Parecer | Plano de Pormenor da Zona Ribeirinha de Setúbal

Parecer | Plano de Pormenor da Zona Ribeirinha de Setúbal

No âmbito da consulta pública do Plano de Pormenor da Zona Ribeirinha de Setúbal, elaborado no âmbito do Programa Polis de Setúbal, vem a Quercus-Associação Nacional de Conservação da Natureza apresentar o seu parecer.

No âmbito da consulta pública do Plano de Pormenor da Zona Ribeirinha de Setúbal, elaborado no âmbito do Programa Polis de Setúbal, vem a Quercus-Associação Nacional de Conservação da Natureza apresentar o seu parecer.

CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

O Programa Polis de Setúbal, da responsabilidade da SetubalPolis, tem vindo a ser desenvolvido desde 2001. Com efeito, muitas das intervenções inicialmente preconizadas no Programa foram quer objecto de alterações sucessivas, quer implementadas, sem que tenham sido devidamente esplanadas num Plano de Pormenor, sujeitas a uma Avaliação Ambiental ou sequer sido apresentadas em consulta pública.

Verifica-se assim que o Plano de Pormenor agora em discussão apresenta como consumadas um conjunto de soluções já implementadas no terreno, de que serão talvez os maiores exemplos as intervenções na Av. Luísa Todi ou no Largo José Afonso. A avaliação necessária a todo o conjunto da intervenção encontra-se assim inevitavelmente condicionada, uma vez que parte do Plano foi já implementado previamente a qualquer avaliação ambiental ou consulta pública.

Deste modo, a avaliação que a Quercus fará do Plano de Pormenor em consulta pública incidirá apenas sobre os aspectos ainda não concretizados ou em vias de concretização, e portanto passíveis de integrar as alterações e sugestões emanadas da presente consulta pública.

O PLANO DE PORMENOR DA FRENTE RIBEIRINHA DE SETÚBAL

Uma breve análise do Plano de Pormenor e do Relatório Ambiental que o integra permite constatar que a solução apresentada não garante alguns dos objectivos iniciais propostos no Programa Polis de Setúbal.

Com efeito, os objectivos do Programa Polis de Setúbal, podem ser traduzidos nas seguintes vertentes (pág. 15 do Relatório Ambiental): a ligação da cidade ao seu rio; a revitalização urbana; a valorização ambiental; a potenciação das dinâmicas associadas às dimensões da cultura, do lazer, da animação e do turismo; e o respeito pela tradição portuária e industrial da cidade.

No entanto, a proposta de Plano de Pormenor agora em discussão pública não assegura que se atinjam estes objectivos, mostrando-se mesmo contraditória em relação a alguns deles.

O loteamento de parte da área do Plano de Pormenor, em particular os relativos às Zonas de Intervenção 4 e 6 traduz-se numa verdadeira ruptura em termos paisagísticos, tendo sido projectados um conjunto de edifícios de 4 e 5 pisos, com cérceas atingindo os 17 m, e que podem vir a constituir-se como uma verdadeira barreira entre a cidade e o rio, contrariando assim de forma flagrante os objectivos do Programa Polis.

O próprio Relatório Ambiental refere o impacte negativo da construção de uma unidade hoteleira no topo da arriba na Zona de Expansão Poente do Plano e para a necessidade de adaptar o plano à evolução da situação, salientando a importância de se “assegurar que nos novos usos a considerar se evitem situações de mono-funcionalidade e se procure a correcta conciliação de usos” (pág. 117).

Dadas as características de valorização do edificado, o Plano refere ainda a probabilidade de captação de uma população de estrato social mais elevado, conduzindo à repulsão da população mais carenciada, factor ainda mais potenciado por o Plano não definir equipamentos sociais na zona de intervenção, não definindo sequer de que forma serão efectuadas as requalificações dos equipamentos já existentes (externato e lar de terceira idade), conforme é explicitamente referido na página 119 do Relatório Ambiental.

