O Encontro realizou-se no Centro Cultural de Carnide, em Lisboa, no dia 30 de março, último dia da “Semana sem Pesticidas” promovida dinamizada por dezenas de organizações ambientalistas em toda a Europa.
No total inscreveram-se 205 pessoas, e dada a lotação de 172 lugares do auditório do Centro Cultural de Carnide, considerou-se prudente condicionar novas inscrições, mas compareceram 146 correspondentes a 1 associação de municípios (de S. Miguel – Açores), 31 freguesias e 29 municípios, principalmente quadros técnicos, mas também responsáveis políticos, e representantes de 12 empresas, 1 ONG, 1 IPSS e 1 clube desportivo e ainda 10 cidadãos.
O apoio institucional da ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias e da ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses, que a Quercus agradece publicamente, terá sido importante para a boa adesão das autarquias.
Com um programa diversificado que incluiu demonstração pela Freguesia da Estrela dos equipamentos que está atualmente a utilizar, apresenta-se uma síntese:
Sessão de abertura:
Paula Nunes Silva – Vice-Presidente da direção nacional da QUERCUS – ANCN
Jorge Veloso – Vice-Presidente do Conselho Diretivo da ANAFRE
Testemunhos
– Fábio Sousa – presidente da Junta de Freguesia de Carnide – Dinâmicas sociais na gestão do espaço público
Na freguesia existe o maior bairro municipal da península ibérica e o 2º maior da Europa, o bairro Padre Cruz, o que representa um desafio para a autarquia. Têm um programa de educação para a cidadania com uma mascote, o SOU que “vive” na Junta de Freguesia e visita regularmente os Jardins de Infância e Escolas de 1º ciclo da freguesia; acolheu em maio de 2016 um Festival de Arte Urbana, o primeiro do género em Lisboa, e o mais importante foram os meses de preparação que antecederam este evento, para se evitar os vandalismos das obras após o evento foi implementada uma estratégia que envolveu a comunidade, com o apoio de outros voluntários, na requalificação do bairro através da plantação de árvores, restauro de muros, etc. A freguesia de Carnide é líder de participação no orçamento participativo e uma das autarquias com menor taxa de abstenção do país.
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– Daniel Termont – Presidente da Câmara de Gent (cidade belga com 250.000 habitantes)
Num curto discurso pretende inspirar outras localidades. Realça as motivações para o abandono dos pesticidas, o processo de transição e os resultados alcançados. Algumas plantas espontâneas foram permitidas, a cidade tornou-se mais verde, mais florida, com mais aves, a reação dos residentes foi muito positiva, os jardineiros aprenderam muito sobre plantas e passou a ter apicultores. Gent tornou-se uma cidade aprazível para todos!
– Demonstração de equipamentos de monda não química – Junta de Freguesia da Estrela (Lisboa)
Os pavimentos de calçada à portuguesa abundam na freguesia situada no centro da capital o que representa um duplo desafio para a sua gestão adequada sem recurso a herbicidas. O protocolo habitual é primeiro a passagem da máquina a valor de água a 180ºC que simultaneamente faz a deservagem (por morte das ervas visível pela sua secagem ao fim de cerca de 3 dias) e a limpeza das ruas na mesma operação, e 1 semana depois a passagem da roçadora mecânica que retira os resíduos das ervas, com risco muito reduzido de projeção de outros lixos, pequenas pedras, etc., e consequentes danos em viaturas, por exemplo, que por sua vez são arrastados por sopradores e posteriormente recolhidos.
Testemunho de Freguesias
Estêvão Gomes – Presidente da Junta de Freguesia da Praia do Norte (Horta – Açores)
O novo executivo que tomou posse em 2009 decidiu abandonar os herbicidas o que veio a acontecer a partir de 2011, assim que esgotaram o stock existente (nota: é a primeira autarquia que se conheça em Portugal a abandonar os herbicidas). Com um clima ameno e húmido que favorece o desenvolvimento das ervas espontâneas e um orçamento muito limitado, a freguesia tem apenas 250 habitantes, o controlo das ervas espontâneas sem herbicidas é um desafio. Usam unicamente meios moto-manuais (motorroçadora) e manuais (enxada) e o controlo é feito quase todos os meses, exceto em janeiro, março e novembro. Têm também realizado ações de sensibilização para práticas agrícolas em modo biológico e alternativas aos herbicidas.
