Exmo. Senhor Ministro do Ambiente e da Ação Climática,
Dr. Duarte Cordeiro,
Acordamos diariamente com notícias alarmantes sobre a emergência climática, com consequências graves para a saúde e a segurança das populações, para o ambiente e a economia, em Portugal e um pouco por todo o mundo, ora provocadas por secas, incêndios e ondas de calor insuportáveis, ora por subidas do nível do mar, chuvas fortes e inundações violentas. Estes fenómenos extremos são essencialmente consequência de más práticas de ordenamento do território e de sobreconsumo.
Está na hora de Portugal mudar, de tomar mais e melhores ações adaptativas e de mitigação da emergência climática.
Agora, e não quando a agricultura se tornar inviável devido à desertificação, não quando os níveis do mar na costa portuguesa tiverem subido, fazendo desaparecer praias e casas, não quando as cheias chegarem a mais centros urbanos e destruírem negócios e infraestruturas, não quando o ar se tornar irrespirável por falta de árvores, não quando as enfermidades do foro respiratório passarem a ser a nova doença do século. Está na hora de criar uma NOVA POLÍTICA PARA A NATUREZA que impeça os ecocídios – destruições com grande impacto no meio ambiente, ou sobre-exploração de recursos não renováveis. AGORA, antes que seja tarde de mais.
Relembramos que:
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Setembro foi o mês mais quente registado no planeta. Em Portugal, em pleno outubro, as temperaturas estão 10 °C ou mais acima do habitual, confirmando as previsões dos especialistas climáticos.
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Os esforços realizados desde a assinatura do Acordo de Paris não são suficientemente eficazes, estando em vias de ser ultrapassado o aumento do valor de 1,5 °C de temperatura média global, o que coloca em risco o futuro da Humanidade.
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O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, anunciou a propósito das mudanças climáticas que “a Humanidade abriu as portas do inferno”. Realçou ainda que “a era do aquecimento global terminou; a era da ebulição global chegou”.
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Mais de 50 organizações não-governamentais emitiram uma declaração a pedir às Nações Unidas uma “resposta firme” à questão climática.
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O Papa Francisco tem alertado repetidamente para as desastrosas consequências da falta de ação política decisiva no combate a essa mesma questão e para a degradação do ser humano que a degradação da natureza comporta.
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Neste apelo, os jovens têm estado na linha da frente, sendo o exemplo mais recente a ação judicial em curso no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, contra diversos Estados (entre eles, Portugal), pelas nefastas consequências para a vida e para as gerações presentes e futuras, devido à incipiente ação climática dos governos.
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Temos vindo a assistir à delapidação de zonas rurais, a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e a Reserva Ecológica Nacional (REN) têm sido sistematicamente reduzidas pelos Municípios e os Planos de ordenamento e diversa legislação ambiental são sistematicamente incumpridos.
Nos dias de hoje, já não é suficiente proteger apenas os parques florestais e as reservas naturais existentes. É urgente criar uma NOVA POLÍTICA PARA A NATUREZA que proteja eficazmente as árvores em meio urbano, as áreas costeiras, com vegetação densa, bosques primários, florestas maduras, bem como as áreas de concentração de biodiversidade que, pela sua localização sensível, extensão ou contexto, desempenham um papel essencial para a salvaguarda do equilíbrio do meio ambiente e da biodiversidade, da sustentabilidade, da segurança e da qualidade de vida das populações (conceitos cada vez mais vistos como Direitos da Humanidade) e do direito à vida constitucionalmente consagrado como Direito Fundamental.
Contudo, apesar da Lei de Bases do Clima e da Lei do Restauro da Natureza, vamos assistindo, um pouco por todo o país, a casos consecutivos de destruição com consequências negativas de grande relevo no meio ambiente – verdadeiros ecocídios. Exemplos recentes, entre muitos, são:
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a iminente destruição de 52 hectares de mancha verde junto à praia de Carcavelos em Cascais, para construção de um megaempreendimento urbano;
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a iminente destruição da reserva de água doce de Alagoas Brancas, no concelho de Lagoa, devido ao projeto de construção de zona comercial;
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o corte de centenas de exemplares florestais na Serra da Lousã e em Sines (nomeadamente pinheiros, sobreiros e azinheiras – as duas últimas espécies protegidas e de interesse público nacional), em nome da energia limpa/transição energética;
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a construção maciça na Comporta;
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o esgotamento de aquíferos por práticas agrícolas e turísticas nefastas no Algarve;
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a contínua expansão da agricultura intensiva sob coberto em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, à custa da biodiversidade e dos escassos recursos hídricos;
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a progressão da agricultura intensiva na zona do Alqueva, promovendo neste último caso uma salinização progressiva dos solos;
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a construção de megacentrais fotovoltaicas e linhas de muito alta tensão associadas, como é o caso do Cercal do Alentejo e São Domingos e Vale de Água, e a expansão da mineração, nomeadamente nos concelhos de Grândola, Santiago do Cacém e Odemira, a coberto das necessidades da transição energética.
