Dependência do petróleo: Quercus avaliou programa lançado pelo anterior Governo: 96 medidas que já estavam praticamente todas previstas, mas que são tão essenciais como reduzir o deficit

Em reunião de 19 de Agosto de 2004, o Conselho de Ministros do anterior Governo aprovava face à escalada de preços do petróleo e consequentes implicações na factura energética o “Programa de Actuação para Reduzir a Dependência de Portugal face ao Petróleo”. Em 4 de Novembro de 2004 o programa era publicado através da Resolução de Conselho de Ministro nº 171/2004.

 

Num trabalho desenvolvido nos últimos seis meses, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza avaliou medida a medida o que de novo poderia introduzir este Programa e quais as suas repercussões, avaliando a viabilidade e o impacte de cada uma das propostas em causa num relatório com quase cem páginas (resumo executivo e estudo completo – em pdf).

 

Redução da dependência energética actual de Portugal é vital

 

A evolução do sistema energético nacional nos últimos anos caracteriza-se, nomeadamente, por uma forte dependência externa e consequente crescimento da factura energética e por uma elevada intensidade energética do produto interno bruto (PIB).

 

Esta situação está essencialmente associada a três motivos:

 

• Ausência de capacidade interna de produção de petróleo e gás natural. Portugal tem capacidade para produzir apenas 14 por cento da energia de que necessita.

 

• Portugal é o país com maior intensidade energética na União Europeia dos Quinze, ou seja, é o país que incorpora maior consumo de energia final (medido em Tep – toneladas equivalente de petróleo) para produzir uma unidade de produto interno (PIB).

 

• Maior dependência energética do petróleo. O petróleo satisfaz cerca de 64 por cento do consumo de energia primária em Portugal.

 

96 medidas sem valor acrescentado ao que já estava previsto

 

Foi feita a análise e caracterização das noventa e seis medidas do Programa, com base em diferentes parâmetros. Estes englobaram a viabilidade das medidas, a sua implementação, o facto de já estarem ou não contempladas na legislação, o impacte ambiental, as barreiras e as acções, bem como o peso de cada uma das medidas.

 

Quanto à principal meta do programa – diminuir a intensidade energética de Portugal até 20 por cento, e reduzir a sua dependência do petróleo igualmente em cerca de 20 por cento (de 64 para 51 por cento), até 2010 – dificilmente será alcançada visto que nos sectores dos transportes e dos edifícios, onde se verificam as maiores taxas de crescimento energético, pouco ou nada tem sido feito para reduzir os consumos. 

 

De acordo com o quadro-resumo obtido, o sector energético apresenta um maior número de medidas propostas (42), seguida dos transportes (22). Todas as medidas, excepto duas, já se encontram previstas em legislação nacional e/ou estrangeira, contribuindo este facto para que o programa não seja inovador. Quanto à implementação, praticamente metade delas estão em curso e cerca de 35 medidas vão ser implementadas a curto-médio prazo. Em relação à viabilidade, cerca de metade destas são possíveis de ser concretizadas, enquanto a outra metade é concretizável mas têm dificuldades em atingir certos objectivos económicos, operacionais ou ambientais. Quarenta e sete das medidas têm peso *** (peso médio), o que significa que não contribuem significativamente para a resolução dos problemas. Apenas vinte das medidas apresentam peso elevado para a possível concretização dos problemas.

 

 

 

 

– E4 – Programa de Eficiência Energética e Energias Endógenas 2001

– RCM 63/2003 – Resolução de Conselho de Ministros sobre as orientações da política energética portuguesa 2003

– PNAC – Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2004

 

Uma verdadeira estratégia teria que dar prioridade à gestão da procura e da eficiência energética.

 

As medidas estão mencionadas de uma forma muito geral, sem nenhuma hierarquização, onde tudo parece ter o mesmo peso, sem referência a quem é responsável por as pôr em prática, nem de que forma, nem quando, nem sobre quem o monitorizará. O resultado é de que o Programa feito em apenas em três meses, tempo muito curto para uma abordagem mais exaustiva, se revela assim muito incompleto.

 

Portugal – menos dependente do petróleo, mas mais dependente dos combustíveis fósseis

 

De acordo com dados de energia da Direcção Geral de geologia e Energia, em 2004, ao nível da energia primária destacou-se o aumento do gás natural (+25%). Verificou-se também uma redução da dependência do petróleo de 59,3% para 58%. Por outras palavras, isto quer dizer que o consumo de gás natural tem tendência a aumentar nos próximos anos, e sendo este um combustível fóssil, a situação de dependência de energia relativa às importações não vai ser diferente do panorama actual. É sinal também que não se está a dar o significado devido às fontes de energia renovável (FER). A Quercus considera assim que o nome do Programa deveria desde logo ser diferente, substituindo petróleo por combustíveis fósseis – “Programa de Actuação para reduzir a dependência de Portugal face aos combustíveis fósseis”.

 

Medidas em falta e prioridades

 

As cinco medidas mais importantes presentes no Programa de Actuação para reduzir a dependência de Portugal face ao Petróleo na opinião da Quercus

 

– Eliminação de obstáculos nos processos de licenciamento das energias renováveis

– Estímulo ao aumento da eficiência energética através da melhoria de processos industriais

– Promoção do transporte público

– Introdução de fontes de energia alternativas ao petróleo nas frotas

– Adoptar novos regulamentos RCCTE e RSECE (eficiência energética de edifícios)

 

As cinco medidas mais importantes não referidas no Programa de Actuação para reduzir a dependência de Portugal face ao Petróleo na opinião da Quercus

 

– Combate ao estacionamento ilegal e construção de parques na periferia

– Revisão do Imposto Automóvel para penalizar os veículos mais poluentes em termos de aquisição e circulação

– Implementação da taxa de carbono nos combustíveis rodoviários e nas restantes indústrias não abrangidas pelo PNALE (Plano Nac. Atribuição Licenças Emissão)

– Equipas especializadas de serviços de energia para monitorização dos consumos energéticos nas empresas e outras instituições

– Aposta forte no sector solar fotovoltaico com a estimulação da aquisição de painéis solares.

 

Nem só de deficit vive a economia – que atenção será dada à questão da dependência dos combustíveis fósseis pelo actual Governo?

 

A energia é um vector absolutamente vital para o desenvolvimento sustentável de Portugal. Numa fase em que se avalia um conjunto de medidas de contenção orçamental e se definem novos investimentos, a economia portuguesa exige uma aposta na conservação de energia, eficiência energética e nas energias renováveis que nos permita parar o aumento galopante do nosso consumo energético e garantir uma maior segurança de abastecimento com base em menores importações.

 

Nesta Semana do Ambiente a Quercus alerta para esta questão que nenhum Governo pode deixar de considerar como prioritária.

 

Lisboa, 31 de Maio de 2005

A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

 

Para mais informações contactar Francisco Ferreira, membro da Direcção Nacional: 93-7788470.