Luís Newton – Presidente da Junta de Freguesia da Estrela (Lisboa)
Sensível à interpelação da campanha da Quercus foi a primeira autarquia de Lisboa a abandonar os herbicidas, tendo aderido no ano do seu lançamento, ou seja em 2014. O facto de não terem feito qualquer transição colocou uma pressão enorme na procura de soluções viáveis. O executivo tem-se mantido firme na convicção de continuar os progressos na gestão dos espaços públicos zelando pela saúde pública e ambiente da cidade, já que esperam que pelo seu exemplo outras autarquias, em especial o próprio município de Lisboa, também optem pelo abandono dos herbicidas.
Testemunho de Município
Controlo de infestantes no espaço público do município de Lisboa
Fernando Santos – Eng.º, Chefe de Divisão de Planeamento, Gestão e Manutenção da Estrutura Verde do município de Lisboa
O município de Lisboa tem vindo a estudar várias técnicas e equipamentos para controlo de vegetação espontânea e neste momento apenas está a utilizar herbicidas em situações pontuais muito específicos, como em cemitérios (nas zonas sem espaço para a operação de meios alternativos) e no controlo de algumas espécies invasoras.
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Testemunho
Controlo de vegetação espontânea sem herbicidas em áreas florestais
Nuno Lourenço – QUEIRÓ – Associação para a Floresta, Caça e Pesca
A Queiró é uma OPF – Organização de Produtores Florestais da área da Covilhã, e em reunião de direção, em 5/9/2016, deliberou adaptar o Manifesto “Autarquias sem Glifosato” para “OPF sem Glifosato”, nesse mesmo dia os operacionais também concluíram a formação de aplicadores de pesticidas, com o objetivo dos seus serviços poderem ser solicitados por quem pretenda que os pesticidas pudessem ser aplicados para assim terem a oportunidade de apresentarem a alternativa não química que invariavelmente tem sido a opção dos clientes.
(Nota: Muito honra a Quercus por esta iniciativa pioneira no sentido de alargar a abordagem sem de herbicidas a outras entidades que operam no nosso território, em espaços públicos e privados.)
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Comunicação
Abordagem sem herbicidas nos espaços públicos: comunicação, medidas preventivas e alternativas
Alexandra Azevedo – QUERCUS – ANCN – Campanha Autarquias sem Glifosato/Herbicidas
Após uma introdução com alguns dados que importa conhecer sobre os herbicidas em geral, e o glifosato em particular, como impactos no ambiente e na saúde, contaminação na urina e no leite materno, interpela-se a observar vários espaços e diferentes soluções aplicadas, com base também nos exemplos de autarquias europeias: pavimentos, linhas de água, rotundas e separadores centrais, bermas e taludes, jardins públicos e cemitérios. Na abordagem sem herbicidas, e para melhorar a eficiência, é necessário boa comunicação, formação dos técnicos e operacionais, envolver a população e organizações. As autarquias têm de assumir o seu papel na liderança deste processo.
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Comunicação
Tendências e potencialidades produtivas dos espaços urbanos
Cecília Delgado – Arquiteta, Urbanista e Investigadora em Planeamento Territorial e Agricultura Urbana e Desenvolvimento local na Universidade Nova de Lisboa – CICS.NOVA Lisboa.
As tendências produtivas dos espaços públicos: Multi-funções, Multi-atores e Multi-territórios. Apresentação de exemplos internacionais: Singapura (Singapura) e.g. verde hi-tech e estético; Malmo (Suécia) e.g. verde como política de sustentabilidade e parte de um sistema de mitigação das alterações climáticas; Ghent (Bélgica) e.g. verde como produção e desenvolvimento da economia local; Paris (França) e.g. verde como política pública de incentivo à produção local e redução da pegada ecológica; e Berlim (Alemanha) e.g. verde numa perspetiva de saúde pública e mitigação de crises pós-guerra. Mas será que conhecemos as potencialidades dos nossos próprios espaços públicos? Lisboa, a cidade global, ilustra a necessidade de refletir sobre outros usos possíveis destes espaços bastante mais produtivos do que uma visão superficial parece indiciar.
