A Quercus faz um novo alerta para o incumprimento muito grave da legislação em vigor sobre ruído ambiente, com risco de exposição a níveis elevados de ruído, prejuízos para a saúde e qualidade de vida das populações, com particular incidência nas zonas urbanas. Várias medições de ruído foram realizadas pela associação em pontos críticos da cidade de Lisboa, evidenciaram níveis acima dos valores considerados de referência para a proteção para a saúde humana, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Numa parceria com a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL), a Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E) e o apoio da Brüel & Kjaer, a Quercus realizou uma campanha de sensibilização pública sobre o ruído ambiente através de medições em vários pontos críticos da cidade de Lisboa e a realização de um inquérito para apurar a sensibilidade da população em relação à exposição ao ruído e dos seus efeitos na saúde.
A exposição prolongada a níveis elevados de ruído tem efeitos graves sobre a saúde. Estudos europeus apontam a ocorrência anual de 50 mil mortes prematuras devido a ataques cardíacos e 245 mil casos de doenças cardiovasculares na Europa, relacionados diretamente com a exposição ao ruído, sobretudo de tráfego(1). A OMS revela que os europeus perdem anualmente um milhão de anos de vida saudáveis devido a perturbações do sono e irritação causados pelo ruído de tráfego(2).
Regulamento Geral do Ruído: municípios portugueses atrasados na elaboração dos mapas de ruído e planos de redução de ruído
Em Portugal, o ruído ambiente está abrangido por um novo quadro legal desde 2007(4), o qual estabeleceu novas regras e reafirmou a obrigação de todos os municípios elaborarem mapas de ruído integrados nos seus planos de ordenamento. Nos casos em que se verifique a ultrapassagem dos valores-limite, estabeleceu também a necessidade de efetuarem planos municipais de redução de ruído, aos quais devem estar associados medidas concretas a implementar.
De acordo com dados disponibilizados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e atualizados em janeiro de 2013, dos 279 municípios de Portugal Continental apenas 180 (70%) elaboraram, aprovaram em Assembleia Municipal e entregaram à APA os seus mapas de ruído, segundo as regras do antigo RGR (DL nº 292/2000). A entrada em vigor de novos indicadores de ruído, por força do novo RGR (DL nº 9/2007) obrigou a uma adaptação destes mapas. Até janeiro de 2013, apenas 135 mapas de ruído foram atualizados e remetidos à APA pelos municípios, dos quais apenas 120 estão disponíveis ao público no site da APA(5). No caso das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, a maioria dos mapas municipais de ruído não foram sequer elaborados ou atualizados de acordo com o novo RGR.
No que diz respeito aos planos municipais de redução de ruído, apenas um município submeteu à APA este documento e às Direções Regionais do Ambiente da Madeira e dos Açores, sendo este passo importante para reduzir os níveis de ruído nas áreas identificadas, onde a exposição é mais crítica e ultrapassa os valores legais.
Diretiva sobre Ruído Ambiente: atrasos subsistem na elaboração e aprovação dos mapas estratégicos de ruído e respetivos planos de ação
A Diretiva sobre Ruído Ambiente de 2002 obriga os Estados-Membros à elaboração e aprovação de mapas estratégicos de ruído (MER) para as principais aglomerações, grandes aeroportos, rodovias e ferrovias de elevado tráfego. A mesma Diretiva obriga à elaboração e aprovação de planos de ação (PA), a fim de prevenir e reduzir o ruído ambiente, sempre que necessário e, em especial, quando os níveis de exposição são suscetíveis de provocar efeitos nocivos para a saúde.
Na primeira fase de implementação da Diretiva, foram elaborados os primeiros MER relativos a 2006. De acordo com informação disponibilizada pela APA, a Diretiva apenas se aplicava nesta primeira fase ao município de Lisboa, cujo mapa estratégico já foi entregue e submetido à Comissão Europeia (CE). Foi também aprovado pela APA e submetido à CE o MER relativo ao aeroporto de Lisboa, o único abrangido nesta fase. Do conjunto das rodovias de elevado tráfego (1743 km) abrangidas pela primeira fase da Diretiva, 60 mapas estratégicos (95%) foram entregues, aprovados pela APA e reportados à CE. Já no que respeita ao conjunto das ferrovias de elevado tráfego (115 km) abrangidas pela primeira fase da Diretiva, foram 6 mapas estratégicos (100%) entregues, aprovados pela APA e reportados à CE.
Relativamente aos planos de ação (PA), apenas um foi reportado à APA, relativo à A22/IC4-IP1 Portimão/Faro, estando o município de Lisboa em falta no que respeita a este instrumento. O PA do Aeroporto de Lisboa está em fase de reformulação.
Os MER e os PA da primeira fase são reavaliados e alterados de cinco em cinco anos a contar da data da sua elaboração, aos quais acrescem MER e PA para as novas aglomerações e grandes rodovias, ferrovias e aeroportos por alargamento dos critérios de seleção na segunda fase, os quais deverão ter por base o ano de 2011.
No caso das aglomerações, para além de Lisboa, os municípios do Porto, Matosinhos, Amadora, Oeiras e Odivelas ainda não entregaram à APA os seus mapas estratégicos, cuja data limite era março de 2012. Para as grandes rodovias e ferrovias, cujo número duplicou relativamente à primeira fase, apenas foram submetidos à APA dois MER de rodovias relativos à segunda fase. O Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, está também abrangido pela segunda fase, mas ainda não submeteu o seu mapa estratégico à APA. A data limite para elaboração e envio dos mapas estratégicos relativos a rodovias, ferrovias e grandes aeroportos terminou em fevereiro de 2012, sendo que deveriam ter sido aprovados até junho de 2012.
