Nuclear não é verde: é caro, lento e deixa um legado tóxico
Sílvia Moutinho | 6 de Julho de 2025
Chamar “energia verde” ao nuclear é mais do que um erro semântico — é uma escolha política. Um disfarce de inovação que empurra para amanhã o risco que já mora hoje. Uma tecnologia que exige minas, milhões e milénios, mas continua a ser vendida como solução limpa e moderna. É o triunfo do álibi sobre o futuro.
Desde 1985, a Quercus assumiu uma posição clara contra o nuclear, numa época marcada pelo desastre de Chernobyl e pelas promessas ilusórias de progresso. Por trás da eletricidade barata, via-se já o rasto de resíduos tóxicos, riscos graves e uma dependência tecnológica com efeitos que duram milénios.
Portugal teve — e tem — uma tradição antinuclear enraizada. Ainda antes da Quercus, os anos 70 já ecoavam slogans como “Antes ativos hoje que radioativos amanhã”. A icónica flor sorridente e a frase “Nuclear? Não, obrigado” espalharam-se como símbolo de resistência cívica. A Quercus herdou essa insubmissão e deu-lhe corpo, rigor e persistência.
Em 2009, a associação consolidou a sua posição no documento “Posicionamento da Quercus sobre a Energia Nuclear”, onde afirmou, sem hesitação: o nuclear não é solução para a crise climática — é parte do problema. O diagnóstico assenta em quatro pilares que continuam válidos: risco, resíduos, custo e tempo. E nenhum deles mudou. O que mudou foi o marketing.
Fukushima, em 2011, foi mais uma lição ignorada. Um sismo, um tsunami e a falência de três reatores. A água de arrefecimento tornou-se tóxica e, anos depois, o Japão devolveu-a ao oceano, processada mas contaminada, com milhares de toneladas de lamas radioativas ainda hoje armazenadas sem solução. A crise não é exceção — é inerente.
O maior tabu do nuclear são os resíduos. Não desaparecem, não se transformam, não se esquecem. Continuam ativos durante milhares de anos, exigindo túneis profundos e silêncios ainda mais profundos. As tecnologias de armazenamento geológico definitivo continuam teóricas. Na prática, os resíduos estão guardados em contentores provisórios, vulneráveis ao tempo, ao erro e à política.
Economicamente, o nuclear é insustentável. Cada central custa entre 7 e 10 mil milhões de euros e acumula atrasos, como o caso de Flamanville, em França, que já ultrapassou os 13 mil milhões e 12 anos de derrapagem. Tudo isto para uma energia que chega tarde demais num planeta em emergência.
E há mais: o nuclear concentra poder, tecnologia e território. Exige decisões centralizadas, forças policiais, silos e blindagem. É o oposto de uma transição energética justa, renovável e descentralizada. É o petróleo com outra farda.
A Quercus tem um longo historial de oposição à central nuclear de Almaraz, junto ao Tejo e à fronteira. Nos anos 90, denunciou os riscos da infraestrutura envelhecida e, em 2017, uniu-se ao Movimento Ibérico Antinuclear contra a construção do armazém de resíduos (ATI). A ação cívica e diplomática pressionou o governo português e contribuiu para a promessa de encerramento da central até 2027 — uma vitória do movimento e da persistência.
Perante a crise energética, cresce a tentativa de reabilitar o nuclear como “energia verde”, com França a liderar a pressão na Europa empurrando o átomo para dentro da taxonomia europeia das energias “verdes”. Mas por trás do rótulo está o lóbi, não o consenso. A baixa pegada de carbono não apaga o custo social, os riscos e o legado tóxico que transporta.
O nuclear não é verde. É cinzento, pesado, lento e caro. E deixa um legado que nenhuma geração futura pediu para herdar. Se o que está em causa é salvar o clima, então é tempo de rejeitar os atalhos perigosos e investir no que já funciona: energias renováveis, descentralizadas, justas e acessíveis.
O amanhã constrói-se com renováveis, mudança de hábitos relativamente ao uso das energias— e com a coragem de dizer não às falsas soluções, não com depósitos de silêncios profundos.