Comunicado da Quercus Núcleo Regional de Aveiro sobre a Proposta do Plano de Pormenor do Cais do Paraíso
27 de agosto de 2025
O Núcleo Regional de Aveiro da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza – manifesta a sua posição desfavorável relativamente à proposta de Plano de Pormenor do Cais do Paraíso, em Aveiro, que prevê a construção de uma torre de 12 pisos (44 metros de altura) destinada a uso hoteleiro, com capacidade até 600 camas.
Apesar de reconhecer a necessidade de requalificação urbana daquela área estratégica, a Quercus considera que a solução proposta representa um grave erro de planeamento, cujas consequências negativas afetarão de forma duradoura a paisagem, a qualidade de vida da população e a resiliência da cidade face às alterações climáticas.
1. Um projeto insustentável para a paisagem, mobilidade e identidade urbana
A volumetria do edifício rompe de forma drástica com a escala urbana e patrimonial envolvente, criando uma barreira visual entre a Ria e o Bairro do Alboi. A estrutura projetada, visível a quilómetros de distância, descaracterizará de modo irreversível uma das entradas mais simbólicas e dinâmicas da cidade, comprometendo a imagem identitária de Aveiro enquanto cidade lagunar.
O impacto visual e de sombreamento será profundo:
– as habitações do Alboi e outros bairros ribeirinhos perderão luz solar direta em parte significativa do ano, prejudicando o bem-estar da população e a vivência quotidiana dos espaços públicos;
– a iluminação noturna do edifício intensificará ainda mais a poluição luminosa na envolvente.
A estes problemas junta-se a pressão sobre a mobilidade:
– um hotel de grande dimensão nesta localização aumentará de forma substancial o tráfego rodoviário, sobretudo na já sobrecarregada rotunda das Pirâmides, uma das principais portas de entrada da cidade;
– a procura de estacionamento para o automóvel será muito maior do que a oferta, e como já acontece em muitos locais, recorre-se ao passeio dos peões.
Em vez de se apostar em soluções de mobilidade sustentável e descongestionamento urbano, a proposta agrava desequilíbrios existentes, sem apresentar alternativas consistentes de mitigação.
“Aveiro precisa de uma requalificação urbana que valorize a sua identidade e a ligação à Ria, não de um projeto que ameaça transformá-la num espaço descaracterizado e congestionado. A torre prevista é um ‘muro’ entre a cidade e a sua paisagem natural”, alerta Teresa Páscoa, Presidente da Direção Regional de Aveiro da Quercus.
2. Fragilidades ambientais e riscos acrescidos num território vulnerável
O Cais do Paraíso situa-se numa zona baixa, vulnerável a fenómenos de inundação, risco que será agravado pela impermeabilização de solos e pela intensificação de eventos climáticos extremos. A aposta num edifício desta escala contraria princípios elementares de ordenamento do território, que deveriam privilegiar soluções adaptadas à realidade climática e não expor a cidade a vulnerabilidades acrescidas, contrariando o apresentado no Plano Municipal de Ação Climática (PMAC).
Além disso, a decisão de dispensar o projeto de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e de Estudo de Impacte Ambiental (EIA) constitui uma falha grave. Nos termos da lei, empreendimentos hoteleiros com mais de 300 camas estão obrigados a AIA. Este facto foi ignorado, quando é evidente que os efeitos sobre a população, a saúde humana, o clima e a paisagem são significativos.
A ausência destes instrumentos de avaliação enfraquece a legitimidade do processo e transmite a perceção de que as opções estratégicas foram tomadas sem o devido rigor técnico nem transparência.
O processo participativo, por sua vez, não garantiu as condições de envolvimento cívico adequadas. A coincidência do período de consulta pública com a época de férias reduziu a possibilidade de participação informada, e não foram devidamente consideradas contribuições anteriores. Este modelo de participação formalista empobrece o debate democrático sobre um projeto de elevado impacto.
Aveiro merece um planeamento urbano transparente, participado e resiliente face às alterações climáticas. Não podemos aceitar que um projeto desta dimensão avance sem os estudos ambientais exigidos por lei.
A Quercus considera que a proposta de Plano de Pormenor do Cais do Paraíso não apresenta condições de sustentabilidade para ser aprovada. A associação defende que:
- O Plano de Pormenor seja revisto e alterado em conformidade com o acima exposto;
- Seja obrigatoriamente realizada Avaliação Ambiental Estratégica e Estudo de Impacte Ambiental;
- Sejam estudadas alternativas de menor volumetria, compatíveis com a escala urbana e a proteção da paisagem;
- O processo de requalificação seja participativo e transparente, com soluções que respondam às necessidades reais da população, em particular no que respeita à mobilidade, habitação e resiliência climática.
Aveiro, 27 de agosto de 2025
A Direção do Núcleo Regional de Aveiro da Quercus – ANCN
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