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Conclusões e análise de outras experiências e lições de autarquias europeias com mais experiência
Desde o início da campanha da Quercus, regista-se uma evolução no panorama nacional no que diz respeito ao controlo das plantas espontâneas por parte das autarquias. Um pouco por todo o país há autarquias a adquirir equipamentos alternativos à monda química e a testarem soluções. Verifica-se também que a oferta no mercado quer de empresas que produzem e comercializam equipamentos quer nas empresas prestadoras de serviços está a acompanhar esta tendência, oferecendo soluções alternativas aos herbicidas.
A crescente preocupação pelos impactos dos herbicidas, e consequente alerta público, a motivação dos decisores políticos e o trabalho dos técnicos na procura das melhores soluções têm contribuído para esta mudança.
No entanto ainda há um longo caminho a percorrer na sensibilização de toda a sociedade: autarquias, técnicos e população. A abordagem sem herbicidas é muito mais do que simplesmente substituir a aplicação de herbicidas por métodos alternativos. É preciso aceitarmos mais as plantas espontâneas e aprendermos mais sobre elas e formas de cooperação com a Natureza, adaptar a conceção dos espaços públicos à nova abordagem sem herbicidas (área e tipos de pavimentos, jardins e espaços verdes).
As autarquias que já abandonaram os herbicidas têm de lidar muitas vezes com as queixas da população que ainda não está consciente das implicações desta abordagem, o que acarreta uma sobrecarga de serviço para atender aos pedidos para maior controlo das plantas espontâneas, muitas vezes desnecessário. Ora, ao que sabemos não se conhece nenhuma estratégia de comunicação e de sensibilização da população devidamente estruturada realizada por uma autarquia, com uma comunicação sistemática nos respetivos websites oficiais, folhetos, sinalética e outros meios de comunicação para os seus munícipes/fregueses e/ou público em geral, sendo por isso fundamental dar-lhe prioridade.
Uma grande condicionante são os meios financeiros para operacionalizar as mudanças no terreno, e de facto neste momento as autarquias que abandonaram os herbicidas têm custos acrescidos, mas assumem esta opção como prioritária em detrimento de outros gastos e investimentos. Conhecer mais dados sobre os custos afigura-se importante para prosseguir o debate público e só as autarquias os poderão fornecer, pois são as produtoras desses mesmos dados.
Pela experiência de outras autarquias europeias a médio e longo prazo os custos passam a ser idênticos ou mesmos inferiores comparativamente ao uso dos herbicidas, pelo que as autarquias portuguesas têm ainda um percurso pela frente para atingir esses resultados, nomeadamente na implementação de medidas preventivas e em estratégias de comunicação. Por exemplo, no nosso país abundam os espaços verdes com uma conceção “antiquada”, ou seja, com demasiados relvados em vez de prados, e com poucas espécies autóctones.
Para se melhorar o desempenho e potenciar esta abordagem é necessária uma visão alargada sobre a gestão do espaço público que se interliga e abrange muitas outras questões como participação pública e educação para a cidadania, agricultura urbana, inclusão social, etc. Portanto, percebe-se que há muitas aprendizagens que todos temos de fazer, e se as fizermos JUNTOS tanto melhor! A nova legislação que entrará em vigor a partir de 22 de junho, o decreto-lei n.º 35/2017 de 24 de maio, que proíbe a aplicação de pesticidas em alguns espaços públicos, como jardins e parques urbanos de proximidade, escolas e hospitais, poderá dar mais um forte impulso à implementação de meios alternativos, e ao processo de transição para espaços públicos totalmente livres não só de herbicidas, mas também de outros pesticidas.
Em resumo podemos destacar que é necessário mais comunicação, investimento na formação de técnicos e operacionais, e integração de políticas.