Níveis de ruído em vários pontos críticos de Lisboa excedem valores legais. Responsabilidade partilhada entre a autarquia e empresas gestoras de infraestruturas de transporte
Entre outubro e dezembro de 2012, a Quercus realizou, com o auxílio de um sonómetro, medições de ruído em cinco pontos críticos na cidade de Lisboa em termos de exposição ao ruído sobretudo de tráfego (rodoviário, ferroviário e aeroportuário), cujos resultados se apresentam na tabela seguinte:
Os níveis mais elevados de ruído verificaram-se durante o período diurno (das 07h-20h), em todos os locais de medição, sobretudo onde prevalece o ruído de tráfego rodoviário (como a 2ª Circular/Eixo Norte Sul e zona do Marquês de Pombal/Baixa de Lisboa) e aeroportuário (zona do Campo Grande/Av. Brasil).
A média do LDEN, indicador de ruído diurno-entardecer-noturno calculado a partir de medições ao longo de 24 horas, atingiu os 82,3 dB(A) em Telheiras/2ª Circular (máximo é 65 dB(A), quase cem vezes acima do permitido, considerando que as unidades em causa têm uma escala logarítmica). Já no período noturno, a média do LN (indicador de ruído noturno) foi de 75,8 dB(A) em Telheiras/2ª Circular, enquanto o máximo permitido é 55 dB(A). A zona de Braço de Prata, na parte oriental de Lisboa, é a menos afetada por ruído de tráfego. O nível máximo de ruído medido, LAFmax, foi de 106 dB(A), medido na Av. Brasil (devido ao efeito combinado do ruído rodoviário e aeroportuário), um valor considerado preocupante quando comparado com os 120 dB(A), o limiar de dor para o ouvido humano.
A Quercus considera que o ruído tem sido um problema sistematicamente esquecido pelas autoridades competentes e ignorado pela população nas cidades portuguesas.
Quercus faz inquéritos à população sobre ruído e efeitos sobre a saúde
Entre novembro de 2012 e janeiro de 2013, a Quercus realizou um inquérito a 50 pessoas na cidade de Lisboa sobre a perceção do ruído e dos seus efeitos na saúde. Tendo por base esta amostra muito pouco significativa, o inquérito pretendeu apenas perceber de que forma a população está sensível ao ruído enquanto problema ambiental, sobretudo nas zonas onde o ruído foi também medido.
Os inquiridos, com residência ou local de trabalho no concelho de Lisboa, são os que mais se queixam do ruído provocado pelo tráfego rodoviário (automóveis, motociclos, autocarros, veículos de emergência) e aeroportuário (aeronaves). Nos concelhos limítrofes de Lisboa, as queixas por incomodidade face ao ruído diminuem significativamente.
Cerca de 38% dos inquiridos afirma que o ruído afeta a sua saúde de forma média; apenas 6% considera que o ruído afeta extremamente a sua saúde. A maioria dos inquiridos (72%) respondeu que o período diurno (7h-20h) é o mais crítico para a exposição a níveis elevados de ruído. Os efeitos sobre a saúde mais reconhecidos foram, por ordem decrescente do número de queixas, a irritabilidade, stress e ansiedade, dores de cabeça e dificuldades de concentração e comunicação; apenas nove inquiridos identificaram a surdez definitiva ou temporária. A quase totalidade dos inquiridos nunca apresentou queixas sobre o incómodo ao ruído e efeitos na saúde às autoridades competentes, à exceção de uma única queixa às unidades de saúde.
Quercus vai acompanhar a situação e pondera queixa para a Comissão Europeia
Desta análise, pode-se concluir que Portugal continua a estar em incumprimento face ao disposto na Diretiva sobre o Ruído Ambiente. Esta situação verifica-se quer na elaboração e aprovação de mapas estratégicos de ruído e planos de ação, quer na efetiva aplicação de medidas para reduzir o ruído nas áreas mais expostas e onde são ultrapassados os valores legais, traduzindo-se num prejuízo significativo para a saúde de muitos portugueses.
Tendo em conta os resultados das medições de ruído realizadas pela Quercus e que comprovam a ultrapassagem de valores de referência para a proteção da saúde (OMS), a Quercus aguardará até final de março de 2013 – um ano após a data prevista a nível nacional e 9 meses depois do prazo estabelecido na Diretiva – para apresentar uma queixa à Comissão Europeia.
Lisboa, 25 de janeiro de 2013
A Direção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Notas:
(1) CE Delft (2007); “Traffic noise reduction in Europe: health effects, social costs and technical and policy options to reduce road and rail traffic noise”; agosto de 2007
(2) WHO (2011); “Burden of disease from environmental noise. Quantification of healthy life years lost in Europe”; março 2011
(3) EEA (2011); “Laying the foundations for greener transport – TERM 2011: Transport indicators tracking progress towards environmental targets in Europe”; EEA Report No 7/2011, novembro 2011
(4) Decreto-Lei nº 9/2007 de 17 de janeiro, que aprova o novo Regulamento Geral de Ruído (RGR) e o Decreto-Lei nº 146/2006 de 31 de julho, que transpõe a Diretiva nº 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de junho, relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente. O antigo RGR era regulamentado pelo Decreto-Lei nº 292/2000 de 14 de novembro.