{"id":15226,"date":"2021-03-11T18:10:41","date_gmt":"2021-03-11T18:10:41","guid":{"rendered":"https:\/\/quercus.pt\/?p=15226"},"modified":"2021-03-11T18:27:43","modified_gmt":"2021-03-11T18:27:43","slug":"uma-linha-de-alta-tensao-sobre-sua-cabeca","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/quercus.pt\/2021\/03\/11\/uma-linha-de-alta-tensao-sobre-sua-cabeca\/","title":{"rendered":"Uma linha de alta tens\u00e3o sobre sua cabe\u00e7a"},"content":{"rendered":"

Hoje aprendemos a temer as radia\u00e7\u00f5es ionizantes emitidas por radionucl\u00eddeos naturais e artificiais, aparelhos de raios-X e outras fontes. Essas radia\u00e7\u00f5es est\u00e3o entre as mais energ\u00e9ticas do espectro eletromagn\u00e9tico e s\u00e3o assim chamadas por possu\u00edrem energia suficiente para provocar ioniza\u00e7\u00e3o, o que afeta a liga\u00e7\u00e3o entre \u00e1tomos e resulta em uma s\u00e9rie de efeitos f\u00edsicos, qu\u00edmicos e biol\u00f3gicos, como quebra de mol\u00e9culas. Pensou no seu precioso DNA? Acertou.<\/p>\n

Essas radia\u00e7\u00f5es podem atuar como uma esp\u00e9cie de kryptonita verde (mas infelizmente incolor e invis\u00edvel) que pode enfraquecer o homem comum. \u00c9 complicado, tecnol\u00f3gico, meio secreto. Est\u00e1 associado tanto a pesquisa e sa\u00fade quanto a destrui\u00e7\u00e3o em massa. \u00c9 trai\u00e7oeiro por n\u00e3o ter cor ou odor e por n\u00e3o manifestar seus efeitos no momento da exposi\u00e7\u00e3o. E ainda produz Godzillas e outros monstros de filme B! Hiroshima, Chernobyl, Goi\u00e2nia… Brrrr! Eis a\u00ed todos os ingredientes para uma forte percep\u00e7\u00e3o de risco.<\/p>\n

Assim, ao contemplarmos uma central eletronuclear como as usinas de Angra 1 ou 2, pensamos nos apag\u00f5es que n\u00e3o tivemos gra\u00e7as a elas, no problema dos rejeitos radioativos, no risco de acidente com vazamento radioativo. Mas nem nos passa pela cabe\u00e7a temer a linha de alta tens\u00e3o sob a qual paramos o carro para tirar a foto de nossas \u00fanicas centrais nucleares.<\/p>\n

Afinal, linhas de transmiss\u00e3o fazem parte da paisagem, assim como as antenas de r\u00e1dio, televis\u00e3o e celular. A paisagem domestica \u00e9 tamb\u00e9m repleta de emissores de radia\u00e7\u00f5es n\u00e3o ionizantes, como os eletrodom\u00e9sticos em geral, incluindo o computador e o monitor no qual voc\u00ea esta lendo esta coluna, sem falar em nosso insepar\u00e1vel amigo e algoz, o celular.<\/p>\n

Todos os seres vivos evolu\u00edram em um mundo com campos el\u00e9tricos e magn\u00e9ticos naturais de baixa intensidade e frequ\u00eancia, mas o tecnoambiente que criamos multiplicou as fontes emissoras, bem como sua pot\u00eancia. Hoje estamos todos expostos a uma mistura complexa de campos el\u00e9tricos e magn\u00e9ticos em muitas frequ\u00eancias diferentes em casa, no trabalho, no trajeto entre um e outro e na viagem de f\u00e9rias tamb\u00e9m.<\/p>\n

Se \u00e9 fato que essas radia\u00e7\u00f5es eletromagn\u00e9ticas \u2013 produzidas em todos os aparelhos em que h\u00e1 passagem de corrente el\u00e9trica \u2013 n\u00e3o s\u00e3o ionizantes, o campo eletromagn\u00e9tico criado por elas gera um fluxo de corrente el\u00e9trica no corpo que pode interferir nas correntes el\u00e9tricas que existem naturalmente no organismo e que s\u00e3o parte essencial das fun\u00e7\u00f5es corporais normais. Todos os nervos, por exemplo, enviam sinais por meio da transmiss\u00e3o de impulsos el\u00e9tricos. A maioria das rea\u00e7\u00f5es bioqu\u00edmicas tamb\u00e9m envolve processos el\u00e9tricos.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 absurdo, portanto, imaginarmos a possibilidade de efeitos biol\u00f3gicos indesej\u00e1veis decorrentes da exposi\u00e7\u00e3o \u00e0s radia\u00e7\u00f5es. Por\u00e9m, como n\u00e3o houve um Chernobyl eletromagnetico n\u00e3o ionizante, esse fantasma n\u00e3o tirou o sono de quase ningu\u00e9m. Est\u00e1vamos todos ocupados demais usufruindo dos ineg\u00e1veis confortos trazidos por toda a eletroparafern\u00e1 lia em constante evolu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Os eventuais riscos s\u00f3 come\u00e7aram a ser levados a s\u00e9rio cerca de 30 anos atr\u00e1s, quando passaram a ser objeto de estudos, inclusive sob patroc\u00ednio da Organiza\u00e7\u00e3o Mundial de Sa\u00fade (OMS). Essa entidade publicou em 2002 o livro Estabelecendo um di\u00e1logo sobre riscos de campos eletromagn\u00e9ticos, originalmente publicado em Ingl\u00eas e traduzido para o portugu\u00eas pelo Centro de Pesquisas em Energia El\u00e9trica (Cepel).<\/p>\n

