Nuclear em Portugal? Não, obrigado

No dia em que é apresentada em conferência de imprensa a intenção de apresentar ao Governo a proposta de construir uma central nuclear em Portugal, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza considera que o Governo deve ser claro em relação a dizer não à sugestão apresentada, na medida em que tal não faz parte do Programa do Governo nem do planeamento energético definido para o país no médio/longo prazo e distrai os portugueses dos verdadeiros objectivos de gestão energética que deveriam ser fomentados.

 

Para contextualizar o problema, é importante referir que a electricidade representa apenas cerca de 20% do consumo de energia final, sendo que o consumo directo de combustível fósseis nos transportes e indústria tem um peso muito maior na nossa estrutura energética.

 

Exceptuando a França e a Finlândia, os restantes países europeus com centrais nucleares estão a desenvolver programas de desmantelamento progressivo das instalações à medida que é atingido o fim-de-vida das centrais. Desde a Suécia à Alemanha, tomando até como exemplo mais próximo a Espanha, não há intenções de investir em novas centrais nucleares, havendo sim uma enorme prioridade às energias renováveis e à conservação de energia, sendo que nos primeiros dois países citados tal foi já uma realidade, havendo praticamente uma estabilização dos consumos per capita de energia nos últimos anos.

 

Quatro problemas chave que afastam a energia nuclear da equação

 

O risco e as consequências de acidente: são diversos os exemplos de acidentes com menores ou maiores consequências, desde os casos mais conhecidos de Three Mile Island nos Estados Unidos a Chernobyl (actual Ucrânia) às pequenas avarias que são reportadas em muitas centrais e que não são conhecidas publicamente; apesar da maior segurança das novas centrais nucleares, as consequências de um acidente grave podem ser dramáticas e globais; no caso de Portugal, o risco sísmico é um factor determinante, sendo que a sua localização teria sempre de ter lugar junto a rio ou no litoral por causa da refrigeração da instalação;

 

Os resíduos radioactivos: não há até agora no mundo um solução definitiva para o armazenamento seguro dos resíduos radioactivos, representando tal uma ameaça em termos do seu transporte e do seu armazenamento, com óbvios custos acrescidos nomeadamente em termos de segurança;

 

A segurança face a atentados: é de momento uma das maiores preocupações nos países desenvolvidos com custos acrescidos muito elevados, tendo recebido um destaque recente da revista “Time” que noticia o facto das centrais nucleares serem o alvo preferido para ataques terroristas; os valores dos seguros associados são enormes;

 

O custo: os custos de investimento e o tempo associado à sua construção são muito maiores em comparação com centrais termoeléctricas recorrendo a outros combustíveis apesar dos custos de exploração até poderem depois ser na mesma ordem de grandeza; as diferenças entre o dinheiro efectivamente gasto e o planeado pode chegar até sete vezes mais, ficando-se totalmente dependente de tecnologia estrangeira e sem economia de escala dada a fraca dimensão do nosso país.

 

Visão global do ambiente – clima não justifica opção

 

A Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas é clara em relação ao investimento na energia nuclear: os projectos implementados no quadro dos mecanismos de Quioto (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – mecanismo que permite a países desenvolvidos fazer investimentos em países em desenvolvimento e serem ressarcidos das emissões evitadas nesses países e Implementação Conjunta – mecanismo idêntico entre países desenvolvidos), a construção de centrais nucleares não faz parte dos investimentos considerados como aceitáveis.

 

Efectivamente a energia nuclear não emite gases de efeito de estufa, mas uma visão mais global do ciclo de vida, dos custos e dos riscos associados levam a que entre as centrais nucleares que na mesma utilizam combustível fóssil e as energias renováveis, as últimas tenham uma prioridade muito maior em termos de desenvolvimento sustentável.

 

Um relatório ontem divulgado pela Agência Europeia de Ambiente afirma que as emissões do sector da produção de electricidade podem ser reduzidas em 22% até 2030 se houver uma aposta em garantir um quinto da produção de electricidade por fontes renováveis – Portugal em 2010 terá já de garantir o dobro (39%), devendo assim ficar bem acima desde objectivo em termos nacionais.

 

Objectivo é lançar a discussão, mas não vale a pena morder o isco

 

A Quercus aproveita esta oportunidade, para reiterar que não vale a pena perder tempo num debate que a presente proposta poderia suscitar, pois o seu desfasamento da realidade e dos objectivos de desenvolvimento sustentável é tal que não deverá merecer muito mais comentários no futuro.

 

Importante sim é apostar e aplicar as medidas previstas nomeadamente no Plano Nacional para as Alterações Climáticas, em termos de produção de electricidade por energias renováveis fazer um esforço sério para se atingir a meta de 39% no ano de 2010, e reduzir o aumento do consumo de electricidade da ordem dos 6% ao ano, que eleva Portugal ao país europeu com maior intensidade energética (consumo de energia por unidade de Produto Interno Bruto), nomeadamente através de uma maior eficiência energética.

 

A Quercus analisou recentemente as medidas necessárias para que Portugal dependa menos dos combustíveis fósseis e que estão muitas delas ainda por implementar (ver comunicado).

 

A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

Lisboa, 30 de Junho de 2005

 

Quaisquer esclarecimentos adicionais podem ser prestados por Hélder Spínola, Presidente da Direcção Nacional da Quercus, telemóvel 93-7788472.