Quercus revê posição sobre construção do novo aeroporto complementar do Montijo

A atual Direção Nacional da Quercus, em exercício desde fevereiro de 2020, considera que a posição veiculada publicamente(1)(2)(3) em 2019 sobre o novo Aeroporto do Montijo não reflete a visão da maioria do universo de associados e membros dirigentes da associação. A Quercus considera ainda que, dada a importância da matéria em causa, a mesma merece uma análise mais profunda, alargada e participada entre dirigentes e técnicos, promovendo análise e discussão interna.

 

Neste sentido, reconhecendo a Quercus que na posição inicial, tornada pública no ano passado, não foram abordados temas essenciais, importa:

 

  • - questionar a alegada urgência do Governo na construção deste aeroporto, tendo em conta não só o contexto da crise climática, como até fatores de contexto económico(4);
  • - criticar o facto de o Governo tomar decisões contratuais e até as publicitar, antes de o processo de Avaliação de Impacte Ambiental estar concluído;
  • - fazer referência à necessidade de o processo incluir estudos de alternativas e alternativa zero, como é devido nos processos de Estudo de Impacte Ambiental, e à existência de estudos prévios noutros locais, que nem sequer foram a priori tidos em conta;
  • - referir a necessidade de se fazer uma Avaliação Ambiental Estratégica, instrumento previsto em diretiva própria(5) sendo imprescindível para a criteriosa aferição do impacto de um grande aeroporto-hub no desenvolvimento socioeconómico da região metropolitana de Lisboa e País (o novo aeroporto é de facto uma extensão do Aeroporto Humberto Delgado); 
  • contextualizar este projeto em contraciclo com as políticas climáticas e respetivas metas de redução de emissões a atingir(6), e lembrar a questão do potencial aumento do nível das águas no estuário(7)
  • - incorporar referência a preocupações importantes de caracter técnico e de segurança, que vinham a ser levantadas por personalidades e organismos técnicos reconhecidos, com destaque para os riscos associados ao escasso comprimento da pista, aos ventos cruzados, às instalações industriais localizadas no Lavradio (algumas das quais classificadas sob a diretiva Seveso(8) e sobretudo os riscos de birdstriking (para termos uma breve noção, só um bando de milherangos Limosa limosa pode equivaler a 12 toneladas de biomassa(9));
  • - referir o facto de o EIA subvalorizar o potencial poluente das emissões provocadas pelas aeronaves, negligenciando os impactos sobre o estuário e uma ampla zona densamente povoada, como são os aglomerados urbanos do Lavradio, Baixa da Banheira e Vale da Amoreira(10);
  • - relativamente ao ruído, embora esse aspeto tenha sido o mais frisado anteriormente, há que apontar o enorme impacto não mitigável sobre áreas afetadas densamente povoadas (Baixa da Banheira e Vale da Amoreira) que, mesmo considerando as medidas de mitigação no edificado, prejudicará fortemente o ambiente exterior, incluindo em escolas e jardins de infância e no maior parque urbano da região, o Parque José Afonso, com 25 hectares(11). Importa também questionar a viabilidade prática da realização do isolamento acústico de cerca de 30.000 edifícios no prazo de dois anos;
  • - ponderar devidamente o impacto sobre a avifauna do estuário do Tejo e as suas rotas de migração e outros voos, impacto que não será provavelmente compensável pela aquisição de áreas de sapal e salinas, com potencial violação das Diretivas europeias Aves e Habitats, e considerar os conhecimentos de organizações especializadas(12).

 

Por outro lado, foram agora tidos em conta aspetos “novos” que vieram a ser levantados por outros organismos que participaram na consulta pública, nomeadamente o impacto sobre aspetos histórico-culturais relevantes, como a navegabilidade das embarcações típicas do estuário do Tejo(13), o que é também relevante no contexto do turismo sustentável no estuário.

 

Foi também tido em consideração que não é aceitável a tentativa por parte do Governo de alterar a lei, para impedir que os municípios que se opuseram tenham voz vinculativa no processo.

