Algarve aproxima-se do precipício da finitude hídrica e é iludido por plano de eficiência regional sem respostas eficazes no curto prazo

Quercus apela à responsabilidade do governo e exige um plano de emergência com medidas coercivas e a suspensão efetiva da emissão de novas licenças de utilização de recursos hídricos.

 

Em pleno mês de outubro as temperaturas altas e a baixa precipitação mantêm-se no Algarve como se fosse verão. Os dados dos Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos plasmados no Boletim de Armazenamento nas Albufeiras para o final do mês de setembro mostram a gravidade da situação em todo o território do sul do país com uma descida no volume armazenado em todas as bacias hidrográficas monitorizadas. Em relação às albufeiras do Algarve verifica-se que a albufeira de Bravura está já nos 14.6% da sua capacidade e muito próxima de atingir o nível mínimo de exploração (nme) (66.5 m/61 m nme), Arade nos 27.9% (45.35 m/34.5 m nme), Funcho a 54.7 % da capacidade (88.64 m/65 m de nme), Odelouca a 50% da capacidade máxima de armazenamento (88.85 m/72 m nme), Beliche a 22.4 % (33.23 m/15 m nme) e Odeleite a 29.2 %.

Imagem: barlavento.pt

 

 

Quanto aos recursos hídricos subterrâneos a Agência Portuguesa do Ambiente dia “que, no mês de março de 2020, das 19 massas de água em análise, 17 registam os níveis de água subterrânea inferiores ao percentil 20” já que “ao longo dos últimos anos, tem-se registado um agravamento em termos de disponibilidades hídricas subterrâneas, com os níveis piezométricos, na maioria das massas de água, inferiores ao percentil 20”. Significa isto que as disponibilidades hídricas atuais são insuficientes para satisfazer o volume de captações médio da região total de 237 hm3/ano.

 

Estes dados são trazidos pela APA com algum retardamento em relação à atualidade, que entretanto se agravou, mas que não tenta escamotear a situação tendo sido afirmada na sessão de apresentação do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (PREHA) que o “problema da seca na região do Algarve não é circunstancial, é estrutural”. Ora se assim é, estamos a assistir pacificamente à depleção de um recurso oficialmente identificado como escasso. O Ministro do Ambiente e das Alterações Climáticas (MAAC) afirmou que a solução, à falta de recursos financeiros para algumas soluções mais onerosas, e nunca imediatas, é “poupar, poupar, poupar”.

 

Neste momento o que a região precisa que a Agência Portuguesa do Ambiente apresente, para cumprir o apelo do Sr. Ministro do Ambiente, é um plano de emergência de combate à seca e escassez pois muito em breve já não haverá lugar para implementar o PREHA que foi apresentado e cuja elaboração se iniciou em janeiro. Este plano de emergência deveria, e em primeiro lugar, efetivar a medida de curto prazo anunciada no PREHA da suspensão da emissão de títulos de novas captações de água subterrânea para uso particular.

 

Quando assistimos, diariamente, à proliferação das culturas de frutos tropicais e subtropicais, uma aberração ambiental que contraria qualquer plano de adaptação às alterações climáticas, percebe-se que esta medida está muito longe de ser cumprida.

 

Acabaram de ser plantados novos abacatais na periferia de Faro onde, além da pressão da quantitativa, as massas de água subterrâneas estavam também identificadas como qualidade medíocre, aumentando a pressão ao nível da qualidade. Onde vão buscar água estas novas unidades agrícolas se a emissão de títulos está suspensa? Onde está a fiscalização?

 

Considerando todos os tipos de regadio, a captação de água para a rega agrícola foi de 134,28 hm3 em 2019, dos quais 74% de origem subterrânea e 26% de origem superficial. O total agrícola é de 57% dos consumos totais da região, o maior consumidor. A região não comporta na situação atual o crescimento do consumo agrícola muito menos de espécies cuja pegada hídrica é significativa (no caso do abacate 5 vezes superior à da laranja, 18 vezes superior à do tomate).

 

Mesmo assim a apresentação do PREHA contou, além do Sr. Ministro do Ambiente, com a presença da Sra. Ministra da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural que esteve uns longos 10 minutos a discursar mencionando, repetidamente, o regadio, sem nunca, dizer a palavra sequeiro ou sem nunca falar na necessidade urgente de reflorestar área ardida ou aumentar a área florestal, primordial para a retenção de água. Percebemos que o PREHA colide de frente com os interesses da agricultura, apostada na intensificação, sempre tão prontamente defendidos pelo seu Sr. Director Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, mas não é o facto da Sra. Ministra ter vindo ao Algarve coapresenta-lo que vai fazer esquecer que o Ministério do Ambiente e Alterações Climáticas e o Ministério da Agricultura defendem, geralmente e especialmente neste cenário de escassez, interesses antagónicos.

 

Lembramos que este ano o consumo de água no sector do turismo foi especial e tragicamente reduzido devido às quebras significativas na ocupação motivadas pela pandemia, o que ajudou a atrasar a situação de finitude hídrica. Esta situação tem acontecido um pouco por todo o mundo e os planos de adaptação e medidas foram testados e implementados em muitos países ou regiões como, por exemplo, Joanesburgo que durante três anos viveu uma situação difícil onde os habitantes não podiam regar, lavar automóveis ou estender os duches por mais de alguns segundos; na Califórnia foram criados os Campos de Golfe sem relva. No Algarve continuam a verem-se fontes com água (doce) a correr, piscinas de água doce (ao lado do mar), relvados a serem plantados, etc. É urgente atuar para que o pouco que ainda há chegue para todos.

 

É urgente sensibilizar, fiscalizar, tomar medidas efetivas, imediatas, coercivas e transetoriais. Porque pode (mesmo) não chover.

 

Faro, 10 de Outubro de 2020

 

O Núcleo Regional do Algarve da Quercus

 

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