, com consequências para a saúde pública, como doenças respiratórias, neurológicas, cancro e até morte. O ruído pode ser causado pelo tráfego de camiões que transportam água e químicos até aos locais de extração;

– Emissão de gases com efeito de estufa (GEE): o metano (CH4) é o principal componente do gás natural, com um potencial de aquecimento global cerca de 25 vezes superior ao dióxido de carbono (CO2). Existem estimativas que apontam que cerca de 4 por cento do metano existente no gás extraído pode escapar-se para a atmosfera. O metano também pode ocorrer na água subterrânea em poços situados próximo de locais de extração, em concentrações que podem ser 6 ou mais vezes superiores à de um poço normal;

– Aumento da sismicidade: a fraturação hidráulica pode potenciar o risco de sismicidade induzida (ou seja, provocada pela ação humana) nas áreas de extração de gás de xisto (de magnitude 3 ou até superior).
Nos Estados Unidos da América, mas também em alguns países europeus que exploram gás de xisto (como o Reino Unido), os casos de contaminação da água, ar e solos tornaram-se cada vez mais frequentes, com impactos muito nocivos para o ambiente e para a saúde das populações próximas dos locais de perfuração, o que deu origem a uma forte oposição da opinião pública por todo o mundo e em particular na Europa.

Gás de xisto como opção energética

A extração de petróleo e gás natural do tipo não convencional, como o gás de xisto, implica continuar a promover um modelo energético baseado em combustíveis fósseis. A Agência Internacional da Energia admitiu, em 2012 que, dois terços das reservas confirmadas de combustíveis fósseis deverão ser mantidas no subsolo até 2050, no sentido de limitar o aquecimento global em 2ºC e evitar as consequências mais dramáticas das alterações climáticas(1). Portanto, manter o nível de procura e exploração de novas reservas de combustíveis fósseis em detrimento do investimento em energias renováveis, representa uma inversão do modelo energético e um retrocesso no cumprimento das metas climáticas acordadas ao nível internacional.

Gás de xisto na União Europeia

Ao nível da UE, o Parlamento Europeu já reconheceu que não existem estudos que garantam a fiabilidade ou a segurança da extração de gás de xisto. Para além disso, a maior parte da legislação ambiental é anterior à prática da fraturação hidráulica maciça, e por este motivo, alguns aspetos ambientais específicos suscitaram preocupação pública e pedidos de intervenção da UE. No início de 2014, a Comissão Europeia dirigiu aos Estados-membros recomendações para cumprirem princípios mínimos(2) para salvaguarda dos danos ambientais e das populações na exploração de gás natural com recurso à fraturação hidráulica. Estes princípios não são vinculativos, o que deixa ao livre critério dos Estados-membros a sua aplicação.

Na UE, apenas a França, a Holanda, o Luxemburgo, a República Checa, a Bulgária e, mais recentemente a Roménia, estão entre os países que adotaram moratórias definitivas ou temporárias contra a fraturação hidráulica, devido à forte oposição pública. Outros países, ainda, suspenderam projetos em curso (como a Alemanha) ou adotaram legislação muito estrita, tornando a extração de gás de xisto não rentável do ponto de vista económico (como a Áustria). Outras regiões da Europa também baniram a fraturação hidráulica, como a Cantábria (Espanha) ou o cantão de Friburgo (Suíça). A indústria de exploração de gás tem intentado ações legais contra tais proibições, para precaver os seus interesses nos acordos comerciais da União Europeia com outros parceiros económicos.

A aposta europeia na exploração de gás de xisto não é justificável, porque:

– a UE detém apenas 17-33% das reservas conhecidas de gás de xisto por comparação com os EUA e os custos da sua exploração poderão ser 150-250% superiores, por unidade de combustível;
– o gás de xisto não vai reduzir os preços da energia, nem vai aumentar a segurança do abastecimento energético na UE. A Agência Internacional de Energia estima que apenas 2-3% do consumo de gás natural poderá ser proveniente de gás de xisto em 2030;
– a exploração de gás de xisto não vai ajudar a mitigar as alterações climáticas. O investimento em gás de xisto, um combustível fóssil com emissões de grande impacte climático (a pegada de carbono do gás de xisto está estimada entre 423-535 gCO2eq/kWh) pode desviar o investimento em fontes de energia renovável, mais limpas e seguras.

Existe gás de xisto em Portugal?

