Abril 2006 – Quercus https://quercus.pt Fri, 05 Mar 2021 15:40:45 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.2 https://quercus.pt/wp-content/uploads/2021/03/cropped-logotipo-quercus-svg-32x32.png Abril 2006 – Quercus https://quercus.pt 32 32 Dia da Terra – 22 de Abril. Os cinco maiores pecados ambientais de Portugal e os cinco objectivos para os cidadãos https://quercus.pt/2021/03/05/dia-da-terra-22-de-abril-os-cinco-maiores-pecados-ambientais-de-portugal-e-os-cinco-objectivos-para-os-cidadaos/ Fri, 05 Mar 2021 15:40:42 +0000 https://quercus.pt/?p=13166 Em mais uma comemoração do Dia da Terra, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza resolveu analisar os cinco maiores pecados ambientais de Portugal, bem como apresentar cinco desafios para os cidadãos, rumo a um maior respeito pelo Planeta que sustenta a nossa vida.

 

Usando dados do Relatório do Estado do Ambiente de 2004, do Eurostat, do Plano para o Uso Eficiente da Água, da WWF, do Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação, do Instituto do Ambiente, e ainda da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável, a Quercus sublinha o mau desempenho de Portugal no que diz respeito a cinco parâmetros – excesso de emissões de gases com efeito de estufa, diminuição da biodiversidade, aumento da desertificação e do espaço urbanizado e enorme desperdício de água. Em contraponto, a Quercus aproveita esta data para lançar cinco desafios aos cidadãos, para que a 22 de Abril de 2010 Portugal tenha deixado de ser um país “pecador”, para se tornar num país pleno de virtudes.

 

OS CINCO PECADOS AMBIENTAIS DE PORTUGAL

 

Contribuição para as alterações climáticas

O aquecimento global e consequentes alterações climáticas são provavelmente o maior problema do século XXI à escala global. As emissões de gases de efeito de estufa resultantes da queima de combustíveis fósseis estão a ter consequências visíveis na subida da temperatura, na ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos e na subida do nível do mar, entre outros impactes. O Protocolo de Quioto procura limitar as emissões de cada um dos países desenvolvidos, sendo que Portugal é dos que apresenta maior distância em relação ao objectivo que, no caso do nosso país, é de não ultrapassar 27% de aumento no período 2008-2012 em relação a 1990. Infelizmente em 2004 o valor foi de 40% de emissões acima de 1990, tendo aumentado 1,5% face a 2003.

 

Erosão costeira e desertificação

A taxa média de erosão costeira nos últimos anos atingiu nalguns casos 9 metros/ano, afectando 28,5% de extensão da nossa costa principalmente o Norte e Centro do país, e colocando Portugal como o 6º pior caso na União Europeia. Simultaneamente, no Ano Internacional dos Desertos e Desertificação é conveniente salientar que numa parte significativa de Portugal Continental (o interior, em particular no Sul), a erosão, a ocorrência de incêndios florestais, e a desertificação humana são mostras de uma desertificação que avança inexoravelmente causando uma maior fragilidade do uso do solo e uma fraca produtividade associada.

 

Perda de biodiversidade

Entre 1985 e 2000 a vegetação natural em Portugal reduziu-se em 101 mil hectares (uma diminuição de cerca de 9% em relação a 1985). Sendo esta uma enorme mais valia de Portugal em termos de conservação da natureza e de paisagem no contexto europeu, este indicador revela uma ameaça que tem sido consumada ou está prevista com a construção de grandes albufeiras como o caso de Alqueva ou de empreendimentos turísticos em zonas muito sensíveis.

 

Excesso de construção

Entre 1991 e 2004, estima-se um aumento de várias centenas de milhares de novos edifícios, principalmente na faixa litoral entre Braga e Setúbal, com alguns concelhos a verem crescer o seu parque habitacional em mais de 60% ao longo da década 1991/2001. Ao mesmo tempo, os territórios artificializados aumentaram em 41,2% entre 1985 e 2000. Somos assim dos países da Europa onde a área construída por habitante é das mais elevadas, com consequências óbvias para a paisagem e para a impermeabilização dos solos.

 

Enorme desperdício na água para uso urbano

Em Portugal, de toda a água captada para uso urbano apenas 58% é utilizada para os fins a que se destina. Cerca de 42% é desperdiçada. Conhecendo-se as dificuldades sentidas por Portugal em termos de disponibilidade hídrica, bem como potenciais efeitos negativos que as alterações climáticas poderão induzir no território português, este pecado representa um dos maiores desafios colocados a Portugal.

 

 

OS CINCO OBJECTIVOS PARA OS CIDADÃOS

 

Pegada ecológica – OBJECTIVO 1,8 hectares por pessoa/ano

A pegada ecológica é um método rigoroso de como os solos e os recursos hídricos e marinhos providenciam alimentação, água, energia e materiais para as nossas vidas. Ele integra também as emissões associadas à queima de combustíveis fósseis e o espaço necessário para absorver os resíduos gerados. Em Portugal a pegada ecológica é de 5,2 hectares por pessoa/ano e tem vindo a aumentar, quando a biocapacidade global disponível é de apenas 1,8 hectares por pessoa/ano, o que significa que se todos no mundo vivessem como os portugueses precisaríamos de cerca de 3 planetas para assegurar a procura de recursos naturais e o espaço necessário para absorver a nossa poluição e resíduos.

 

Emissão de gases de efeito de estufa – OBJECTIVO 7,2 toneladas por habitante/ano

Tendo por base o compromisso estabelecido pelo Protocolo de Quioto, o objectivo para o ano de 2010 (ano intermédio no período de cumprimento entre 2008 e 2012) deverá corresponder ao total de emissões autorizadas (sem uso do solo e floresta) (cerca de 76 milhões de toneladas/ano), a dividir pela população (considerada como sendo de 10,6 milhões de habitantes). Assim, em média cada português não deverá ser responsável pela emissão de mais de 20 Kg de dióxido de carbono equivalente por dia, o que significa um esforço grande na redução do uso do transporte rodoviário individual e no consumo de electricidade que tem crescido cerca de 6% ao ano.

 

Consumo de recursos – OBJECTIVO 13 toneladas por habitante/ano

Considerando a procura crescente de espaço, de alimentos, de bens e serviços, bem como, dos processos de produção a eles associados, não é de estranhar que o consumo de recursos tenha vindo a aumentar. Em Portugal, entre 1990 e 2000, o consumo de recursos subiu de 13 para 19 toneladas por habitante por ano. Este facto é ainda mais grave porque não esteve associado a uma correspondente produção de riqueza.

Como objectivo para 2010 a Quercus propõe que Portugal atinja o valor registado em 1990, ou seja, que sejam consumidas 13 toneladas de recursos por habitante por ano. Para que tal seja possível, é fundamental que cada cidadão exerça o seu poder de opção consciente e informada, procurando sempre bens e serviços que consumam menos recursos e que tenham na sua base recursos renováveis.

 

Produção de resíduos sólidos urbanos – OBJECTIVO 1 Kg por habitante/dia

Entre 1980 e o ano 2000 o aumento da produção de RSU em Portugal foi de cerca de 125%. Em 2003, cada português produzia diariamente 1,2 kg de RSU. Ainda que este valor não seja dos mais preocupantes da União Europeia (onde a média é de cerca de 1,5kg), é fundamental que Portugal consiga acompanhar a tendência verificada em vários países europeus (como é o caso da Bélgica que reduziu 4%, da Alemanha e da Itália – 1% – da Holanda – 3% – ou da Finlândia –10%) dissociando a produção de resíduos da criação de riqueza e reduzindo, efectivamente, a produção de resíduos, antes que a situação se agrave.

Como objectivo para 2010 a Quercus propõe que cada cidadão produza apenas 1kg de RSU por dia, sendo para tal necessário redobrar os cuidados com os hábitos de consumo, dar particular atenção à diminuição dos desperdícios e optar por iniciativas como o aproveitamento dos resíduos orgânicos através da compostagem doméstica.

 

Eficiência do uso urbano da água – OBJECTIVO 20% de desperdício máximo

Em 2005 as questões relativas à seca e aos impactos que a mesma teve na distribuição de água em quantidade e qualidade a todos os cidadãos foram debatidas à exaustão. Mas mesmo num período mais preocupante muitos dos hábitos que conduzem a que, ao nível do consumo urbano, 42% da água seja desperdiçada, mantiveram-se inalterados.

Como objectivo para 2010 a Quercus propõe que o desperdício de água seja reduzido para metade, ou seja, que no conjunto apenas 20% da água captada seja desperdiçada. Para tal é fundamental a contribuição de cada cidadão evitando todos as actividades e comportamentos que possam levar ao desperdício de um bem tão precioso como é a água.

 

Lisboa, 22 de Abril de 2006

 

A Direcção Nacional da

Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

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20 anos de Chernobil. Quercus expõe os custos ocultos da energia nuclear https://quercus.pt/2021/03/05/20-anos-de-chernobil-quercus-expoe-os-custos-ocultos-da-energia-nuclear/ Fri, 05 Mar 2021 15:40:39 +0000 https://quercus.pt/?p=13165 No dia em que se comemora o mais grave acidente tecnológico da história da humanidade – o acidente da central nuclear de Chernobil, na Ucrânia – a Quercus- ANCN expõe os custos associados, mas que são habitualmente ocultados, da opção pela energia nuclear, no quadro de uma discussão que a associação considera pouco relevante no quadro da temática energética, mas em relação à qual não terá qualquer receio em apresentar fortes argumentos contrários.

 

A IRREDUTIBILIDADE DE CHERNOBIL

 

Não obstante as diferentes interpretações sobre a real dimensão em termos de mortes ocorridas e a ocorrer no futuro em consequência do acidente de Chernobil, são inegáveis os efeitos catastróficos que teve sobre milhões de pessoas e famílias. Desde o terror de poderem vir a sofrer impactos graves na sua saúde, à incerteza quanto ao legado genético para as gerações futuras, desde a total desconfiança em relação aos alimentos consumidos ou à água bebida, até à interdição de vastíssimas áreas de terrenos aráveis devido ao risco de contaminação radioactiva, todos estes factores contribuíram para que Chernobil possa ser considerado o pior acidente tecnológico da história da Humanidade. Os números não são consensuais, mas estarão pelo menos no intervalo entre a versão minimalista das Nações Unidas e muito contestada pelas associações ecologistas de 9 000 mortes relacionadas com cancro resultantes do acidente e a contabilização da organização Greenpeace que somou 93 000 mortes.

 

Contudo, a todos estes factores dever-se-á ainda juntar um último: a sensação de impotência e desorientação face ao secretismo que sempre tem rodeado a energia nuclear a nível mundial, mesmo quando confrontada com acidentes que podem pôr em risco milhões de pessoas. Uma falta de transparência actualmente inaceitável em sociedades ditas democráticas.

 

Mas os custos sociais e ambientais não são os únicos a deitar por terra a opção pela energia nuclear. Também ao nível económico não existem argumentos que a sustentem. Para o comprovar a Quercus expõe de seguida os custos ocultos da energia nuclear.

 

OS CUSTOS OCULTOS DA ENERGIA NUCLEAR

 

1. Os custos para os contribuintes na subsidiação do nuclear

Não obstante a prioridade que os políticos dizem atribuir às energias renováveis, de facto estas recebem apenas uma pequena parte dos subsídios disponibilizados para a área da energia. Numa análise dos fundos disponíveis no âmbito dos últimos três programas quadro de apoio da UE, a energia nuclear (nas suas duas componentes – fusão e fissão) recebeu mais do que as outras energias todas juntas.

 

Uma análise mais pormenorizada do 5º Programa Quadro – da sua componente de investigação e desenvolvimento na área da energia – indica que as energias renováveis receberam cerca de 392 milhões de euros, ao passo que a fusão nuclear recebeu 788 milhões de euros e a fissão 472 milhões de euros. Ou seja, as energias renováveis receberam três vezes menos do que a energia nuclear, muito embora estejam em fase de desenvolvimento (1).

 

Segundo um estudo realizado nos EUA, a energia nuclear recebeu, durante os seus primeiros 15 anos de implantação, 39,4 mil milhões de dólares, ao passo que a energia eólica, também nos seus primeiros 15 anos de desenvolvimento, recebeu 0,9 mil milhões de dólares. Em suma, a energia nuclear recebeu 30 vezes mais apoio por kWh do que a energia eólica, quando comparamos os primeiros 15 anos do seu desenvolvimento (2).

 

2. Os custos da regulamentação, controlo e monitorização

Existe todo um conjunto de custos que geralmente não são anunciados nem contabilizados directamente mas que para qualquer país têm um peso muito significativo, tão mais importante quanto menor for o país e menor for o número de centrais nucleares instaladas e que se relacionam com a necessidade de existir um papel regulamentador, fiscalizador, de controlo e de monitorização do Estado, que exige para este tipo específico de energia um enorme investimento. Este aspecto foi aliás mencionado por Paul Joskow do MIT que participou recentemente numa conferência em Lisboa e que explicou que não teria sentido a instalação de um pequeno número de centrais nucleares em Portugal por este motivo.

 

Para além de Portugal não dominar a tecnologia e ficar dependente do estrangeiro nesta matéria sensível, arrisca-se assim a uma derrapagem significativa dos custos indirectos a suportar pelos contribuintes e a ser repercutido no deficit, tal como tem acontecido em outros supostos grandes empreendimentos realizados no país.

 

3. Os custos para as alterações climáticas

Contrariamente ao que se anuncia, a produção de energia através de centrais nucleares não é isenta em termos de emissões de gases de efeito de estufa responsáveis pelas alterações climáticas. A sua construção é uma importante fonte de emissões, mas principalmente a exploração do urânio e também o transporte dos resíduos para processamento ou armazenagem, acabam por contribuir significativamente. Os níveis calculados de emissão em termos de ciclo de vida colocam uma central nuclear numa situação pior que uma central a gás natural.

 

De acordo com o Öko-Institute, na Alemanha a emissão de dióxido de carbono (CO2) por kwh produzido na Alemanha em centrais nucleares é de 34 gramas (3). Resultados de outros estudos internacionais mostram figuras que vão até 60 gramas de CO2 por kwh. Em comparação com a energia renovável, a energia nuclear liberta 4 a 5 vezes mais dióxido de carbono por energia produzida tendo em conta o ciclo de fuel como um todo.

 

4. Os custos dos resíduos

“Será que está correcto produzir resíduos adicionais, que seriam criados em resultado de um programa para construção de novas centrais, quando não existe uma solução de longo prazo para a gestão dos resíduos já existentes?”(4). Esta tem sido uma das questões centrais no debate no Reino Unido sobre a possibilidade de construção de novas centrais nucleares. De todos os países no mundo que possuem centrais nucleares, apenas um – a Finlândia – conseguiu definir um destino consensual de armazenamento dos resíduos nucleares, destino esse que não é mais do que um local de deposição dos resíduos. A perigosidade dos resíduos mantém-se inalterada, representando um legado pouco apetecível para as gerações futuras dos próximos séculos e milénios. Neste cenário, qual a legitimidade de propor qualquer construção de novas centrais nucleares, sem que haja uma solução viável para estes resíduos, em termos ambientais, económicos e sociais? Mesmo um país da dimensão dos EUA, ainda não conseguiu implementar uma lixeira nuclear no seu território.

 

Os custos de prospecção, de selecção dos eventuais locais de armazenamento definitivo e, particularmente, os custos de construção e manutenção dessas infra-estruturas são enormes e de muito difícil contabilização, uma vez que estas terão uma vida de milhares de anos. Quem deverá pagar estes custos?

 

5. Os custos de desmantelamento

Os custos de desmantelamento do parque nuclear do Reino Unido estão estimados em 70 mil milhões de libras, ou seja, mais de 100 mil milhões de euros, o que equivale a mais de 1600€ por cada cidadão inglês (cerca de 60 milhões).

 

Ainda que se preveja que novas centrais nucleares possam ter custos de desmantelamento mais baixos, devido às preocupações com esta fase de fim de vida durante a sua construção, o facto é que são valores muito elevados que terão que ser investidos no desmantelamento deste tipo de equipamentos, valores muito superiores aos que são investidos em energias renováveis.

 

6. Os custos dos riscos que nenhuma seguradora quer cobrir

Segundo a Agência Europeia do Ambiente o cálculo dos custos externos associados às centrais nucleares “excluem o custo potencial associado ao facto de não terem que pagar uma cobertura completa no caso de ocorrência de um acidente nuclear grave ou de um incidente com o combustível, uma vez que as responsabilidades comerciais e estatais estão limitadas por tratados internacionais. O risco seria demasiado elevado para ser comercialmente segurável” (5).

 

O sistema de seguros aplicado às centrais nucleares atribui responsabilidades a três intervenientes. Há uma parte dos riscos que é coberta pelo operador (47%), outra pelo Estado onde se localiza a central (33%) e uma última pelas convenções internacionais (20%). O limite máximo é agora de 1,5 mil milhões de euros. Este valor é, contudo, claramente insuficiente para compensar a ocorrência de um acidente nuclear grave. Se uma qualquer central fosse obrigada a segurar o custo potencial de um acidente nuclear, o custo da produção de electricidade através desta fonte aumentaria significativamente, tornando-o proibitivo.

 

Se as centrais nucleares são tão seguras quanto é apregoado, porque razão os seus promotores não assumem a total responsabilidade sobre os riscos que dizem ser ínfimos ou inexistentes? Seria sem dúvida uma boa forma de demonstrarem a confiança no seu próprio discurso e de reforçarem essa mensagem junto dos cidadãos.

 

7. Os custos do «business as usual»

A aposta na energia nuclear, por se tratar de uma produção centralizada de energia, por envolver avultados recursos financeiros e por implicar a reestruturação ao nível da regulação, seria um desvio grave face aos objectivos que Portugal tem que assumir no campo energético se quiser ser uma economia mais sustentável e robusta – a promoção de eficiência energética (onde Portugal detém um dos piores desempenhos da UE) e o desenvolvimento alargado das energias renováveis, aproveitando os seus recursos endógenos.

 

Qualquer inclinação para a energia nuclear resultaria numa mensagem errada a passar a todas as entidades públicas ou privadas e a todos os cidadãos, de que o problema estava resolvido com mais uma forma centralizada de produzir energia, quando o foco deverá ser no papel que cada um pode e deve ter na transformação da realidade energética de Portugal. Os custos decorrentes desta falsa mensagem de facilitismo, num país tão receptivo a tendências desta natureza, poderiam ser desastrosos a todos os níveis – económicos, sociais e ambientais.