 

Finalmente, importa ter em conta o atual contexto da crise pandémica e económica, que veio pôr em causa a expansão aeroportuária, tendo já causado cortes orçamentais e redução de recursos humanos em várias companhias aéreas, incluindo a principal companhia low-cost interessada em operar no Montijo que, mesmo antes do surgimento da pandemia, já estava a reduzir pessoal(4). A pandemia, por outro lado, trouxe a promoção do trabalho e das reuniões em modo remoto, reduzindo deslocações e respetivas emissões, prevendo-se que estas práticas prevaleçam em grande medida no futuro, reduzindo a procura de voos.

 

Assim, reconhecendo todos estes fatores, a Quercus vem tornar público que a sua posição passou a ser desfavorável ao processo em curso relativo à construção do novo aeroporto, incluindo a emissão da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) pela APA, colocando-se assim ao lado e apoiando a posição das associações de defesa do ambiente que se têm manifestado contra e recorrido aos Tribunais(14).

 

Lisboa, 15 de Outubro de 2020

 

 

 

 

NOTAS E REFERÊNCIAS

 

(1) https://www.quercus.pt/comunicados/2019/setembro/5801-quercus-pedeparticipacao-publica-no-ambito-do-aeroporto-do-montijo-e-respetivas-acessibilidades

 

(2) https://expresso.pt/sociedade/2019-10-31-Aeroporto-do-Montijo.-Quercus-favoravel-a-parecer-se-medidas-de-minimizacao-de-impacto-forem-salvaguardadas

 

(3) https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheAudicao.aspx?BID=113081

 

(4) Sobre a Ryanair e o Aeroporto do Montijo

https://zap.aeiou.pt/aeroporto-do-montijo-pode-ficar-dependente-da-ryanair-149963
https://www.publico.pt/2019/08/01/economia/noticia/patrao-ryanair-admite-despedir-900-pessoas-1881980
https://tvi24.iol.pt/economia/transportes/ryanair-vai-encerrar-base-de-faro-a-partir-de-janeiro
https://www.tsf.pt/portugal/economia/ryanair-despede-mais-de-250-trabalhadores-12199137.html

 

(5) https://apambiente.pt/index.php?ref=17&subref=147

https://www.publico.pt/2018/08/21/sociedade/noticia/associacao-zero-envia-queixa-a-comissao-europeia-sobre-aeroporto-no-montijo-1841599

https://hubalvercaportela.com/avaliacao-ambiental-estrategica/

 

(6) https://www.jn.pt/mundo/clima-leva-tribunal-a-travar-terceira-pista-no-aeroporto-de-heathrow--11863836.html

https://www.dn.pt/mundo/ambientalistas-travam-expansao-do-aeroporto-de-heathrow-em-londres-11864504.html

 

(7) https://plataformacivicaba6nao.pt/2019/11/04/apa-desvaloriza-e-ignora-estudos-cientificos-sobre-risco-de-subida-do-nivel-dos-rios-e-oceanos/

 

(8) A diretiva 96/82/CE, conhecida como Diretiva Seveso, é uma diretiva europeia que impõe os Estados-Membros da União Europeia de identificar as zonas industriais apresentando riscos de acidentes graves. A diretiva, instituída no dia 1 de Junho de 1982, foi modificada no dia 24 de Dezembro de 1996 e alterada pela diretiva 2003/105/CE do dia 16 de Dezembro de 2003.

 

(9) https://eco.sapo.pt/2020/01/23/montijo-vai-ter-a-pista-mais-curta-de-todos-os-aeroportos-nao-chega-para-avioes-da-ryanair
https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/montijo-vai-ter-a-pista-mais-curta-de-todos-nao-chega-para-avioes-mais-pesados-da-ryanair-11739271.html
https://plataformacivicaba6nao.pt/
https://wadertales.wordpress.com/2019/12/23/tagus-estuary-for-birds-or-planes

 

(10) Um estudo desenvolvido no Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e no Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, publicado ainda em setembro de 2019 na revista científica Atmospheric Pollution Research, analisou as emissões de poluentes bastante tóxicos conhecidos como partículas ultrafinas, resultantes da combustão nos motores dos aviões. Concluiu haver uma relação clara entre os movimentos aéreos e os níveis de partículas emitidos, afetando fortemente a qualidade do ar na zona envolvente aos aeroportos (no caso o Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa). Mesmo a 1 km de distância do início da pista, a concentração de partículas atinge valores muito elevados, que aumentam em função do número de vos e da velocidade do vento.
Ver em: https://www.cense.fct.unl.pt/news-events/study-shows-ufps-affect-air-quality-around-lisbon-airport

