Ao contrário dos objetivos da “Estratégia do Prado ao Prato” para uma agricultura europeia mais amiga do ambiente, o Ministério da Agricultura Português está a revogar algumas das “Boas Condições Agrícolas e Ambientais” (BCAA) previstas no PEPAC 2023-2027 para a agricultura em Portugal.
Cada vez se houve mais dizer que a agricultura é ambientalmente sustentável e que os agricultores são os primeiros interessados em preservar o ambiente. Mas a prática mostra muitas vezes o contrário.
A Política Agrícola Comum (PAC) aparentemente reforça a componente ambiental no atual Quadro comunitário de apoio 2023-2027. O PEPAC para Portugal inclui, para além do regime ecológico do 1º Pilar (onde se inclui agora a Agricultura Biológica e a Produção Integrada) e de algumas medidas agroambientais do 2º Pilar, diversas medidas de condicionalidade ambiental para toda a agricultura nacional (Portaria nº 54-Q/2003 de 27/02, artigos 6º e 7º, e anexo IV).
O PEPAC permite o uso de todos os adubos e pesticidas químicos na “Produção Integrada” e ainda assim este modo de produção agrícola tem subsídios em “Regime Ecológico”, quando a Agricultura biológica para ter o mesmo tipo de ajudas comunitárias não permite qualquer adubo ou pesticida de síntese química. As BCAA em parte atenuam esta incoerência de subsidiar em regime dito ecológico os adubos e pesticidas mais tóxicos.
Mas já depois de publicada a lei, as confederações agrícolas nacionais e alguns agricultores pressionaram a Comissão Europeia e o Ministério da Agricultura para abrandar as normas ambientais. E conseguiram até retirar algumas!
A Portaria nº 54-Q/2023 inclui 9 BCAA aplicáveis às explorações agrícolas independentemente da sua área, mas a Portaria nº 155-A/2024 de 24 de maio isenta todas as explorações com menos de 10 hectares do controlo desta condicionalidade ambiental.
E uma das BCAA é mesmo eliminada e não é a menos importante do ponto de vista ambiental, bem pelo contrário. A BCAA 8 é relativa à proteção e qualidade da biodiversidade e da paisagem, sendo a BCAA 8.1 mais relacionada com a biodiversidade e a BCAA 8.2 com a paisagem. E é a BCAA 8.1 que foi revogada em maio deste ano.
Esta norma definia a percentagem mínima de superfície agrícola consagrada a áreas ou elementos não produtivos, de interesse ecológico ou ambiental, como sejam, terras em pousio, bosquetes, galerias ripícolas, árvores em linha, lagoas e charcas. E ainda permitia que uma parte dessa área fosse dedicada a culturas fixadoras de azoto (para reduzir o uso de adubos químicos azotados) e incentivava ao cultivo de culturas intercalares com as culturas principais sem aplicação de pesticidas (Portaria nº 80-C/2024, artigo 7º). Tudo boas práticas agrícolas e ambientais deitadas fora.
Outras BCAA não foram eliminadas mas o seu conteúdo deixa muito a desejar quando por exemplo, a BCAA 7 relativa à rotação de culturas em terras aráveis (excluindo o arroz) que, por um lado, diz que é obrigatória a alternância da cultura principal (por exemplo o milho) na mesma parcela entre anos civis consecutivos, mas a seguir vem dizer que essa norma pode ser cumprida de outra forma – por uma cultura secundária na época do ano sem a cultura principal, passando esta a ser permitida todos os anos civis. Se alternar a mesma cultura de dois em dois anos já não é grande rotação do ponto de vista agronómico e da biodiversidade, fazer todos os anos a mesma cultura mesmo intercalando outra, já não é uma rotação de culturas.
Uma maior biodiversidade, seja nas culturas agrícolas, seja nas áreas não produtivas, mas de interesse ambiental, é também um fator de melhoria da produtividade agrícola, da fertilidade e saúde do solo e do equilíbrio entre pragas e organismos auxiliares (predadores e parasitóides daquelas), com a consequente redução do uso de adubos químicos e de pesticidas, redução que se pretende para toda a agricultura nacional, europeia e mundial, por motivos ambientais, climáticos e até económicos tendo em conta o elevado custos dos adubos e dos pesticidas químicos de síntese e a necessidade da sua importação.
A QUERCUS lamenta que, mais uma vez, a lei e a prática agrícola promovida por essa lei, afastem a agricultura do ambiente, quando aquela só pode ser sustentável (durável, conservando os recursos naturais que permitem a sua continuidade ao longo de gerações) trabalhando com a Natureza e não contra ela, ou seja colocando a Ecologia ao mesmo nível da Economia.