 

8. Os custos da possível proliferação nuclear

“Como os registos históricos demonstram, é impossível garantir, ao longo do tempo, que qualquer programa nuclear civil não potenciará desenvolvimentos para capacidades militares“(6). Esta afirmação faz parte de um conjunto de estudos e reflexões levados a cabo pela Comissão para o Desenvolvimento Sustentável do Reino Unido. Esta constatação, aliada aos mais recentes desenvolvimentos relacionados com o Irão ou a Coreia do Norte, levantam a questão da dificuldade e da delicadeza de lidar com situações em que determinados países resolvem retirar-se do Tratado Internacional para a Não Proliferação de Armas Nucleares. Visto como uma garantia que os programas nucleares civis não iriam ter reflexos militares, a história veio a desmentir tal presunção. Para além do risco de Estados virem a tornar-se novas potências nucleares, a proliferação do plutónio, resultante do reprocessamento do combustível nuclear gasto, abre as portas a que grupos terroristas possam desenvolver armas desta natureza.

 

Os custos sociais e económicos que as sociedades têm de enfrentar, como a ligação da instabilidade no Irão com o aumento dos preços do petróleo tem demonstrado à exaustão, dificilmente são considerados quando se fala nos custos associados à produção de energia nuclear. Contudo, a ligação é inegável.

 

O mesmo acontece com a necessidade de reforço das medidas de segurança ao longo de todo o ciclo de produção nuclear, face às ameaças terroristas. Deverá ser a sociedade em geral a pagar estes custos, ou deverão ser estes imputados à fonte de produção de energia que, pelos riscos que lhe são inerentes, exige tais salvaguardas? Alguém imagina um ataque terrorista a um parque eólico?

 

 

Lisboa, 26 de Abril de 2006

 

A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza*

 

* A Quercus – ANCN faz parte da Plataforma Não ao Nuclear. Esta Plataforma é constituída por organizações não governamentais, movimentos sociais e cidadãos em nome individual, podendo a adesão à mesma ser efectuada através de correio electrónico para o endereço – Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.“>geral@naoaonuclear.org.

 

 

 

  1. Frans Oosterhuis, Institute for Environmental Studies, Vrije Universiteit, Amsterdam, draft report for the European Parliament’s DG for Research, July 2001. Energy Subsidies in the European Union. Page 14 – citado em Froggatt, A. (2004) The EUs Energy Support Programmes. Promoting Sustainability or Pollution?, p.23. http://www.greenpeace.org/international_en/multimedia/download/1/459479/0/EUsubsidiesReport.pdf. (2) EEA (2004) Energy Subsidies in the European Union: A Brief Overview. EEA Technical Report 1/2004 Copenhagen: EEA, p.16. (3) Lim Sui-San, Comparison of greenhouse gas emission and abatement cost from nuclear and alternative energy resources from lifecycle perspective, Öko-Institut, Germany, 1997. (4) Sustainable Development Commission (2006): The role of nuclear power in a low carbon economy Paper 5: Waste and decommissioning – www.sd-commission.org.uk; p. 3. (5) EEA (2004) Energy Subsidies in the European Union: A Brief Overview. EEA Technical Report 1/2004 Copenhagen: EEA, p.14. (6) Sustainable Development Commission (2006): Is Nuclear the Answer? – www.sd-commission.org.uk; p. 8.
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Parecer da LPN e da quercus sobre a estratégia nacional para as florestas https://quercus.pt/2021/03/05/parecer-da-lpn-e-da-quercus-sobre-a-estrategia-nacional-para-as-florestas/ Fri, 05 Mar 2021 15:40:33 +0000 https://quercus.pt/?p=13164 Introdução 

 

O presente parecer é o resultado da análise do documento “Estratégia Nacional para as Florestas”, (doravante referido como Estratégia) colocado em discussão pública no dia 21 de Março de 2006. O parecer reflecte as posições conjuntas da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e da Quercus-ANCN e pretende ser um contributo para melhorar o documento em discussão. Tal como se refere nas páginas que se seguem, a nossa opinião sobre o documento em apreciação é bastante crítica. No entanto, estamos convencidos que a versão que agora se encontra em discussão pública poderá ainda ser substancialmente alterada, pelo que envidámos os nossos melhores esforços para poder de alguma forma contribuir para essa alteração.

 

Aspectos gerais

 

O documento em apreciação sofre de um constrangimento grande que é o de apenas reflectir a perspectiva de quem o elaborou, sem grandes preocupações de reflectir a perspectiva da sociedade. Uma outra possibilidade que colocamos é que o documento talvez tenha mesmo a presunção de reflectir a perspectiva da sociedade, o que é ainda mais grave. A leitura da proposta de Estratégia faz-nos inclusive pensar que quem elaborou o documento nem sequer terá tido em conta outros documentos entretanto promovidos por este mesmo Governo, como sejam as Orientações Estratégicas para a Recuperação de Áreas Ardidas (adoptado como um documento estratégico para as florestas pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2006) ou até mesmo o Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios (actualmente em discussão). Esta mesma sensação tivemos aquando da apresentação do documento em apreciação durante a sessão pública organizada no dia 21 de Março de 2006. Enquanto o documento fala do “sucesso” do sector florestal nas últimas décadas, o Ministro da tutela enfatizava a necessidade de corrigir os grandes “erros cometidos no passado”.

 

Deste modo, o documento em apreciação tem a marca indelével de quem o coordenou, neste caso um reconhecido especialista do Banco Mundial. A escolha de alguém ligado ao Banco Mundial é só por si, no mínimo, controversa, assim como altamente controversa tem sido a acção desta instituição internacional ao nível da floresta. Essa controvérsia foi extensível ao nosso país nos anos 80, altura em que foram financiados projectos de arborização com eucalipto que hoje em dia até as próprias empresas de celulose reconhecem terem sido verdadeiros erros técnicos, económicos e sobretudo ecológicos. O documento em apreciação traduz assim uma perspectiva marcadamente economicista associada ao sector da floresta, compreensível de alguma forma em países subdesenvolvidos, mas altamente discutível num pais que se pretende desenvolvido e ainda por cima com um historial avassalador em termos da degradação dos seus ecossistemas florestais. Entregar a Estratégia Nacional para Floresta a alguém ligado a uma instituição que se especializou em financiar projectos de silvicultura intensiva em países do Terceiro Mundo, não nos parece que tenha sido uma aposta correcta deste Governo.

 

Por outro lado, é importante referir que o documento em discussão é o terceiro documento com características semelhantes produzidos nos últimos 8 anos, onde se incluem o Plano para o Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (1998) e o Programa de Acção para o Sector Florestal (2003). Também é importante referir que a situação no terreno muito pouco se alterou com os dois documentos estratégicos anteriores e que as únicas alterações significativas a que se assistiu no terreno, foram no sentido do aumento da área ardida e do agravamento de vários problemas ao nível da sustentabilidade económica e ecológica da actividade florestal.

 

De referir ainda, tal como se reconhece no próprio documento, a enorme quantidade de planos a vários níveis e de natureza diversa, com influência no sector florestal, que se encontram em vigor ou em vias de serem aprovados. É fácil perceber que os problemas da Floresta Portuguesa não se resolvem com mais um plano de âmbito nacional, mas sim com a implementação de medidas no terreno, envolvendo a participação directa dos actores locais, nomeadamente as autarquias, os compartes e as associações de proprietários e produtores florestais.

 

Um outro aspecto prende-se com a instabilidade governativa ao nível das políticas para o sector florestal. De entre todos os sectores de actividade, o sector florestal é com certeza um dos que mais são afectados pela falta de continuidade das medidas governativas, dados os ciclos longos que o caracterizam. Cada governo decide como se fosse eternizado no poder, frequentemente fazendo tábua rasa das medidas do governo anterior. Deste modo, nada nos garante que um próximo governo não venha a pôr na gaveta mais este documento, quando o que se pretende é que exista uma doutrina nacional estável para a floresta do nosso país. Tal doutrina existe noutros países, porventura com uma cultura florestal mais marcada que a nossa, permitindo dessa forma uma continuidade nas políticas para o sector. Em Portugal, seria muito desejável que essa doutrina fosse estabelecida e assumida. No entanto, as decisões sobre as florestas (e eventualmente esta Estratégia), são fruto de pressões originadas de sectores diversos, os quais não reflectem necessariamente o sentir da generalidade dos cidadãos.

 

Deste modo, pensamos que seria importante a realização de um inquérito nacional que pelo menos levantasse um pouco o véu relativamente ao que a sociedade Portuguesa pensa hoje em dia da floresta. As decisões do sector deverão deixar de estar centradas quase em exclusivo, nos agentes que lidam directamente com os assuntos florestais (empresas, proprietários, serviços do Estado), mas progressivamente passarem a reflectir o sentir da sociedade a este respeito. Mais ainda, a doutrina florestal de um país deveria tentar reflectir sobretudo o sentir das novas gerações, dadas as consequências a muito longo prazo das decisões sobre a floresta. A progressiva urbanização da sociedade leva a que esta tenha passado a valorizar cada vez mais as externalidades geradas pela floresta e cada vez menos os rendimentos directos que ela origina. Se assim for, os cidadãos talvez não se importem de passar a contribuir (tal como acontece hoje em dia com o Fundo Florestal Permanente) cada vez mais para ter uma floresta mais centrada na produção dessas externalidades e cada vez menos, em termos relativos, na produção de matérias primas. No entanto, estas suposições apenas são baseadas na tendência evolutiva das sociedades do chamado Mundo Ocidental em geral e deveriam, com toda a justificação, ser verificadas através de sondagens de opinião pública. Talvez dessa forma documentos como o que está agora em apreciação pudessem com alguma propriedade ser (e este documento definitivamente não é) a resposta a uma pergunta óbvia, ou seja: o que queremos todos da floresta em Portugal?