No país, existem reservas de petróleo e gás natural do tipo não convencional, nomeadamente nas bacias de Peniche e Algarve (offshore, em alto mar) e nas zonas do Barreiro e Aljubarrota/Torres Vedras (onshore, em terra)(3). Desde 2007, anteriores executivos do Governo atribuíram várias concessões a consórcios de empresas petrolíferas, maioritariamente estrangeiras, para explorar estes recursos, com o falso argumento de contribuir para a diminuição da fatura energética das empresas e aumentar a sua competitividade.

A maioria destas concessões encontra-se em fase de estudos prévios e em alguns casos, de primeiras sondagens. Mais acresce, a legislação nacional sobre a pesquisa e exploração de petróleo e gás natural está bastante desatualizada (a maioria data de 1994) e não tem em linha de conta a evolução tecnológica (como o recurso à fraturação hidráulica) nem as salvaguardas ambientais que esta exige.

Em vários locais do país, estas atividades de pesquisa e sondagem têm gerado contestação pública, devido à falta de transparência e consulta das populações.

Em outubro passado, a Assembleia da República(4) recomendou ao Governo que, “em articulação com a academia, promova um estudo que aborde as vantagens e desvantagens da fraturação hidráulica em Portugal, e que promova estrita regulamentação de avaliação e salvaguarda dos respetivos impactos ambientais e sobre as populações”.

A posição da Quercus

A Quercus considera que Portugal não pode continuar a investir no estudo e exploração de combustíveis fósseis do tipo não convencional, como o gás de xisto, e por duas razões fundamentais:

– em primeiro lugar, a aposta no gás de xisto representa uma opção energética errada e contraproducente, tendo em conta o grande investimento em energias renováveis realizado nos últimos anos e a necessidade de investir em áreas prioritárias que têm sido esquecidas (como a eficiência energética) para reduzir a fatura energética do país e as emissões de GEE;
– em segundo lugar, a evidência dos impactes ambientais e de saúde pública (como contaminação de solos e águas, emissões poluentes), bem como económicos (ao nível das pescas e do turismo) em países onde o gás de xisto é largamente explorado, não podem ser negligenciados, tendo em conta o princípio da precaução.

Para além disso, a Quercus apela ao Governo para:

– Realizar um estudo exaustivo, com a colaboração de universidades e centros de investigação, para analisar os impactes ambientais e económicos associados com a fraturação hidráulica, e o papel que o gás de xisto no mix energético Português;
– Não atribuir novas concessões para exploração de petróleo e gás não convencional, até o estudo anterior estar concluído;
– Acompanhar e fiscalizar as atividades decorrentes dos contratos de concessão em curso, nomeadamente as atividades de pesquisa e prospeção, tornando pública a informação relativa aos estudos realizados;
– Realizar uma consulta pública, a nível nacional, sobre a fraturação hidráulica;
– Aplicar uma moratória à exploração de gás de xisto em todo o território nacional, sustentada no princípio da precaução, com vista à salvaguarda da saúde pública e da preservação do ambiente.

Lisboa, 28 de maio de 2014

A Direção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza



Notas para os editores:

(1) – International Energy Agency (2012): World Energy Outlook.

(2) – Comunicado de imprensa da Comissão Europeia sobre o gás de xisto (22 janeiro de 2014):  http://europa.eu/rapid/press-release_IP-14-55_pt.htm

Resumidamente, a Comissão recomenda:
– Antes de qualquer licenciamento, deve haver uma avaliação ambiental estratégica e os locais de exploração devem ser escolhidos após uma análise dos riscos de poluição da água e de outros impactes ambientais;
– A qualidade do ar, da água e do solo tem de ser caracterizada antes do início da exploração e constantemente monitorizada. Devem ainda ser adotadas as melhores práticas e tecnologias que garantam em especial a integridade do furo em si (evitando o risco de fugas de gás);
– Os químicos utilizados terão de cumprir as normas já existentes na UE quanto à sua segurança e deve haver informação disponível ao público sobre estes químicos;
– Os Estados-membros deverão exigir garantias financeiras aos operadores para possíveis responsabilidades ambientais.

(3) – Informação da DGEG sobre concessões e licenças em Portugal: http://www.dgeg.pt/dpep/pt/info_pt.htm

(4) – Resolução da Assembleia da República, nº 144/2013 de 25 de outubro: http://www.dre.pt/pdf1s/2013/10/20700/0629806298.pdf