Preservemos a Serra da Malcata, já que não salvámos o Lince-ibérico

 

malcataComemorou-se, a 16 de Outubro, o 31º aniversário da criação da Reserva Natural da Serra da Malcata (RNSM). À semelhança do tem vindo a ser feito, a Quercus faz uma retrospetiva do que foi feito de positivo e negativo nesta Área Protegida e traça cenários para o futuro com base na definição de ameaças e na identificação de oportunidades.

A serra da Malcata localiza-se na região Centro, precisamente na confluência das Beiras Baixa e é delimitada a leste pela serra da Gata na vizinha Espanha, com 16 348 hectares de área e altura média de 800 m, forma um conjunto de cimos arredondados, com orientação preferencial nordeste-sudoeste, vertentes bastante íngremes e linhas de água encaixadas no fundo de barrancos apertados e pedregosos, a principal linha de cumeada separa as bacias hidrográficas do Tejo e Douro, dividindo a Reserva em duas áreas de topografia diferente. No cerne da criação da Reserva Natural da Serra da Malcata esteve como objetivo principal a necessidade de proteger o Lince-ibérico, espécie que nos anos 80 se encontrava em elevado risco de extinção e hoje possui um plano com vista à sua reintrodução que não contempla a Malcata no curto/médio prazo.

Esta serra constitui um dos últimos refúgios naturais no território português que, embora intervencionada, guarda no seu interior valores botânicos e faunísticos de relevo, onde ainda é possível identificar uma diversidade de habitats bem conservados, dois dos quais prioritários. Os matos são as formações mais representativas pela área que ocupa e a floresta autóctone está representada pelo Carvalho-negral, a Azinheira e o Medronheiro. A RNSM apresenta ainda corredores de vegetação ripícola bem preservados, sobretudo ao longo do rio Coa e ribeiras da Bazágueda e da Meimoa, onde são espécies dominantes o Freixo-de-folhas-estreitas, o Amieiro e diversas espécies de Salgueiros. Deve ser ainda assinalada a ocorrência de charcos temporários mediterrânicos, de lameiros e de comunidades de Caldoneira, um endemismo ibérico. Relativamente, à fauna selvagem estão identificadas cerca de 218 espécies de vertebrados, destaca-se a presença do Gato-bravo, da Fuinha, o Abutre-preto, a Cegonha-preta, Truta-de-rio e a Víbora-cornuda.

Devido às suas características, a Reserva Natural da Serra da Malcata está inserida na sua totalidade na Rede Natura 2000 através da criação da Zona de Proteção Especial para Aves Selvagens “Serra da Malcata” e do Sítio “Malcata” e, integra ainda a Reserva Biogenética pelo Conselho da Europa. Para aumentar o valor de conservação do património natural da reserva procedeu-se à interdição do exercício da caça no município de Penamacor e, implementaram-se diversos projectos de promoção da diversidade do coberto vegetal autóctone e das populações de Coelho-bravo. A Serra da Malcata é ainda um local com grande potencial para a produção de mel de qualidade.

Apesar de todas as particularidades que tornam a RNSM um dos últimos refúgios naturais portugueses, a instalação de povoamentos florestais com espécies exóticas nas últimas décadas levou  à perda de habitat essencial, situação que conduz à perda de habitat essencial para a sobrevivência de muitas espécies da fauna selvagem. A implantação de infraestruturas, como as albufeiras da Ribeira da Meimoa e do Sabugal e a futura transferência de águas entre elas, que corresponde a um transvase entre as duas principais bacias hidrográficas portuguesas – rio Douro e Tejo, o aproveitamento hidroagrícola da Cova da Beira e as linhas de transporte de energia. O envelhecimento da população e a emigração levaram a uma redução drástica do sector primário, com o consequente abandono de terrenos agrícolas que se converteram para o cultivo de monoculturas de espécies de crescimento rápido, como algumas resinosas e Eucaliptos. Em vastas áreas desta Reserva Natural a gestão florestal é incompatível com as exigências de conservação da natureza, provocando uma fragmentação indiscriminada da floresta autóctone e da vegetação ribeirinha. As alterações ao uso do solo verificadas nas últimas décadas originaram a uniformização da paisagem  e consequentemente, a diminuição da biodiversidade geral, situação que na RNSM comprometeu o principal objetivo aquando da sua criação - a proteção do Lince-ibérico - levando à degradação dos matos mediterrânicos, utilizados para refúgio e reprodução, das zonas de pastagem, utilizadas como zonas de caça, e à falta de alimento, com a diminuição da população de coelho-bravo. Por fim, esta área protegida é ainda afetada por vários factores de ameaça como, a instalação de parques eólicos, o elevado risco de incêndio potenciado pela plantação de espécies resinosas, o furtivismo e a perturbação causada pela forte pressão de caça, utilização turística descontrolada particularmente nas áreas de influência das albufeiras, abertura de caminhos dentro da reserva e, introdução de espécies exóticas.

Neste contexto, a Quercus volta a reiterar a necessidade de se adotar medidas de gestão apropriadas, focando a gestão florestal, de modo a alcançar os objetivos presentes no Plano de Ordenamento da Reserva Natural da Serra da Malcata, que compreende a preservação das espécies, dos habitats naturais e semi-naturais, a recuperação do equilíbrio ecológico, a investigação científica e a monitorização ambiental. Entre os aspetos que carecem de atenção contam-se os seguintes:

•    Implementação de medidas que visem a recuperação dos matos mediterrânicos, das florestas autóctones e dos ecossistemas ribeirinhos;
•    Implementação de um programa de erradicação de espécies exóticas, com subsequente recuperação de habitats com a instalação de espécies autóctones, que permita resultados duradouros;
•    Desenvolver boas práticas de gestão florestal, incentivando substituição de espécies exóticas por autóctones;
•    Promover e apoiar as atividades económicas tradicionais que possam ter um contributo relevante para a conservação da Natureza;
•    Desenvolver ações específicas de conservação e gestão de espécies e habitas prioritários;
•    Promover a investigação científica e o conhecimento sobre o património natural, bem como a monitorização de espécies, habitats e ecossistemas;
•    Continuar a desenvolver esforços para garantir as condições adequadas à reintrodução do Lince-ibérico e assegurar a longo-prazo a presença de uma população viável da espécie;
•    Promover a educação e a formação em matéria de conservação da Natureza e da Biodiversidade;
•    Melhorar a fiscalização e vigilância na área da reserva, permitindo um maior controlo sobre as atividades de caça e pesca, atividades turísticas, abate de espécies protegidas e recolha ilegal de espécies da flora e prevenção de incêndios;
•    Proibir a implementação de novas infraestruturas que condicionem o bom desempenho dos ecossistemas;
•    Assegurar o correto ordenamento da ocupação humana turística e dos usos recreativos, promovendo ativamente o turismo de natureza, de forma a conciliar o seu usufruto com a conservação dos valores naturais em presença.




Lisboa, 17 de outubro de 2014

A Direção Nacional da Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza

 

 


 

 

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