 

Aspectos em que concordamos

 

Apesar das considerações anteriores o documento em apreciação contem aspectos que nos merecem a mais absoluta concordância.

 

– Um dos aspectos tem a ver com o início de uma “terceira fase” no sentido de aumentar a qualidade, eficiência e valor agregado do sector. Entendemos como valor agregado todos os benefícios directos e indirectos e como tal consideramos que há sem dúvida que dar esse salto qualitativo que é referido.

 

– Para tal, é necessário prosseguir de forma acrescida com a dinâmica a que actualmente se assiste quanto à criação de unidades de gestão comum no sentido de ultrapassar as dificuldades estruturais da floresta em Portugal. Todos os mecanismos que são apontados nos parecem legítimos para o conseguir, nomeadamente os fiscais, o associativismo, as ZIF (Zonas de Intervenção Florestal) e os Fundos de Investimento Imobiliário. Pena é que até agora (à excepção das associações de produtores florestais) estes mecanismos ainda não tenham conseguido sair do papel.

 

– Impossível também não concordar com todos os aspectos que se relacionam com a redução dos riscos, nomeadamente no que diz respeito à incidência de incêndios florestais. Esta é talvez a única matéria que une todos os agentes com interesses ligados à floresta e a sociedade de um modo geral.

 

– Apesar das considerações que são referidas no que diz respeito às questões do aproveitamento de biomassa para a energia, é notável a preocupação em criar um Observatório que acompanhe e monitorize este tipo de actividade, dados os elevados riscos que envolve em termos do impacte potencial ao nível do solo e dos ecossistemas.

 

– Estamos absolutamente de acordo em que se eleja como prioridade a elaboração de um cadastro da propriedade florestal, assim como todos os outros processos que contribuam para melhorar a informação sobre o sector. No entanto, este cadastro deverá ter o maior rigor para que possa vir a integrar a estrutura do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica.

 

– Estamos também de acordo quanto ao princípio de se dever dar prioridade à consolidação da área florestal e muito menos à sua expansão.

 

– Um outro aspecto que nos merece um absoluto aplauso consiste na proposta de “criar um instrumento de financiamento da investigação florestal onde os projectos de investigação concorreriam e seriam apreciados por uma comissão que incluísse representantes de Associações Florestais, Administração Pública e Indústria”. Pena que neste painel não esteja prevista qualquer participação de organizações não governamentais ligadas ao ambiente.

 

 

Críticas a interpretações, opções e estratégias

 

O aspecto referido no ponto anterior parece-nos particularmente grave na medida em que as organizações não governamentais ligadas ao ambiente têm demonstrado possuir valências (esperamos que o presente Parecer seja um bom exemplo) em termos técnicos e científicos; disponibilizados sem qualquer contrapartida; no sentido de ajudar a resolver os problemas ambientais deste pais. O termo “Organizações não governamentais” é referido uma única vez ao longo das 109 páginas do documento. Pensamos que se trata claramente de andar ao arrepio das tendências de todos os países modernos, onde a sociedade civil tem como vozes privilegiadas as ONG do Ambiente.

 

Não podemos de forma alguma estar de acordo com a perspectiva que o documento faz relativamente ao percurso feito pela floresta portuguesa durante o séc. XX e em particular nas últimas 3 décadas. Expressões como “desempenho surpreendente” do sector florestal no séc. XX, ou a referência efusiva aos “factores de sucesso” da floresta em Portugal apenas nos podem deixar atónitos. Esta apreciação encontra-se viciada à partida por traduzir uma perspectiva absolutamente unilateral daquilo que a floresta representa para a sociedade em geral. Atrevemo-nos mesmo a dizer que evolução da floresta em Portugal no século XX foi a mais desastrosa de toda a história conhecida sobre o sector.

 

Mesmo tendo em conta que a desflorestação terá sido a mais intensa de toda a história durante o séc. XIX, toda a evolução verificada era até aí completamente reversível, dadas as condições de elevada produtividade de uma boa parte do nosso país. O que se fez durante o séc. XX foi a introdução de factores de irreversibilidade ao nível da degradação ecológica e da insustentabilidade dos sistemas como nunca se tinha feito até aí. Estamos a referir-nos em particular à introdução de espécies lenhosas exóticas, nomeadamente as do género Acacia e Eucalyptus. Se como pensamos, a breve prazo a sustentabilidade da economia do eucalipto está em risco (vide artigo do Eng.º João Soares da Portucel no suplemento Agrius do semanário Expresso de 4 de Abril) devido à progressiva concorrência de países em vias de desenvolvimento, então chegamos à conclusão que a radical alteração da paisagem portuguesa a partir dos anos setenta foi motivada por circunstâncias meramente conjunturais. No entanto, assim que a conjuntura for (como começa a ser) diferente da que tem sido nos últimos 30 anos, a paisagem não vai mudar facilmente. A reconversão que o documento refere de povoamentos de eucalipto em áreas marginais para espécies autóctones (erradamente designadas como “naturalizadas”) será extremamente difícil dada a elevada resiliência da espécie. Por outro lado trata-se de uma espécie cujo carácter invasor apenas agora se começa a evidenciar.

 

Situações como a que a foto da página seguinte apresenta (na Serra da Boa Viagem, em 8 de Abril de 2006), com uma regeneração abundante de eucalipto depois de um incêndio, começam a multiplicar-se por toda a faixa Centro e Norte Litoral.

 

De notar que, devido à inviabilidade económica da sua exploração, há actualmente uma tendência para o abandono de parcelas plantadas com eucalipto, sobretudo por parte dos pequenos proprietários privados. O abandono do arvoredo irá provavelmente fazer aumentar o número de sementões e como tal os focos de invasão sobre outros tipos de utilização do solo. A curva de expansão de uma invasora é a que se apresenta acima e é bem possível que em relação ao eucalipto a fase de “invasão”, tenha sido até agora apenas adiada, dado que uma boa parte das árvores são normalmente cortadas antes de terem frutificação abundante. Por outro lado, os incêndios parecem ser um dos factores de facilitação para o aumento da regeneração por semente.

 

Se juntarmos a este, o problema das acácias e de muitas outras invasoras lenhosas e se pensarmos que o problema gravíssimo de incêndios em Portugal se deve aos apelidados “factores de sucesso” da floresta portuguesa durante o séc. XX, temos um panorama completamente diferente daquele que o documento refere.

 

Quando se refere que em “Portugal se extrai mais riqueza por ha do que em qualquer outro país do Mediterrâneo é lícito perguntar: mas à custa de quê e com que sustentabilidade? Será que os autores do relatório não pensaram contabilizar os enormíssimos custos sociais e económicos dos incêndios florestais em Portugal? Ou será que não tiveram em conta os elevadíssimos custos de investimento que foram suportados para termos uma floresta apenas ditada por aspectos conjunturais e como tal completamente insustentável a médio prazo? Será que os autores do relatório sabem que graças aos “factores de sucesso” há por exemplo, concelhos em Portugal que viram desaparecer cerca de 90% da floresta de carvalho português durante o ultimo quartel do séc. XX, situação que nos coloca muito para lá do que acontece nos países do terceiro mundo em termos de substituição das florestas naturais por exóticas. Factores de sucesso? Desempenho surpreendente?

 

Algo que também nos deixou surpreendidos foi a apologia que o documento faz da floresta privada. Políticas anteriores referiam como desígnio a aquisição de terras por parte do Estado de forma a aumentar o património florestal público, em termos relativos o mais baixo da Europa e um dos mais baixos do Mundo. Há pelo menos um relatório da FAO que já nos anos sessenta aponta igualmente nesse sentido. Todos sabemos os elevadíssimos constrangimentos que o regime privado da floresta em Portugal acarreta em termos, nomeadamente, de prevenção contra incêndios.

 

O facto de a floresta pública em Portugal não ser um exemplo de boa gestão não faz propriamente da floresta privada (em particular a floresta de minifúndio), um exemplo a seguir. É bom lembrar que a gestão da floresta pública já passou por dias bem melhores, naturalmente associados a períodos de maior estabilidade governativa, o que significa que é possível melhorar a gestão do património florestal público desde que se queira. Frases como “o futuro terá que se basear mais do que nunca na floresta privada” não podem merecer senão a nossa desaprovação. Se é um facto incontornável que o futuro terá efectivamente que se basear na floresta privada, já que ocupa perto de 85% da superfície florestal do País, o apontar como tendência desejável um aumento dessa dependência, é ir ao arrepio de quase tudo o que se tem escrito a este respeito.

