A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza solicitou à Câmara Municipal de Grândola e à Direcção Regional de Ambiente e Ordenamento do Território do Alentejo os resultados das análises à água e peixes efectuadas quando da mortalidade súbita verificada a 6 e 7 de Julho na Lagoa de Melides.
A 17 de Julho, quinta-feira passada, recebemos o relatório transmitido à Câmara Municipal de Grândola pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e das Pescas (INIAP) do Ministério da Agricultura e a 18 de Julho, sexta-feira passada, as análises efectuadas directamente pela Direcção Regional de Ambiente e Ordenamento do Território do Alentejo e as enviadas pelo Instituto do Ambiente.
Relatórios sobre a mortalidade de peixes são inclusivos e contraditórios. Ministério da Agricultura faz interpretação abusiva do relatório dos seus próprios serviços.
O relatório do INIAP afirma em síntese que a mortalidade dos peixes na Lagoa de Melides se pode ter devido:
– a condições climatéricas associadas a descargas agrícolas, agro-industriais e urbanas;
– acção rápida de um pesticida;
– falta de oxigénio durante a noite associada a neurotoxinas produzidas por cianobactérias 8algas azuis-verdes);
– QUE “OS FACTORES APONTADOS PODEM ISOLADA OU CUMULATIVAMENTE TER DESPOLETADO A MORTALIDADE NA COMUNIDADE PISCÍCOLA DA LAGOA”.
Assim, não existe no relatório dos serviços do Ministério da Agricultura, o apontar evidente de uma causa (“podem”), nem a identificação de uma origem específica (“isolada ou cumulativamente”).
A Quercus considera assim que TODAS as fontes de poluição devem ser objecto de uma atenção particular, sendo que as actividades agrícolas não podem de forma alguma ser excluídas como causa, tal como os esgotos urbanos. A ocorrência de um bloom de algas só se pode verificar com a existência de quantidades significativas de azoto e fósforo, sendo que a agricultura com a aplicação de fertilizantes pode ser uma causa indirecta. Este excesso de nutrientes pode também conduzir à falta de oxigénio num fenómeno designado por eutrofização.
Uma análise cuidada e cruzada dos dados mostra contradições científicas que complicam a identificação de uma causa: as análises do Ministério do Ambiente revelam elevados teores de oxigénio dissolvido (em valores absolutos e em percentagem de saturação) e uma presença não demasiado elevada de nutrientes (azoto nas suas diversas formas e fósforo na forma de ortofosfato) – apesar de não se ter medido o oxigénio dissolvido à noite, isto parece ser consonante com uma situação mortalidade por falta de oxigénio e emissão de toxinas por parte das algas (cianobactérias).
O papel da agricultura e em particular dos pesticidas não pode ser excluído:
– no relatório do INIAP, considera-se que a situação na lagoa “pode ser dramática devido ao aumento da temperatura, estratificação térmica e salina, ocorrência de blooms, e acumulação de compostos tóxicos resultantes de processos internos ou de descargas agrícolas, agro-industriais e urbanas”;
– no mesmo relatório, assume-se que o se tratou de uma acção “aguda” e que , apesar de os peixes mortos não evidenciarem contaminação por molinato, este composto pode ter contribuído para a ocorrência verificada no caso da sua acção ter sido rápida, não havendo tempo para a acumulação no músculo dos peixes;
– em diversas situações, nomeadamente no Estuário do Sado, a Quercus já verificou que a aplicação de pesticidas, com uma acção rápida e degradação igualmente rápida, é responsável por mortalidades significativas, sendo que depois não é possível traçar a sua origem.
Lagoas costeiras e estuários estão sem monitorização
O aspecto mais relevante que urge denunciar é o facto de, apesar de existirem Planos de Bacia Hidrográfica e um Plano Nacional da Água, tirando algumas campanhas de amostragem sem periodicidade definida e feitas no âmbito de alguns estudos de impacte ambiental, por entidades com fins específicos ou por universidades, nenhum Estuário ou Lagoa costeira tem um programa de monitorização de variedades de qualidade da água, dos sedimentos e do ecossistema em geral, como sejam o fitoplâncton, o zooplâncton, entre outros.
Esta falha revela-se grave pois em problemas ambientais como os da Lagoa de Melides, poderiam ajudar a compreender o que se terá efectivamente passado, anulando causas e permitindo prevenir problemas semelhantes. A falta de recursos humanos e financeiros do Ministério do Ambiente permite assim a continuação de uma acção impune por parte de agricultores, indústrias e áreas urbanas, desrespeitando os objectivos planeados e aprovados.
A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Lisboa, 21 de Julho de 2003
Quaisquer esclarecimentos adicionais podem ser prestados por José Paulo Martins, Director Executivo da Quercus, 93-7788473 ou Francisco Ferreira, membro da Direcção Nacional, 96-9078564