Depois da primeira e marcante Presidência Aberta sobre Ambiente e Qualidade de Vida do Dr. Mário Soares em 1994, é com satisfação que a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza vê a escolha por parte do Presidente Jorge Sampaio do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável como tema a privilegiar no ano de 2004.
Neste contexto, e a um dia de início do lançamento desta Presidência temática, a Quercus sugere uma ênfase particular sobre cinco áreas estratégicas:
Mobilizar a sociedade civil para o desenvolvimento sustentável
A sociedade portuguesa, apesar de relevar uma elevada sensibilidade para os assuntos de natureza ambiental, revela uma participação cada vez mais reduzida na intervenção quotidiana, em termos individuais e colectivos, bem como ao nível do voluntariado. Por outro lado, a tão prometida integração de políticas continua a ser uma ilusão, em que cada área, do poder central ou local, está compartimentada, não existindo uma visão de conjunto. O Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável poderá arriscar-se a ter o mesmo destino do Plano Nacional de Política de Ambiente de 1995 cujas consequências acabaram por ser infelizmente irrelevantes.
Ordenamento do território e litoral
A falta de ordenamento do território continua a constituir uma forte ameaça ao desenvolvimento sustentável do país. O desrespeito pelos instrumentos de ordenamento já aprovados e as suas deficiências, a revisão dos Planos Directores Municipais no sentido de mais construção e a revisão da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional para permitir, de forma pouco transparente, um alargar das áreas urbanas, são motivos suficientes de grande preocupação. Com um litoral sobrepovoado em muitas zonas e onde a mobilidade é difícil e tem custo elevados na produtividade e na poluição, as opções estratégicas continuam ainda em estudo.
Conservação da natureza E FLORESTA
Para além das habituais deficiências na Conservação da Natureza e Biodiversidade em Portugal, nomeadamente a fraca implementação da Estratégia Nacional, a falta de Vigilantes da Natureza e a ausência de muitos Planos de Ordenamento de Áreas Protegidas, o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) precisa de uma revolução. Primeiro foram as dificuldades financeiras que deixaram este instituto sem os mecanismos mínimos para o desempenho das suas funções e, por fim, a tentativa do Ministério da Agricultura em se apropriar da gestão das Áreas Protegidas. O funcionamento do ICN apresenta graves deficiências de orientação e gestão que é fundamental resolver.
Alterações climáticas
Deveria ser uma das principais prioridades ambientais do Governo mas não é. Ao contrário de ser considerada uma oportunidade para inverter a tendência única na Europa de estarmos a ver o PIB a decrescer e o consumo de energia, principalmente com origem nos combustíveis fósseis, a aumentar desmesuradamente, Portugal, na voz de Ministros e industriais continua com dúvidas sobre a necessidade de respeitar o Protocolo de Quioto. O Plano Nacional para as Alterações Climáticas pode estar em discussão pública, mas as medidas tardam e as evidências de que são insuficientes são cada vez maiores.
Recursos hídricos
É a eterna prioridade nacional em termos de ambiente mas sem consequências visíveis. Seria de esperar uma maior atenção sobre este importante recurso para o país e uma gestão mais adequada à necessidade de promover a sua conservação. No entanto, é diária a má qualidade da água nos nossos rios e lagos devido a despejos de águas residuais provenientes das actividades agropecuárias, domésticas e industriais. Como consequência, várias foram as situações de mortandade de peixes (semelhantes às da Lagoa de Melides e Ribeira dos Milagres) que continuarão a ocorrer. A transposição da Directiva-Quadro da Água está atrasada e o planeamento e gestão dos recursos hídricos estão completamente estagnados, o mesmo acontecendo com o Plano Nacional da Água, aos Planos de Bacia e o Programa para o Uso Eficiente da Água. As metas de abastecimento e tratamento dificilmente serão cumpridas em 2006 como planeado, apesar das centenas de milhões de euros gastos até agora.
Salinas do Samouco e Laboratórios do Estado – uma realidade a mudar
As Salinas de Samouco, que serão alvo desta primeira deslocação do Presidente da República, foram alvo de expropriação pelo Estado como compensação pela construção da ponte Vasco da Gama. Importante espaço em termos de conservação da natureza, estão neste momento quase ao abandono, sem garantias de protecção adequadas, sem receberem o financiamento prometido, nomeadamente do Ministério do Ambiente. A sua degradação conduziu a uma queixa da Quercus junto da Comissão Europeia. Em redor, as secas de bacalhau que também deveriam ter sido expropriadas, são agora alvo apetecível para a construção de grandes empreendimentos turísticos. Alcochete é um verdadeiro estaleiro, com ultrapassagem de regras relativas ao seu próprio Plano Director Municipal e à Rede Natura, nomeadamente com a instalação do denominado maior outlet comercial da Europa.
Quanto aos laboratórios do Estado que o Presidente da República irá visitar, refira-se a fraca contribuição que têm para o desenvolvimento sustentável, com alguns projectos muito interessantes mas com uma aplicação muito limitada. A resposta destes laboratórios às solicitações da sociedade civil é também fraca, com recursos humanos em falta, mas acima de tudo sem uma capacidade de envolvimento e de trabalho com as organizações não governamentais de ambiente, principalmente depois da extinção do Instituto de Promoção Ambiental e de muitas das suas valências decisivas, como o estímulo a uma maior e mais transparente participação pública.
A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Lisboa, 26 de Janeiro de 2004