 

(11) Parecer do Município da Moita (o concelho mais afetado pelo ruído – ver capítulo 6)

https://www.cm-moita.pt/cmmoita/uploads/writer_file/document/4738/proposta_149_xii_2019___anexo.pdf

 

(12) https://www.publico.pt/2020/02/04/video/aeroporto-montijo-200-mil-aves-estuario-tejo-mitigacao-havera-20200130-145227

 

(13) O EIA não valoriza de todo um dos impactos sobre o património cultural: tendo-se focado nos valores arqueológicos, deixou de fora o impacte sobre valores patrimoniais culturais e identitários ainda vivos do estuário do Tejo. Trata-se da “Marinha do Tejo”, a coleção de embarcações típicas à vela e construídas em madeira, características do estuário do Tejo, grande parte das quais ancoradas na margem sul, sobretudo no Concelho da Moita. Dentro das maiores e mais emblemáticas embarcações, contam-se os varinos Boa Viagem e Amoroso (propriedade do Município da Moita e Seixal, respetivamente), além do Bote Leão (Mun. Alcochete), que fazem inúmeros passeios com turistas e residentes. Só no Município da Moita são na ordem de vários milhões de euros os investimentos feitos com dinheiros públicos nacionais e europeus, sobretudo através do FEDER, em ancoradouros e outros projetos de valorização do património ribeirinho e náutico, além de uma candidatura a Património Imaterial da UNESCO focando as técnicas de construção e reparação das embarcações típicas, que pretende garantir o futuro do único estaleiro que ainda desenvolve esta arte, em Sarilhos Pequenos. Recentemente as pinturas populares dos barcos típicos do Tejo figuraram nos finalistas da iniciativa da RTP Sete Maravilhas da Cultura Popular. Por outro lado, a Associação Marinha do Tejo apresentou um relatório à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) no qual aponta riscos para a navegabilidade das embarcações tradicionais no Tejo no quadro no novo aeroporto do Montijo. Os barcos maiores e portanto com mastros mais altos, só poderão navegar à noite. Ou seja, na prática, nunca.

 

Ver sobre este assunto em:

Parecer do Município da Moita (Capítulos 10 e 11):

https://www.cm-moita.pt/cmmoita/uploads/writer_file/document/4738/proposta_149_xii_2019___anexo.pdf

 

Plano Estratégico Turismo Região de Lisboa (2020-2024): “(…)  incentivo à utilização de embarcações tradicionais como imagem turística do Rio Tejo (Fragatas, Varinos, Faluas, Cangueiros, Botes, entre outros)”

https://www.lisboa.pt/fileadmin/atualidade/noticias/user_upload/Relatorio_Final_Plano_Estrategico-2020-2024_compressed.pdf

 

Barcos tradicionais do Tejo em candidatura a património imaterial da Unesco

https://www.publico.pt/2018/06/25/local/noticia/moita-candidata-barcos-tradicionais-do-tejo-a-patrimonio-imaterial-1835767

 

Pinturas dos barcos finalistas das Sete Maravilhas da Cultura Popular:

https://www.cm-moita.pt/pages/970?news_id=6229

https://www.cm-moita.pt/cmmoita/uploads/writer_file/document/5763/pinturas_tradicionais_em_embarcacoes_logo_finalistaregional.pdf

 

Embarcações tradicionais condenadas a navegar à noite:

https://www.osetubalense.com/ultimas/2020/03/13/vinci-sem-alternativas-bote-leao-boa-viagem-e-amoroso-condenados-a-navegar-a-noite/

 

(14) “Oito organizações portuguesas de defesa do Ambiente entregaram no Tribunal Administrativo do círculo de Lisboa uma acção que pede a anulação da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para o Aeroporto do Montijo”
https://www.publico.pt/2020/06/04/sociedade/noticia/accao-pede-anulacao-declaracao-impacto-ambiental-aeroporto-montijo-ja-entrou-tribunal-1919380
https://observador.pt/2020/06/04/associacoes-ambientais-poem-governo-em-tribunal-por-causa-de-aeroporto-do-montijo/

 

 

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