Nesse documento, podemos ler o seguinte:<\/p>\n

“Em 2001, um grupo de trabalho integrado por peritos, constitu\u00eddo pela Iarc (International Agency for Research on Cancer) da OMS, reviu estudos relacionados com a carcinogenicidade de campos el\u00e9tricos e magn\u00e9ticos est\u00e1ticos e de frequ\u00eancias extremamente baixas (ELF) Nota: isto inclui as linhas de transmiss\u00e3o.<\/p>\n

Usando a classifica\u00e7\u00e3o padr\u00e3o da Iarc que pondera as evid\u00eancias humanas, animais e de laborat\u00f3rio, campos magn\u00e9ticos ELF foram classificados como possivelmente carcinog\u00eanicos para humanos com base em estudos epidemiol\u00f3gicos de leucemia infantil.<\/p>\n

Evid\u00eancias para todos os outros tipos de c\u00e2ncer em crian\u00e7as e adultos […] foram consideradas inadequadas para a mesma classifica\u00e7\u00e3o devido a informa\u00e7\u00f5es cient\u00edficas insuficientes ou inconsistentes.” E em rela\u00e7\u00e3o ao popular celular, emissor m\u00f3vel de campos de altas frequ\u00eancias? “Diversos estudos epidemiol\u00f3gicos recentes com usu\u00e1rios de telefones m\u00f3veis n\u00e3o encontraram evid\u00eancia convincente de um aumento no risco de c\u00e2ncer do c\u00e9rebro. No entanto, a tecnologia ainda \u00e9 muito recente para que seja poss\u00edvel desconsiderar efeitos de longo prazo.”<\/p>\n

Bem-vindo ao complexo mundo da epidemiologia e da comunica\u00e7\u00e3o de risco! E agora, atendo ou n\u00e3o atendo?<\/p>\n

No caso das linhas de alta tens\u00e3o, seus opositores argumentam que, face \u00e0s incertezas, dever\u00edamos usar o principio de precau\u00e7\u00e3o. Mas n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1rio optar entre banho frio e leucemia infantil. H\u00e1 solu\u00e7\u00f5es que reduzem drasticamente a exposi\u00e7\u00e3o aos campos eletromagn\u00e9ticos, tal como enterrar as linhas de transmiss\u00e3o. De quebra, melhorar\u00edamos a paisagem, que se veria livre dessas estruturas de alto valor pratico e de valor est\u00e9tico… hum, como dizer? … deixa pra l\u00e1.<\/p>\n

Naturalmente, essa solu\u00e7\u00e3o custa mais caro, mas \u00e9 exatamente a op\u00e7\u00e3o que est\u00e1 sendo reivindicada \u00e0 Eletropaulo por um bairro paulistano de classe m\u00e9dia alta cruzado por uma importante linha de transmiss\u00e3o.<\/p>\n

Uma pesquisa realizada em 2003 na Fran\u00e7a pelo Observatoire de l’\u00c9nergie concluiu que 62% da popula\u00e7\u00e3o estaria disposta a aceitar um ligeiro aumento do custo da energia el\u00e9trica para financiar a instala\u00e7\u00e3o de linhas subterr\u00e2neas, em substitui\u00e7\u00e3o \u00e0s familiares torres de metal que os temporais e os avi\u00f5es fora de rumo teimam em derrubar, deixando milh\u00f5es de pessoas sem energia, inclusive as v\u00edtimas da “poss\u00edvel carcinogenicidade” . Como num filme B.<\/p>\n

Mas o tema foi objeto de debate p\u00fablico no senado franc\u00eas em 2003 e, em 27 de junho de 2008, durante a C\u00fapula de Zaragoza, os governos de Espanha e Fran\u00e7a decidiram realizar uma conex\u00e3o el\u00e9trica subterr\u00e2nea em corrente cont\u00ednua entre os dois pa\u00edses. Segundo as autoridades locais, a negocia\u00e7\u00e3o relativa ao projeto “dar\u00e1 amplo espa\u00e7o \u00e0 express\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o” e “se deter\u00e1 sobre as op\u00e7\u00f5es de tra\u00e7ado e os aspectos ambientais e de sa\u00fade”.<\/p>\n

No Brasil, o Projeto Internacional de Campos Eletromagn\u00e9ticos, da OMS, tem como atores principais a Ag\u00eancia Nacional de Vigil\u00e2ncia Sanit\u00e1ria (Anvisa) e a Ag\u00eancia Nacional de Telecomunica\u00e7\u00f5 es (Anatel).<\/p>\n

Pode apostar: voc\u00ea ainda vai ouvir sobre esse assunto. No celular, na TV, no r\u00e1dio.<\/p>\n

Fonte: http:\/\/ceticismo.net\/2009\/03\/20\/uma-linha-de-alta-tensao-sobre-sua-cabeca\/<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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