Ação climática local afastada não só dos discursos eleitorais, mas também longe dos compromissos assumidos por muitas Câmaras Municipais no Pacto de Autarcas para o Clima e Energia (1).
Um inquérito promovido pela Quercus junto dos Municípios que se comprometeram publicamente a reduzir emissões ou a adaptar o seu território aos impactos das alterações climáticas, revela que a ação está bastante longe das promessas. Os discursos de campanha eleitoral para as Autárquicas demonstram também um alheamento geral em relação à necessidade de ação climática local e emergência de adaptação dos territórios aos impactos das alterações climáticas.
O Pacto de Autarcas para o Clima e Energia
A Comissão Europeia lançou, em 2008, o Pacto de Autarcas para o Clima e Energia, uma iniciativa de adesão voluntária por parte dos municípios europeus no sentido de assumirem a meta de reduzir pelo menos em 20% as emissões de carbono e para elaborar um plano de ação. Posteriormente, em 2014 a iniciativa “Mayors Adapt” promovia a adaptação dos territórios aos impactos das alterações climáticas. Finalmente, em 2015, houve uma fusão das duas iniciativas, tendo-se estabelecido como meta para 2030 a redução das emissões de dióxido de carbono para 40%. Dos 308 municípios existentes em Portugal, até agora 165 municípios aderiram ao Pacto de Autarcas, mas, infelizmente nem todos os signatários submeteram um plano de ação ou apresentaram provas de execução das medidas. Por outro lado, falta também que os municípios alinhem as suas metas climáticas com a ambição europeia de reduzir as emissões em 55% até 2030.
Inquérito aos municípios que subscreveram o Pacto
No âmbito do inquérito realizado pela Quercus aos municípios subscritores (2), para o qual foram contactados todos os municípios portugueses, apenas 86 responderam, ou seja, cerca de 52% do total dos inquiridos, apesar das várias recordatórias enviadas. Os principais resultados encontram-se nos slides e gráficos em anexo, que também comparam o grupo total dos signatários com o grupo que efetivamente respondeu ao inquérito, tendo em conta vários aspetos como a data de adesão, a dimensão do município, o compromisso a que aderiu, etc.
Falhas no sistema e falta de um acompanhamento sério por parte dos municípios
Comparando as respostas com os dados disponíveis no portal oficial do Pacto de Autarcas, foi possível verificar diversas incongruências. Em alguns casos, poderá tratar-se de um atraso na atualização de informação dentro do portal (por exemplo, sobre o cumprimento dos prazos de entrega de documentos dos Municípios, ou a suspensão dos mesmos, etc) embora se verifique que há muitos municípios com atrasos significativos na entrega de relatórios, planos ou outros documentos. Porém, noutros casos, é evidente que essas incongruências partem dos municípios, tais como:
– alguns municípios disseram não ter enviado qualquer Plano de Ação, quando é possível descarregar o seu plano no portal;
– 27 municípios responderam que tinham um compromisso diferente do indicado no portal;
– 11 municípios afirmam estarem alinhados apenas com a meta para 2020, quando no website aparecem como comprometidos com a meta para 2030 (na maior parte dos casos, tendo esses municípios aderido à iniciativa depois de 2015, nem seria possível terem aderido ao compromisso de 2020);
– 15 dos municípios que afirmaram não ter enviado nenhum Plano de Ação, têm na sua página do website a data da submissão do seu plano, e até, na maior parte dos casos, o próprio documento disponível para descarregamento;
– 13 municípios afirmam não ter enviado relatório, quando no portal é indicado que a sua atividade se encontra monitorizada;
Todas estas incongruências revelam que em muitos casos quem respondeu ao inquérito não está por dentro do assunto, seja por não haver um responsável para coordenar o processo; por o mesmo não estar a ser acompanhado de forma consistente, ou por ter sido até abandonado.
Execução dos compromissos e dos Planos de Ação
Dos 86 municípios, 53 afirmaram ter enviado um Plano de Ação, dos quais apenas 10 afirmaram ter posto em prática mais de 70% das ações propostas; 5 afirmaram ter posto em prática 50 a 70% das ações e 11 referem ter executado entre 30 e 50% das ações. Apenas 10 municípios afirmam terem enviado mais do que um relatório de monitorização para Bruxelas, os quais não obstante devem ser enviados de 2 em 2 anos.
Dificuldades sentidas pelos municípios
A falta de recursos humanos foi a principal dificuldade encontrada pelos Municípios, seguida de deficiências na recolha de dados necessários e, em terceiro lugar, da falta de financiamento. No que se refere ao impacto da pandemia, 30 municípios referiram que a mesma dificultou o processo, ou porque colocou o Pacto para segundo plano ou porque impossibilitou a realização de atividades.
A 26ª Conferência do Clima e o papel dos governos locais
“Juntos pelo Nosso Planeta” é o mote da 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que se realizará de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasgow, Escócia (3). “Trabalhar juntos para produzir resultados” é um dos 4 objetivos principais do encontro, pelo que para a Quercus também os municípios devem assumir que podem ser parceiros essenciais no combate às alterações climáticas, como fez a Associação de Governos Locais inglesa (4). Os municípios estão bem colocados para transformar as ambições climáticas em ação concreta no terreno, dado que contribuem em larga medida para a definição do território, das infraestruturas, do funcionamento dos transportes, da conectividade e dos serviços. Têm impacto nas compras públicas, detêm ou gerem terrenos, infraestruturas, edifícios de habitação e outros; e têm também um papel essencial de convocadores de parcerias e de comunicação entre partes e com o público.
Declaração de Glasgow Clima e Alimentação
A Quercus, no âmbito da sua participação na Rede Alimentar Cidades Sustentáveis, tem colaborado ativamente na divulgação da Declaração de Glasgow Alimentação e Clima (5), um compromisso feito pelos governos locais para dar resposta à emergência climática através de políticas alimentares integradas, incitando os governos nacionais a agir. Até agora aderiram apenas os municípios de Maia, Mértola, Montemor-o-Novo, Torres Vedras e a Região de Coimbra.
ANEXO: Apresentação dos principais resultados da análise dos dados disponíveis no portal https://pactodeautarcas.eu relativos aos municípios portugueses signatários e das respostas recolhidas no inquérito realizado junto dos mesmos.
Lisboa, 23 de Setembro de 2021
A Direção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
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Referências
- Website do Pacto de Autarcas ou Covenant of Mayors: https://pactodeautarcas.eu
- Inquérito realizado pela Quercus no âmbito de um estágio curricular de mestrado em colaboração com a Escola Universidade do Minho, focado no tema das políticas climáticas, do nível europeu ao nível local, no âmbito do qual se procurou averiguar o desempenho dos municípios portugueses. Para tal analisaram-se os dados disponíveis no portal do Pacto de Autarcas e elaborou-se um inquérito dirigido aos municípios portugueses que assinaram o Pacto
(3) Websites da CoP26: https://ukcop26.org; https://together-for-our-planet.ukcop26.org
(4) http://www.local.gov.uk/net-zero-our-offer
(5) https://pt.glasgowdeclaration.org