Isto não é (só) sobre eucaliptos

Sílvia Moutinho | 6 de Junho de 2025

Na década de 1980, o Estado português aliou-se à indústria da celulose para promover a plantação massiva de eucalipto. Vendeu-se a promessa de desenvolvimento rural, combate à desertificação e modernização da floresta. Na prática, foi o início de um ciclo de degradação ambiental, abandono populacional e favorecimento de interesses económicos privados, tal como a Quercus alertava desde os seus primeiros anos.

A monocultura de eucalipto não fixou pessoas — expulsou-as. A mecanização da silvicultura eliminou postos de trabalho e os pequenos proprietários viram-se forçados a vender ou arrendar as suas terras. O interior converteu-se num mosaico de “desertos verdes”: vastas áreas de produção homogénea, desertas de vida humana e biodiversidade.

Os impactos não se ficaram pelo tecido social. O solo degradou-se, os recursos hídricos diminuíram e o risco de incêndio disparou. Só entre Pedrógão (2017) e os fogos de 2024, perderam-se dezenas de vidas humanas. Hoje, o eucalipto ocupa oficialmente 812 mil hectares do território nacional (IFN6, 2015), mas as estimativas apontam para perto de 1 milhão de hectares se incluirmos plantações ilegais ou abandonadas. Portugal é o país europeu com mais eucalipto — e com mais incêndios.

Desde o início, a Quercus denunciou esta política de “desenvolvimento” baseada na ganância. Em 1988, cunhou a expressão “desertos verdes”, exigindo alternativas sustentáveis como as florestas mistas e sistemas agroflorestais. Os núcleos locais mobilizaram-se. No Vale do Lira e na Serra da Abobreira, por exemplo, ativistas da Quercus e população local arrancaram milhares de eucaliptos recém-plantados. Era um grito contra a destruição do território — e um gesto de resistência.

O enriquecimento de poucos foi evidente. O fenómeno da “porta giratória” entre política e indústria florestal ficou escancarado com figuras como Álvaro Barreto (ex-ministro), que passou da governação à indústria, ou Francisco Gomes da Silva, que como Secretário de Estado das Florestas assinou o Decreto-Lei n.º 96/2013 — a chamada “Lei dos Eucaliptos”, que liberalizou ainda mais as plantações.

Hoje, a Navigator Company, herdeira direta dessa política, promove-se como campeã da sustentabilidade. Mas os impactos reais de décadas de monocultura — fogos, erosão, desertificação e abandono — são bem mais visíveis que qualquer brochura publicitária.

Apesar das resistências, a história deu razão à Quercus. Com base na ciência, mobilização cívica e ação direta, a associação construiu uma reputação nacional e impôs o debate sobre o modelo florestal português. Defendemos, então como agora, que uma verdadeira transição exige diversidade, justiça e ecologia. E não a ilusão de progresso que empobrece os solos, seca os rios e esvazia o país.

Isto não é (só) sobre eucaliptos. É sobre escolhas políticas. É sobre como interesses privados colonizaram o bem comum. É sobre um país que precisa urgentemente de reaprender a ouvir a terra.

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