Além disso, tanto o aumento do nível do mar quanto um fenómeno sísmico grave terão consequências desastrosas para o País, particularmente em áreas sensíveis, não sendo admissível que, nas zonas costeiras de risco de afetação elevado, se continue a construir como tem vindo a ser feito e/ou se está prestes a fazer.
Urge defender e garantir a biodiversidade e preservar a natureza e a dimensão histórico-cultural dos espaços. É para nós incompreensível que se reduza continuamente a biodiversidade e se sacrifiquem os valores e serviços ambientais de que dependemos coletivamente para intensificar um modelo urbanístico ultrapassado, um modelo agrícola sem futuro, um paradigma de turismo que não serve o desenvolvimento do país e uma transição energética cega.
Tenhamos coragem de reconhecer que os tempos mudam, e o modo de nos relacionarmos com o meio ambiente deve ser consentâneo com a emergência climática.
As nossas preocupações ecológicas resultam da importância dada à Vida e à qualidade de vida do ser humano, da clara noção de que os problemas de base são globais e interconectados; precisam de uma resposta efetiva e plúrima; não existe uma resposta tecnológica fácil à questão da sustentabilidade; e há custos sociais e humanos imensos decorrentes do agravamento da crise climática global. Mudanças estruturais necessitam urgentemente de ser introduzidas.
O Senhor Ministro, em várias ocasiões, reconheceu publicamente este desafio, bem como a importância da economia verde. É preciso que o Governo invista decisivamente neste desafio, estreitando a colaboração com as autarquias, as populações, os cientistas, as empresas e os movimentos cívicos e associativos, única forma de prevenir os danos, salvaguardar as populações e incrementar a economia verde. Mas não a qualquer custo: para evitar os impactos também negativos dos grandes projetos de produção de energia alternativa ou de exploração mineira é preciso centrar as políticas na urgente redução dos consumos e não na sua manutenção ou expansão.
Uma nova política deve centrar-se na natureza, no capital natural, na regeneração, na preservação do que ainda resiste, numa gestão do presente que seja prospetiva, de longo prazo, atenta à justiça intergeracional e à garantia da biodiversidade. Não é admissível que, apesar dos princípios vertidos em lei, a gestão do presente insista em abdicar do futuro para atender às necessidades do agora.
É, por isso, imprescindível garantir a implementação e cumprimento da legislação já existente, fazer uso pleno e adaptar os Instrumentos de Gestão Territorial (seja os de âmbito nacional, seja os de âmbito local, seja ainda os de ordenamento da orla costeira) às novas exigências ambientais, conferindo-lhes efetividade acrescida.
Essa efetividade tem de passar, ainda e designadamente, pela criação de um quadro legal, imperativo, que determine a imediata classificação como “áreas em risco climático”, com proibição e suspensão da eficácia de quaisquer licenças de construção concedidas, das áreas verdes urbanas mais susceptíveis de serem afetadas pelo acréscimo da temperatura do ar, pelo aumento do nível do mar, pela erosão costeira, pelo risco de inundações e/ou de tsunami, bem como das áreas de elevado valor ecológico em contexto rural, das quais resultam serviços de ecossistema relevantes à escala local.
É igualmente essencial aumentar as reservas em ambiente fluvial e marinho e garantir a proteção das áreas sensíveis através de uma fiscalização real (no mar e em terra).
Enquanto representantes de diversas associações, movimentos ecologistas e ambientais e cientistas, consideramos condição imprescindível para a garantia do futuro de Portugal, das gerações presentes e futuras, a adoção dessas medidas legislativas.
Não é possível continuar a suportar o licenciamento camarário em áreas sensíveis e/ou projetos de “interesse nacional” e/ou políticas que apenas agravarão o colapso ambiental em curso e os custos sociais e ambientais que esse colapso acarretará para todos, durante décadas. É criminoso permiti-lo.
Estas associações, movimentos de proteção ambiental e subscritores opõe-se firmemente a que tal destruição continue a ser permitida ou tolerada.
Senhor Ministro, aja.
Muito atentamente,
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SOS Quinta dos Ingleses
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Viriato Soromenho-Marques
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Maria Amélia Martins-Loução
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SPECO
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Quercus ANCN – Núcleo da Região de Lisboa
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Geota
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Dunas Livres
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Alvorada da Floresta
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Grupo Ecológico de Cascais
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Fórum Cidadania Lx – Associação
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Fórum por Carcavelos
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Salvar as Alagoas de Lagoa
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Juntos pelo Sudoeste
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Juntos pelo Cercal
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Campo Aberto
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Defesa e Proteção da Floresta Laurissilva
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Cascaisea – Associação Ambiental
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Oceans Blue Heart
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Associação de Moradores de Birre, Pampilheira e Quinta da Torre