 

Um outro aspecto altamente contestável prende-se com o princípio de especialização do território, que traduz de certa forma a filosofia de base de todas as medidas reflectidas nesta proposta de Estratégia. Dividir o país em produção lenhosa, gestão multifuncional e áreas costeiras e protegidas, não nos parece que seja uma abordagem adequada em termos de estratégia a seguir. Por exemplo, se excluirmos as áreas com declives superiores a 30% e as linhas de água, chegamos à conclusão que uma boa parte da área “vocacionada” para a produção lenhosa (correspondendo às regiões mais acidentadas do país) deverá antes servir preferencialmente objectivos de protecção do solo e do regime hídrico (para além dos objectivos de prevenção contra incêndios), de acordo até com os princípios da Reserva Ecológica Nacional. Deste modo, a abordagem deveria antes apontar princípios de base aplicáveis a todo o território e não fazer a sua divisão desta forma. A este respeito, parece-nos mais apropriada a utilização deste princípio quando aplicado aos PROF (Planos Regionais de Ordenamento Florestal) do que aplicada desta forma à escala nacional. E, por outro lado, porquê separar de forma tão dramática a produção de lenho da produção de cortiça, “relegando” esta para as áreas multifuncionais? Será que não se devem ter igualmente ter em conta critérios de optimização da produção de cortiça, sem dúvida a produção mais sustentável e estratégica da floresta portuguesa? Será que os autores do documento sabem que o sobreiro é uma espécie climácica em praticamente toda a região “vocacionada” para produção lenhosa? Será que sabem também que é a espécie com melhores características de resistência aos incêndios que recorrentemente fustigam a região “vocacionada” para produção lenhosa?

 

Percebem-se (mas não se concorda) as motivações da proposta quando se diz que “os investidores privados na área de produção lenhosa deverão ter garantias de que intervenções posteriores não virão a reduzir a rentabilidade dos seus investimentos.” Mas o que é que está em causa? É a defesa dos interesses dos investidores privados ou é a defesa dos interesses dos cidadãos em geral, mesmo que tal vá contra o interesse dos proprietários indivíduais? Estamos a pagar bem caro a primazia do interesse privado e empresarial sobre o interesse público relativamente ao ordenamento florestal, pelo que discordamos de afirmações como a anterior.

 

Por outro lado, pretende-se claramente abrir a porta à implementação de novas arborizações com eucalipto quando se refere que “A promoção pública da relocalização de espécies, e em particular do eucalipto, poderá ser efectuada através da atribuição de direitos de plantação tendo por base produtividades de referência.” Ou seja, desde que a estação seja a apropriada parece dever ser este o critério para a implementação de novas arborizações com eucalipto. A este respeito pensamos que uma estratégia nacional para as florestas deveria sem margem para dúvidas apontar como objectivo nacional uma diminuição da área de eucalipto em Portugal, sem MEDO de ferir a susceptibilidade dos agentes ligados a esta fileira. Tal não terá que implicar necessariamente uma redução da produção total porquanto há muito a fazer, tal como o documento reconhece, em matéria de optimização da produção.

 

Em relação à expansão da espécie para outras áreas de maior fertilidade, pensamos que a “colonização” de novas áreas por plantações de eucalipto, deveria ser fortemente condicionada, senão mesmo interdita. Em concreto no caso da expansão para áreas agrícolas (para o qual o documento propõe financiamento com dinheiros públicos), pensamos que se corre o perigo de acabar com as poucas descontinuidades de combustível que ainda existem em muitas regiões. Como tal o potencial de expansão para estas zonas deverá ser necessariamente limitado e consequentemente nem deveria ser mencionado num documento com esta natureza. Defendemos antes que a produção lenhosa deverá ser optimizada de forma a poder libertar áreas que possam cumprir outros usos, nomeadamente para floresta de conservação, independentemente da zona do País onde se situem. A este respeito refere-se que o “incentivo à reconversão de espécies visaria reinstalar matas de espécies naturalizadas na zona multifuncional”. Porquê apenas na zona multifuncional. As outras espécies autóctones (o termo “naturalizada” pode aplicar-se a qualquer exótica invasora…” o que revela algum desconhecimento de terminologia básica utilizada em ecologia) da região dita de “produção lenhosa” não merecem beneficiar desta reconversão? Refere-se que o “subsídio financiaria a reconversão de eucaliptais e pinhais marginais em montados de sobro ou azinho, soutos de castanheiros, carvalhais, ou outras espécies nobres ecologicamente adaptadas à área multifuncional”. Muito embora se trate de um aspecto positivo, a verdade é que os incentivos para a reconversão para floresta de conservação se deveriam estender a todo o País e não apenas à área multifuncional.

 

Algo que também nos preocupa profundamente é o aproveitamento da biomassa florestal para energia. Se é verdade que a ideia é interessante na sua origem devido às questões relacionadas com o cumprimento das metas de Quioto e mais ainda com a necessidade de diminuir a carga de combustíveis florestais para prevenir incêndios, os riscos inerentes a este tipo de actividades são enormes. Chegam-nos relatos de arranque de cepos deixando o solo completamente exposto à erosão e desprovido de matéria orgânica. Deste modo o documento deveria estabelecer claramente alguns limites a esta actividade e evidenciar os problemas que daí poderão advir. Há ainda o perigo da substituição de vegetação natural por produções para energia, tal como já se verificou com as produções para pasta para papel. Francamente tememos uma repetição da corrida absurda ao “petróleo verde” dos anos oitenta, neste caso agravada pelo facto de poder ocorrer um pouco por todo o país e de incluir sistemas ainda mais intensivos e desgastantes dos recursos de solo e da água, que a cultura de eucalipto para pasta para papel. O financiamento do aproveitamento de biomassa para energia deverá deste modo ser encarado com bastante cautela.

 

 

Omissões particularmente graves

 

– A Estratégia esquece completamente a situação internacional em termos da falta de competitividade da floresta de eucalipto e de pinho em Portugal (vide Boletim AGRIS-Expresso de 1 de Abril de 2006 artigo de João Soares). Tudo se passa como se estivéssemos em plena década de oitenta em que tudo valia para aumentar o PIB e em que Portugal ainda era concorrencial ao nível dos produtos lenhosos da floresta.

 

– A omissão em termos da importância das espécies autóctones vai ao ponto de se falar em “espécies naturalizadas”, que em rigor significa quaisquer espécies que se tenham naturalizado, sejam elas exóticas ou nativas.

 

– A Estratégia é completamente omissa quantos aos aspectos, éticos estéticos, sociais e culturais associados à floresta.

 

– Nos indicadores que se referem no final do documento como forma de monitorizar o cumprimento dos objectivos traçados, não há um único que faça referência aos aspectos ligados à biodiversidade ou ao valor ecológico das formações florestais.

 

– Não se refere a utilização do fogo controlado como ferramenta incontornável na gestão de combustíveis.

 

– A Estratégia no seu ponto 4.1 Especialização do Território, na “Figura 36 – Diferenciação geográfica e distribuição das funções dominantes do espaço florestal”, representa a Rede Nacional de Áreas Protegidas, esquecendo os Sítios da Rede Natura que decorrem da Directiva Habitats da União Europeia. É bem verdade que a Rede Natura 2000 incomoda muita gente (ou pelo menos algumas pessoas) mas uma Estratégia Nacional para as Florestas não pode praticamente ignorar a sua existência. Apenas se faz menção às Áreas Classificadas na Figura 15 e o termo Rede Natura 2000 está ausente do texto principal.

 

– As invasões biológicas por espécies exóticas constituem uma das principais ameaças à diversidade biológica a nível global, sendo reconhecidas como um dos principais fenómenos associados às alterações globais. Trata-se de um problema de dimensões crescentes, quer pelos impactos negativos directos a nível das perdas de biodiversidade, desequilíbrio dos ecossistemas e perdas económicas associadas à produtividade, quer indirectamente pelos gastos elevados associados às acções de controlo/mitigação dos efeitos negativos causados por estas espécies. Neste contexto é um tópico de elevada relevância que não deveria estar omisso no capítulo “Uma mudança de contexto” desta Estratégia. Por outro lado, trata-se de um aspecto que está previsto em diversos compromissos internacionais envolvendo Portugal e que deveria claramente estar incluído no documento.

 

 

Algumas sugestões e ideias

 

Criação de um Código Florestal

 

Tal como é reconhecido no documento, existe uma enorme dispersão de diplomas legais com incidência sobre a floresta. Refere-se a necessidade de simplificar o quadro legal existente, mas não se refere a criação de um documento único, tal como existe noutros países Europeus, que regulamente todas as práticas florestais. A existência de um código florestal poderia refrear a tendência para se fazer legislação avulsa e permitiria ter um documento de referência com a regulamentação das actividades do sector.

 

Integração da tutela das florestas no Ministério do Ambiente

 

Face à crescente importância da componente ambiental e das externalidades associadas à floresta, estamos convencidos que, à semelhança de outros países europeus, a tutela do sector deveria estar no Ministério do Ambiente. Tal permitiria a eliminação de uma série de ambiguidades, de contradições e de sobreposições (claramente evidentes no documento em apreciação). Esta não é uma ideia nova e foi inclusive admitida pelo então Ministro da Agricultura Sevinate Pinto, em 2003. A este respeito importa afastar os fantasmas que intimidam os agentes do sector mais ligados à produção florestal e para tal basta ver o que se passa na nossa vizinha Espanha, com condições muito semelhantes às nossas.

 

Legislação de protecção às florestas autóctones

 

A criação de legislação de protecção às florestas autóctones é algo absolutamente fundamental de forma a tentar preservar o pouco que resta do nosso património florestal natural. Por exemplo, não faz sentido que os montados de sobro e azinho sejam fortemente protegidos e que os montados de carvalho negral (e os carvalhais em geral) estejam à mercê da vontade dos proprietários e dos madeireiros. Pensamos que, dada a sua importância estratégica, o documento em apreciação deveria incluir claramente esta medida.

 

Compensação dos proprietários de floresta de conservação

 

A par com a legislação de protecção deverão existir mecanismos de compensação que motivem os proprietários de florestas autóctones a zelar pela sua preservação. Estes mecanismos poderão ser encontrados no quadro do Fundo Florestal Permanente, no âmbito do mecenato florestal ou de quaisquer outras fontes de financiamento julgadas adequadas.

 

Assumir claramente como objectivo nacional o aumento da área de floresta autóctone e a diminuição da área de plantações de eucalipto

 

Este deveria ser um desígnio nacional assumido sem quaisquer preconceitos. A questão das florestas de eucalipto é sistematicamente tratada como um tabu pelas autoridades do Estado. Este tabu traduz-se por exemplo na escolha da terminologia substituindo “eucalipto” por “espécies de rápido crescimento” e raramente fazendo a distinção entre espécies exóticas e espécies autóctones (o documento em apreço não o faz por exemplo). A afirmação estafada que refere que “as espécies são todas iguais” e que “não há espécies boas ou más” é também uma forma de não abordar a questão frontalmente. Trata-se aqui, claramente, de uma questão de valores e de decidirmos se damos ou não importância ao nosso património natural, logo às nossas espécies autóctones. Sabendo que as florestas de eucalipto têm sido fortemente concorrenciais com as espécies autóctones há que separar claramente as águas a este respeito, sem medo de ferir susceptibilidades. Portugal é único país da Europa em que uma exótica proveniente do outro lado do Planeta aumentou de forma tão impressionante e tão descontrolada a sua área de expansão (provavelmente a segunda ou a primeira espécie com maior área neste momento). É tempo de assumir claramente que não só não queremos que esta tendência se mantenha mas que queremos que a tendência se inverta.

 

Promover a realização de um inquérito nacional sobre o sentir dos Portugueses sobre as florestas

 

Aspectos como o descrito anteriormente poderiam ser mais facilmente abordados, caso existisse uma noção mais clara do que os cidadãos pretendem da floresta hoje em dia. Claramente, as decisões têm que deixar de ser apenas influenciadas pelos parceiros directamente envolvidos no sector mas ser fruto de uma consulta à sociedade em geral.

 

 

Comentários Finais

 

Em termos de apreciação global parece-nos um documento francamente desequilibrado na medida em que é praticamente omisso relativamente aos aspectos relacionados com as funções da floresta enquanto ecossistema, enquanto paisagem e enquanto património de interesse público. Trata-se de uma visão claramente economicista e muito parcial que, estamos convencidos, não reflecte o sentir de uma boa parte da sociedade portuguesa relativamente àquilo que considera serem as valências dos espaços florestais. Esta sociedade é cada vez mais, quer se queira quer não, quer se goste quer não, uma sociedade urbanizada e que encara a floresta como um espaço que visita e que contempla e não como um espaço onde trabalha ou do qual depende em termos económicos. É provável que estes aspectos tenham estado na mente de quem redigiu o documento, mas a verdade é que não transparecem da sua leitura. Deste modo, esperamos que a discussão pública que está em curso venha a permitir que a proposta de Estratégia Nacional para as Florestas seja substancialmente alterada de forma a reflectir pelo menos alguns dos aspectos referidos neste Parecer.

 

Lisboa, 26 de Abril de 2006

 

As Direcções Nacionais da

LPN – Liga para a Protecção da Natureza e QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza

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Chernobil vinte anos depois – O maior acidente tecnológico de sempre https://quercus.pt/2021/03/05/chernobil-vinte-anos-depois-o-maior-acidente-tecnologico-de-sempre/ Fri, 05 Mar 2021 15:40:11 +0000 https://quercus.pt/?p=13167 No próximo dia 26 de Abril, evocam-se vinte anos sobre o grave acidente nuclear na central de Chernobil (Pripyat – Kiev, na Ucrânia). Nesta ocasião, a Plataforma Não ao Nuclear pretende prestar homenagem a todas as vítimas da energia nuclear dita «pacífica» e chamar a atenção para a necessidade de reflectir sobre a (in)segurança associada às centrais nucleares, já que hoje, como em 1986, a possibilidade da ocorrência de um acidente nuclear de grandes proporções não pode ser ignorada.

 

Com o objectivo de tentar impor em Portugal a construção de centrais nucleares, têm alguns ultimamente tentado negar ou diminuir a gravidade do acidente de Chernobil. Os promotores do nuclear sabem bem que o acidente de 1986 está ainda vivo na memória dos portugueses. Note-se que, antes desse acidente, pelo menos duas centrais nucleares estiveram muito perto de uma catástrofe idêntica ou até mais devastadora, ambas em países ocidentais: em Inglaterra em 1957, em Windscale, e nos Estados Unidos, em 1979, em Three Mile Island.

 

Mas Chernobil foi e continua a ser o maior acidente tecnológico da história da humanidade, o de maior envergadura e de consequências mais devastadoras. Compreende-se que a indústria nuclear não goste que lho recordem. Ao contrário do que afirmam os entusiastas do nuclear, continua a não ser possível eliminar a eventualidade de um acidente grave numa central nuclear, isto é, acompanhado da libertação maciça de radioactividade sem controlo, nos solos, nas águas, no ar, na fauna, na flora, nas pessoas, no ambiente. As consequências de um acidente desta natureza passariam por mortes imediatas e diferidas, malformações e cancros, embargo prolongado de alimentos vegetais e animais, evacuação precipitada de dezenas ou centenas de milhares de pessoas, interdição por décadas de extensas áreas, e efeitos eventuais a milhares de quilómetros de distância.

 

Não passa de propaganda a ideia de que existiriam centrais nucleares de «nova geração» não sujeitas à eventualidade de um acidente grave, por mais baixa que seja a sua probabilidade teórica. Apesar dos esforços de aperfeiçoamento dos sistemas de segurança, tal eventualidade não pode ser eliminada. Para os promotores do nuclear, encarar esse facto de frente seria manifestação de um «medo irracional». Pelo contrário: ignorá-lo é que é antes prova de temeridade irresponsável e eticamente inaceitável, expressão de uma leviandade que não hesita em criar situações de perigo caracterizado, e fora de qualquer medida comum, para populações inteiras.

 

Acrescem ainda, como problemas decorrentes de qualquer central nuclear, os resíduos altamente radioactivos de longa duração, alguns deles por centenas de milhares de anos, e a radioactividade de baixas doses libertada em laboração normal, já que, do ponto de vista biológico e médico, nenhuma dose é inofensiva.

 

Numerosas razões existem para rejeitarmos a opção nuclear. Para além das apontadas acima, ela é um claro obstáculo à aposta na eficiência energética e nas energias renováveis de baixo impacto ambiental, essas sim verdadeiras soluções sustentáveis e seguras para o problema das emissões de gases com efeito de estufa e do esgotamento inevitável dos combustíveis fósseis e de outros recursos finitos como os próprios minérios radioactivos.

 

Nuclear em Portugal, decididamente NÃO!

 

Plataforma Não ao Nuclear*

21 de Abril de 2006

 

 

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Plano de Pormenor da Mata de Sesimbra (Zona Sul) – Excesso de ocupação e questões de planeamento não satisfazem associações de ambiente https://quercus.pt/2021/03/05/plano-de-pormenor-da-mata-de-sesimbra-zona-sul-excesso-de-ocupacao-e-questoes-de-planeamento-nao-satisfazem-associacoes-de-ambiente/ Fri, 05 Mar 2021 15:40:00 +0000 https://quercus.pt/?p=13168 No dia em que tem lugar a terceira e última “Sessão Pública de Apresentação do Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de Sesimbra”, no Auditório Conde de Ferreira, na Freguesia de Santiago, em Sesimbra (cuja discussão pública terminará a 24 de Abril, segunda-feira), a LPN – Liga para a Protecção da Natureza, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, e o GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, vêm apresentar e esclarecer a sua posição desfavorável relativamente ao referido Plano que consubstancia um empreendimento turístico de grandes dimensões a promover pela empresa Pelicano e que procurará seguir os princípios estabelecidos pela WWF em termos de sustentabilidade (programa “One Planet Living”), enquanto não for esclarecido e/ou modificado um conjunto de aspectos negativos mencionados.

 

As virtudes

 

Princípios OPL – A intenção de aplicar os princípios inerentes ao Programa OPL – “One Planet Living”, nomeadamente no que respeita à utilização de materiais sustentáveis e de origem local, redução das emissões de CO2, mobilidade sustentável, conservação da água, fauna e flora e promoção da qualidade de vida, que dá ao projecto um “selo de qualidade ambiental”.

 

Concentração da componente urbanística na zona menos sensível – Considerando que o Plano de Pormenor em discussão prevê adquirir os índices de construção autorizados a propriedades com mais de 100 ha, existentes na área abrangida (aos quais se adiciona ainda uma área cedida em troca de direitos de construção já adquiridos junto à praia do Meco), pretendendo concentrar toda a construção em três pólos correspondentes a dois empreendimentos, seria de facto preferencial e adequada esta concentração quando comparada com um cenário de dispersão no qual todos os actuais proprietários optariam por edificar na área que lhes é permitida individualmente. No entanto, é nesta fase, pertinente recordar que nem todas aquelas propriedades terão até ao momento intenções de edificar ali, e tendo-o, será um processo que não é à partida adquirido, pois para qualquer projecto será necessário um pedido de licenciamento próprio, que poderá ou não, vir a ser autorizado.

 

Recuperação de áreas degradadas – A implementação de programas de recuperação ambiental e paisagística, nomeadamente no que respeita aos areeiros existentes, que extravasaram as áreas de exploração, e às áreas florestais degradadas, é bem-vinda.

 

Solução para a não construção em zona de dunas – É encontrada uma solução para a não construção do projecto turístico do grupo alemão detentor da Sociedade Aldeia do Meco para a Ribeira da Prata numa zona de falésia e de terrenos da Reserva Ecológica e da Reserva Agrícola, entretanto integrada na Rede Natura 2000, com elevado impacte ambiental.

 

Qualidade técnica do Plano de Gestão Ambiental – O Plano de Gestão Ambiental (PGA) inerente ao Plano de Pormenor em discussão, apresenta rigor e qualidade técnica nas medidas que propõe e nos estudos que foram levados a cabo para o efeito.

 

 

Os defeitos

 

Planeamento – Um Plano de Pormenor deve estar subordinado a um Plano Director Municipal (PDM) e não o oposto, porém o Plano de Pormenor actual contradiz o PDM em vigor, sendo inclusivamente apresentado como uma alternativa a este. Salienta-se assim que se o actual PDM não serve o propósito a que se destina, deve então ser revisto. Só depois fará sentido aprovar um qualquer Plano de Pormenor.

 

Sesimbra insustentável – A aprovação do Plano de Pormenor deverá ser contextualizada no quadro da futura ocupação populacional prevista para o concelho de Sesimbra e que se traduzirá, de acordo com os dados do Plano de Acessibilidades corrigidos com o número de camas efectivamente propostos para o Plano de Pormenor da Zona Sul em análise (mais 5 mil), de uma passagem de população residente e flutuante de 67.900 no ano de 2001 para 138.000 em 2011 (duplicação) e 174.700 em 2021 (2,6 vezes mais), continuando ainda estes valores em crescimento. Neste quadro a Mata de Sesimbra – Zona Sul representará um peso de cerca de 30% do acréscimo populacional em 2021. Para um concelho que tem de população residente 37.000 habitantes numa Área Metropolitana de Lisboa já demasiado urbanizada estes valores são excessivos.

 

Usufruto das praias e da vila impossíveis – Se acrescentarmos aos valores populacionais mencionados a população exterior (população de outros concelhos que se desloca em particular aos fins-de-semana e durante o Verão a algumas zonas do concelho), a carga em causa não é compatível com o usufruto das praias do concelho e da própria vila de Sesimbra, já sobre forte pressão; o Plano de Acessibilidades apresentado em Julho de 2004 ainda não está aprovado, exige um elevado financiamento, e merece-nos dúvidas sobre a sua capacidade de permitir uma mobilidade sustentável às áreas já com acessos muito congestionados.

 

Carga turística excessiva – O índice de ocupação previsto (8 196 unidades de alojamento previstas, correspondendo a cerca de 31 000 camas), constitui uma pressão humana insuportável e incompatível quer com os objectivos de sustentabilidade traçados, como também com aquilo que deve constituir o turismo de qualidade, em Portugal. Refira-se, a título comparativo, que para toda a região de Turismo da Costa Azul existem actualmente cerca de 10 000 camas turísticas (http://www.costa-azul.rts.pt, acedido em 19/04/06).

 

Ausência de garantias – Nada para além da intenção permite concluir que o projecto não atinja os seus objectivos de sustentabilidade que no limite até poderá ter consequências negativas para a região. As projecções contidas nos estudos de mercado podem não se confirmar e o tipo de turismo em causa pode traduzir-se numa ocupação exclusivamente urbana e não turística. Acresce a este facto o de não estar assegurado num prazo suficientemente longo de décadas que os direitos de construção em áreas sensíveis abrangidas não serão alterados permitindo-se construção supostamente transferida para a área urbanizável do Plano de Pormenor. Verifica-se ainda a ausência de garantias reais de que as medidas patentes no Plano de Gestão Ambiental poderão ser de facto levadas a cabo na íntegra. Refere-se a título de exemplo o facto dos encargos relativos às acções previstas para os espaços agro-florestais serem da responsabilidade das entidades proprietárias e dos empreendimentos turísticos previstos, conforme referido no Programa de Execução e Financiamento do Plano de Pormenor. Parte substancial dos investimentos previstos no Plano de Gestão Ambiental é ainda susceptível de recorrer a meios financeiros proporcionados pelos Quadros Comunitários de Apoio, conforme referido no Plano de Gestão Ambiental, não estando portanto assegurados. Desta forma, a não se verificar o sucesso contínuo destes empreendimentos, ou a não obtenção dos fundos europeus, prevê-se a possibilidade de não serem levadas a cabo todas as acções de gestão ambiental – absolutamente essenciais.

 

Especificidade de utilizadores pode pôr em causa objectivos ambientais – Os objectivos de redução de consumo de energia, resíduos e água, podem não ser garantidos quando os utilizadores são turistas. Os exemplos divulgados pelos promotores – BedZED e Thames Gateway – ambos no Reino Unido, não são compatíveis com a Mata de Sesimbra: trata-se de construção de casas para comunidades residentes que estejam dispostas a adoptar comportamentos ambientalmente correctos, por exemplo, prescindir do uso de automóvel próprio. No segundo caso, ainda por construir, trata-se da requalificação de uma área urbano-industrial degradada, a sul de Londres.

 

Conclusão: Em nota de conclusão, os problemas apresentados sobrepõem-se às respectivas virtudes. Salienta-se no entanto, que este tipo de projectos, com carácter demonstrativo de construção sustentável, com o carimbo da OPL e WWF, serão favoráveis ao desenvolvimento urbano do País desde que os benefícios sejam de facto compensatórios, o que se atinge nomeadamente com dimensões de ocupação menores ou com projectos de reabilitação de zonas degradadas a necessitar de requalificação, de que, infelizmente, Portugal é exemplar.

 

 

Lisboa, 21 de Abril de 2006

 

As Direcções Nacionais da

 

LPN – Liga para a Protecção da Natureza , Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza e GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente

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Indústria automóvel falha compromisso relacionado com as alterações climáticas https://quercus.pt/2021/03/05/industria-automovel-falha-compromisso-relacionado-com-as-alteracoes-climaticas/ Fri, 05 Mar 2021 15:39:52 +0000 https://quercus.pt/?p=13169 Lisboa / Bruxelas – Dados recentes e agora divulgados mostram que os construtores de automóveis estão a falhar os objectivos de combater as alterações climáticas. No passado ano, os esforços da indústria automóvel para melhorar a eficiência no uso do combustível atingiram um terço da taxa necessária para atingir o compromisso que fizeram perante a União Europeia em 1998.

 

Melhorar a eficiência é um factor chave no combate às alterações climáticas porque quanto mais combustível um carro usa, mais dióxido de carbono é emitido para a atmosfera.

 

Os construtores Europeus venderam no passado ano, carros que produzem em média 160 gramas de dióxido de carbono (CO2) por quilómetro, apenas 1 por cento menos que no ano anterior, de acordo com as figuras das vendas analisadas pela Federação Europeia de Transporte e Ambiente (T&E).

 

A Associação Europeia de Construtores Automóveis (ACEA) prometeu à Comissão Europeia em 1998 atingir uma média de emissões para os carros novos de 140 gramas de CO2 até 2008.

 

Os construtores precisam agora de uma taxa de melhoria sem precedentes de 4,3 por cento ao ano para nos próximos três anos alcançarem a promessa efectuada. À data, a melhor performance foi de 2,9 por cento registada em 2000.

 

“A Comissão do Presidente Barroso tem estado sentada a olhar enquanto os construtores de automóveis põe toda a tecnologia criando veículos mais pesados e mais potentes, em vez de os tornar mais eficientes” disse Jos Ding, Director do T&E.

 

“O Presidente Barroso, ele próprio dono de um Volkswagen Touareg com um elevado consumo de combustível, deve reconhecer que o compromisso voluntário de uma indústria que é responsável por 15% das emissões de CO2 na UE não é suficiente e está a falhar de forma dramática. É necessária urgentemente legislação se se pretender um verdadeiro progresso” disse Dings.

 

Futuras melhorias na eficiência não são dispendiosas e podem ser efectuadas com tecnologia já completamente disponível. Um relatório da Comissão Europeia do ano passado mostrou que o custo de atingir a meta da própria União Europeia de 120 gramas de CO2 por quilómetro seria em média de € 557 por veículo.

 

Alcançar a meta da EU resultará em gastos de combustível 25 por cento menores. Aos preços de hoje isso significaria uma poupança de € 1000 para um automóvel médio ao longo de três anos.

 

“Regras que tornem os carro mais eficientes em termos de combustível poupam muito dinheiro e preservam o clima. É altura do Presidente Barroso estacionar o seu carro pouco económico e colocar os construtores de automóveis na estrada para uma maior eficiência no consumo de combustível” disse Dings.

 

Portugal foi em 2005 o país da União Europeia onde os novos veículos automóveis vendidos emitem em média menos dióxido de carbono por quilómetro; redução de 1% nas emissões entre 2004 e 2005 pode e deve ser ainda melhorada

 

No que respeita a Portugal, os dados revelam que o nosso país no quadro da União Europeia (dos quinze) é aquele em que a média das emissões de dióxido de carbono associada aos veículos novos vendidos é menor: 145 g/ CO2 por quilómetro. Tal deve-se aos elevados custos dos veículos e à sua manutenção face ao poder de compra (conduzindo à aquisição de veículos mais pequenos e económicos), acabando por ser uma vantagem ambiental. Infelizmente esta vantagem é pouco aproveitada, porque depois o número de quilómetros percorridos é muito elevado. Em comparação com os outros quinze países da União Europeia, Portugal foi no entanto apenas o 10º melhor país em termos de redução das emissões associadas aos veículos novos entre 2004 e 2005 (cerca de 1% de redução).

 

“Numa altura em que o preço do petróleo atinge recordes e as metas do Protocolo de Quioto estão bem longe de serem cumpridas por Portugal, é fundamental que a indústria automóvel, os consumidores, e o governo através da política fiscal e de incentivo ao transporte público assumam as suas responsabilidades nesta matéria” disse Francisco Ferreira da Direcção Nacional da Quercus.

 

Quercus e T&E – European Federation for Transport and Environment

 

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Notas para os editores A fonte dos dados de vendas e de CO2 data para 2005 foi R.L. Polk Marketing Systems GmbH na Alemanha. Os dados têm sido analisados para o T&E pelo IEEP, o Institute for European Environmental Policy, UK. Em 1998 a Associação Europeia de Construtores Automóveis (ACEA) assumiu o compromisso de reduzir em média as emissões de dióxido de carbono nos novos automóveis vendidos nos (então) 15 Estados-Membros da União Europeia para 140 g/km, reduzindo de 186 g/km em 1995.

 

Acerca do T&E / Quercus T&E é a principal organização ambiental europeia que efectua campanhas sobre transportes à escala europeia. A Federação tem 45 membros em 21 países entre as quais a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza. www.t-e.nu / www.quercus.pt

 

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Sistema de Certificação Energética dos Edifícios – Pontos fortes e fracos https://quercus.pt/2021/03/05/sistema-de-certificacao-energetica-dos-edificios-pontos-fortes-e-fracos/ Fri, 05 Mar 2021 15:39:47 +0000 https://quercus.pt/?p=13170 A Quercus analisou o Sistema de Certificação Energética dos Edifícios e considera que este poderá vir a ser um importante contributo para a melhoria do desempenho energético e ambiental da construção em Portugal. No entanto, este Sistema possui algumas fragilidades que poderão dificultar a sua correcta implementação e impedir o alcance de alguns dos objectivos. De entre estes aspectos destaca-se o facto da responsabilidade técnica da aplicação dos regulamentos em fase de obra não ser de um perito qualificado no âmbito do Sistema de Certificação, o que poderá levar à ocorrência de falhas difíceis ou mesmo impossíveis de corrigir à posteriori depois da construção acabada. Por outro lado, o modelo de funcionamento do próprio Sistema ainda não está definido nem existem ainda técnicos qualificados, pelo que a sua implementação ainda poderá estar longe de ser uma realidade.

 

O Sistema Nacional de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior nos Edifícios foi publicado em Diário da República no passado dia 4 de Abril, transpondo parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/91/CE. Falta agora publicar as medidas regulamentares necessárias à sua implementação, o que deverá ocorrer no prazo máximo de oito meses a contar da data de entrada em vigor dos Regulamentos. Este Sistema regula a aplicação dos Regulamentos aprovados a 26 de Janeiro pelo Conselho de Ministros, o Regulamento dos Sistemas Energéticos de Climatização em Edifícios (RSECE) e o Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE).

 

A publicação destes diplomas há muito era esperada pela necessidade que se impõe em tornar a construção em Portugal mais eficiente do ponto de vista da conservação de energia, indo ao encontro dos compromissos assumidos por Portugal e pela União Europeia no âmbito do Protocolo de Quioto.

 

No entanto, a aplicação desta legislação advinha-se difícil pelos níveis de qualidade, rigor, exigência e transparência que implica. Se por um lado o que se pretende com este novo RSECE é um dimensionamento e manutenção mais rigorosos das instalações de equipamentos ao seu funcionamento e um novo RCCTE igualmente mais exigente tanto na metodologia de cálculo como nos requisitos, o Sistema de Certificação Energética agora criado (SCE) terá um papel muito ambicioso em enquadrar a aplicação destes novos regulamentos de que é responsável.

 

A directiva diz que o processo de certificação deverá ser apoiado em programas com o objectivo de facilitar um acesso equitativo ao aumento do desempenho energético. Cabe aos Estados Membros estabelecer periodicamente a actualização de regulamentos para reduzir consumos energéticos nos edifícios novos e reabilitados. A directiva impõe igualmente a monitorização periódica dos consumos e do funcionamento dos sistemas implementados. E refere ainda que para que esta Certificação seja efectuada de forma independente, terá que ser feita por peritos qualificados e/ou acreditados. No entanto, quando os Estados Membros não dispuserem destes peritos em número suficiente, poderão beneficiar de um período adicional de três anos.

 

A Quercus aponta como PONTOS FORTES à nova regulamentação:

 

– Contributo para a mudança de mentalidades do lado da procura, uma vez que passa a haver informação sobre o consumo energético do edifício;

– Obrigatoriedade de painéis solares térmicos;

– Minimização de situações patológicas nos elementos de construção;

– Ser considerada a Qualidade do Ar Interior;

– RCCTE mais exigente no que respeita ao cálculo das necessidades de aquecimento e arrefecimento;

– Pontes térmicas contabilizadas de forma mais detalhada;

– Coimas e sanções em caso de transgressão para os técnicos responsáveis pelos estudos sobre o desempenho energético dos edifícios;

– Aumento do grau de exigência de formação profissional dos técnicos que possam vir a ser responsáveis pela verificação dos requisitos do RSECE.

 

E como PONTOS FRACOS:

 

– Sistema de Certificação difícil e moroso de implementar;

– Responsabilidade Técnica da demonstração de aplicação dos regulamentos (fase de obra) não ser de um perito qualificado no âmbito do SCE;

– Falhas detectadas depois de terminada a construção difíceis/impossíveis de corrigir;

– Método de cálculo do RCCTE mais confuso e difícil;

– Ausência de referência aos necessários cuidados de integração urbanística dos painéis solares;

– Falta de informação acerca dos aspectos de sustentabilidade ambiental ligados ao fabrico dos painéis, a que a directiva também faz referência;

– Insuficientes acções de sensibilização e divulgação para esta temática.

 

O modelo do Sistema de Certificação Energética ainda não está definido, ainda não há peritos qualificados para o efeito nem sistema implementado ou delineado para os formar. Há que colocar em campo toda uma série de novos processos e metodologias, bem como métodos simplificados de análise a aplicar para o processo de certificação. Há tanto tempo que se fala nesta nova Regulamentação e afinal Portugal ainda está longe de ter este Sistema de Certificação Energética a funcionar.

 

Certificação Energética é urgente e necessária. É no entanto imprescindível uma Certificação que vise o cumprimento daqueles que são de facto os objectivos da Nova Regulamentação: a diminuição da dependência energética externa, a redução das emissões de gases com efeito de estufa, a melhoria da qualidade da construção e a melhoria da informação junto do consumidor.

 

Para que o público possa vir a ter total confiança no teor do Certificado Energético, é imperativo um Sistema de Certificação onde interajam profissionais devidamente acreditados e qualificados para emitir certificados e ainda um controle totalmente isento e eficaz na qualidade dos certificados emitidos.

 

 

Lisboa, 18 de Abril de 2006

A Direcção Nacional da Quercus- Associação Nacional de Conservação da Natureza

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Quercus emite parecer sobre estudo de impacte ambiental dos CIRVER https://quercus.pt/2021/03/05/quercus-emite-parecer-sobre-estudo-de-impacte-ambiental-dos-cirver/ Fri, 05 Mar 2021 15:39:37 +0000 https://quercus.pt/?p=13172 Termina a 11 de Abril a consulta pública sobre os Estudos de Impacte Ambiental dos dois Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Industriais Perigosos (CIRVER) a instalar na Chamusca.

 

A Quercus emitiu um parecer favorável (ver link http://www.netresiduos.com/cir/comunicados/PareceEIA_CIRVER.pdf), mas considerou importante a resolução do problema das acessibilidades, assim como apresentou algumas dúvidas sobre o sistema de impermeabilização dos aterros, para além de aconselhar a constituição de uma comissão de acompanhamento local.

 

Teve lugar a 11 de Abril pelas 20h30 em Santa Margarida (concelho de Constância) a última de 4 audiências públicas sobre este projecto promovidas pelas câmaras municipais da zona.

 

A Quercus participou nesta sessão, tendo sido convidada para apresentar a sua perspectiva sobre esta questão.

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