O Núcleo Regional da Quercus da Madeira vê com grande preocupação as notícias recentemente vindas a público sobre a ampliação e construção de novos campos de golfe na região.
Consideramos que esta opção pelo investimento público no golfe, no contexto regional e global, revela “miséria de cabeça” por parte do governo regional. Evidencia uma incapacidade de hierarquizar racionalmente prioridades, fazendo lembrar aquelas pessoas com consumos aditivos que gastam no vício o que têm e o que não têm, indiferentes às necessidades daqueles que lhes são próximos, levando frequentemente ao seu empobrecimento, enquanto contribuem para o enriquecimento de máfias que exploram a sua dependência.
Surpreende que o investimento no golfe, tão propalado como tendo retorno garantido, seja incapaz de aliciar a iniciativa privada a avançar por si só, sem o assistencialismo do governo, quando o turismo regional bate recordes de proveitos e tem uma dimensão assinalável, responsável por uma parte importante do PIB regional. Até os prize-moneys dos torneios são subsídio-dependentes!
Enquanto isto, a quantidade de resíduos produzidos na região continua a crescer e a Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra já está a operar acima da sua capacidade de incineração. Os responsáveis por esta infraestrutura falam da necessidade de uma terceira linha, que tem um custo “muito significativo”, mas este tipo de investimento não dispõe atualmente de financiamento europeu.
Vai o governo regional investir na implementação de um programa de prevenção da produção de resíduos e de separação mais eficiente para reciclagem, de modo a diminuir o volume de resíduos a incinerar? Tem outra solução?
Problemas nas redes de drenagem de águas residuais, subdimensionamento de estações elevatórias ou mau funcionamento de ETARs estão na origem de descargas recorrentes de águas residuais não tratadas na costa sul da Madeira. Existem aglomerados populacionais que não são servidos por rede de recolha e tratamento de águas residuais e há concelhos com grande crescimento turístico que têm uma rede rudimentar! Estas situações não se coadunam com a qualidade ambiental que residentes e turistas desejam. Irá o governo contribuir para a resolução destes problemas ou para o seu agravamento?
Estará a liderança política regional ciente das implicações para a região da nova Diretiva das Águas Residuais Urbanas?
As projeções climáticas mais recentes para a região apontam para uma redução da precipitação anual, em todos os cenários e horizontes temporais estudados, acompanhada de um aumento da temperatura média, até ao fim do século. Para o período 2021-2050, a precipitação anual sofrerá uma redução de 10 a 16% ou, no pior cenário, uma redução de 40 a 48%. Isto significa que, no futuro próximo, a disponibilidade de água será menor e temos de nos adaptar. Vamos ter de reduzir o consumo, porque não vai haver água suficiente. Não faz, por isso, qualquer sentido apostar em atividades que impliquem um consumo elevado de água, como é o caso do golfe e da sua componente imobiliária. Os “novos residentes de alto rendimento” que se têm vindo a instalar na região têm um padrão de consumo mais elevado, que se percebe pelo número crescente de piscinas construídas. E o governo pretende captar e fixar ainda mais destes residentes? Vai pedir ao madeirense comum que reduza o seu modesto consumo, fechando os olhos ao esbanjamento dos novos residentes? A restrição será feita pelo custo da água?
A redução da disponibilidade de um recurso só será aceite pacificamente se for feita com justiça e, na Madeira, existe um histórico de conflitualidade associada à água que o governo não deve ignorar.
Ao apostar no golfe, o governo está a influenciar a procura do recurso Água no sentido oposto ao que devia fazer.
Existe urgência em: proteger as zonas de infiltração; melhorar o estado de conservação das formações vegetais que potenciam a captação de água dos nevoeiros e a infiltração de água nos solos; reflorestar com essa finalidade; reduzir as perdas nas redes de distribuição; implementar a distribuição da água de rega sob pressão de modo a permitir modos de rega mais eficientes, sem custos energéticos; elaborar e executar um programa regional para o uso eficiente da água.
A Madeira é uma ilha pequena, com uma densidade populacional elevada, superior à média do país e da Europa, e uma orografia difícil. As áreas com aptidão agrícola que, com enorme esforço dos nossos antepassados foram conservadas e ampliadas, têm vindo a ser delapidadas pela pressão urbanística, sem que se veja, por parte do governo, a preocupação de conservar esse recurso vital que é o solo agrícola. Não entendemos a ausência de uma reserva agrícola na região e consideramos criminosa a promoção de campos de golfe e imobiliário associado em áreas com aptidão agrícola. Em caso de conflito ou escassez global, esta obsessão doentia pode constituir um risco sério para a segurança alimentar dos madeirenses.
Não somos contra o turismo! É uma atividade que está para a economia como um medicamento para um problema de saúde – na dose certa, resolve; em excesso, torna-se tóxico e até pode ser fatal! A opção não pode ser tudo ou nada. Deve ser uma dose otimizada! Infelizmente já temos muitos sinais da toxicidade do turismo. E não é o golfe que vai requalificar o destino. É a gestão dos resíduos, o tratamento das águas residuais, a gestão da água, a conservação dos solos, da natureza e da paisagem.
Elsa Araújo
Presidente do Núcleo Regional da Madeira