De salientar ainda que “o Plano promove uma alteração significativa em termos de actividades económicas ao prever a substituição da maioria das pequenas unidades industriais, oficinas e armazéns por actividades previsivelmente mais qualificada, nomeadamente a actividade hoteleira e a restauração” (pp. 119-120 do Relatório Ambiental). Esta análise encontra-se em flagrante contradição com a estratégia do Programa Polis de Setúbal que preconiza “o respeito pela tradição portuária e industrial da cidade”.

O Plano refere ainda que “a criação de futuros espaços comerciais nos edifícios a construir para esse efeito (sobretudo na Zona 4) poderá repercutir-se negativamente sobre o pequeno comércio do centro da cidade” (pág. 120). Verifica-se assim que, em ao invés de assegurar uma efectiva ligação da cidade ao rio, o presente Plano agravará ainda mais a dicotomia entre ricos e pobres, potenciando a criação de uma zona requalificada e sofisticada onde não são passíveis de integração as actividades tradicionais ligadas à pesca tradicional e ao pequeno comércio nem uma parte significativa da população de Setúbal.

As novas construções previstas no Plano de Pormenor, para além de um enorme impacte visual, implicam ainda impactes bastante negativos ao nível da impermeabilização dos solos, factor tanto mais relevante quanto a maioria da zona de intervenção se situa numa área com elevados riscos de inundação. As zonas de intervenção 4 e 6, e nomeadamente os locais de implantação do novo edificado, situam-se quase integralmente nesta área com elevado risco de inundação. Mais uma vez o Plano não acautela a minimização destes riscos, ao não prever a não impermeabilização das zonas adjacentes (pág. 112 do Relatório Ambiental).

Relativamente à valorização ambiental, pode-se considerar que esta se cinge quase exclusivamente à requalificação do Parque Urbano de Albarquel, restringindo-se a restante intervenção a espaços ajardinados ao longo de espaços de circulação pedonal e que dificilmente se poderão denominar de estrutura verde.

De referir ainda que o Plano de Pormenor não incide efectivamente sobre toda a frente ribeirinha, uma vez que não engloba as áreas sobre gestão da APSS. Ao contrário de outros Programas Polis, este Plano não consegue integrar toda a zona ribeirinha, o que a Quercus lamenta, pois uma gestão integrada de toda a área seria com certeza uma mais-valia para a cidade de Setúbal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Plano de Pormenor agora em discussão pública revela, de uma forma confrangedora, a oportunidade perdida para uma verdadeira requalificação da frente ribeirinha de Setúbal de forma a fortalecer de forma inequívoca a ligação da cidade com o rio.

Com efeito, as intervenções do Plano demonstram um carácter excessivamente conservador e com muito poucas alterações efectivamente substanciais, em detrimento de intervenções meramente estéticas. A oportunidade de estabelecer uma continuidade entre o centro urbano e o rio perdeu-se definitivamente com a actual requalificação da Av. Luísa Todi, incapaz de encontrar uma solução verdadeiramente inovadora. Por outro lado, a requalificação do centro histórico fica uma vez mais adiada e não parece ser de todo incentivada por este Plano, pois que este não estabelece qualquer ligação com o centro histórico da cidade e se apresenta como uma unidade de planeamento perfeitamente isolada e autónoma.

Se estas condicionantes poderiam ter sido minimizadas com a intervenção na frente ribeirinha, o presente Plano de Pormenor gora quaisquer expectativas. Às zonas que mais carecem de reabilitação, e que poderiam potenciar verdadeiras soluções de ligação da cidade e dos seus habitantes ao rio, o Plano não responde com zonas de lazer de usufruto comum ou com equipamentos urbanos e sociais, mas com estratégias de loteamento que potenciam a criação de zonas mono-funcionais de habitação e comércio para uma população mais privilegiada economicamente, afastando a grande maioria da população de Setúbal da zona requalificada e do contacto com o rio. O próprio Plano reconhece o risco de afastamento de parte da população e do efeito negativo no comércio local do centro urbano.

Este Plano de Pormenor constitui uma verdadeira negação da estratégia do Programa Polis e a transformação definitiva da frente ribeirinha de Setúbal numa frente urbana que separará a cidade do seu rio.

Setúbal, 22 de Junho de 2009

A Direcção Nacional
e
A Direcção do Núcleo Regional de Setúbal da
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza