A Europa prepara-se para abrir a ZEE portuguesa às frotas pesqueiras europeias
O Conselho Europeu das Pescas prepara-se para decidir, no próximo dia 12 de Junho em Bruxelas, a abertura da ZEE (Zona Económica Exclusiva) portuguesa às pesadas frotas pesqueiras de outros estados membros da União Europeia. A proposta de alteração do Regulamento CEE 2847/93, relativo às Águas Ocidentais e no âmbito da Política Comum de Pescas, pretende permitir a actividade de frotas pesqueiras de outros estados membros na zona compreendida entre as 200 e as 12 milhas da ZEE de Portugal continental, e até às 50 milhas da ZEE dos Açores e da Madeira.
Apesar da intenção inicial da Comissão Europeia em manter a zona de exclusão actual de 200 milhas em torno da Madeira e dos Açores, discussões subsequentes de preparação do Conselho das Pescas, que contaram com a forte pressão dos países detentores de grandes frotas pesqueiras, foram alterando essa ideia. Como resultado, o documento que pretende alterar o Regulamento CEE 2847/93 propõe a eliminação dos anexos I e II, que especificam o esforço e tipo de pesca permitido, e a adição de um novo artigo que reduz a ZEE da Madeira e dos Açores, assim como a das Canárias, para apenas 50 milhas náuticas.
QUERCUS sensibiliza Comissário Fischler
Em sequência desta situação e pretendendo sensibilizar para as especificidades das águas territoriais dos Açores e da Madeira, a QUERCUS- Associação Nacional de Conservação da Natureza dirigiu uma carta ao Comissário Franz Fischler, responsável pela Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas da União Europeia, expressando a sua profunda preocupação relativamente à proposta de modificação do Regulamento CEE 2847/93, associando-se assim às preocupações também assumidas pela WWF, Greenpeace e Seas at Risk. Nesta comunicação à Comissão Europeia, a QUERCUS propõe a manutenção das actuais 200 milhas de protecção na Madeira e nos Açores como forma de garantir uma gestão sustentável dos ecossistemas marinhos e recursos pesqueiros. Em alternativa, a QUERCUS associa-se ao WWF, Greenpeace e Seas at Risk propondo a criação de uma área demonstrativa de uma gestão correcta e sustentável das actividades humanas em mar aberto, fazendo uso de uma monitorização cuidada à exploração dos recursos pelas comunidades piscatórias locais.
Abertura da ZEE da Madeira e dos Açores é forte ameaça aos ecossistemas marinhos
Se a redução da ZEE continental poderá ser justificável no âmbito da Política Comum de Pescas (PCP), associada às necessárias medidas de salvaguarda dos stocks pesqueiros e de outros recursos marinhos, já no que diz respeito às ilhas a realidade é muito distinta. A abertura dos mares da Madeira e dos Açores, até às 50 milhas náuticas, constituirá uma forte ameaça aos ecossistemas marinhos, numa zona onde não existe plataforma continental e o equilíbrio ecológico é muito frágil. Esta medida vai mesmo contra a filosofia subjacente à nova PCP que defende uma melhor gestão e protecção dos recursos marinhos.
Açores e Madeira deveriam ser casos de excepção
O facto das águas que rodeiam os Açores e a Madeira apresentarem características únicas em termos ambientais, possuindo ecossistemas ricos mas frágeis se perturbados em demasia, faz com que não possam suportar o esforço de pesca decorrente da “liberalização” dos mares europeus. Os Açores e a Madeira deveriam ser encarados como casos de excepção, devido precisamente aos efeitos que poderão advir para estes ecossistemas da actividade das poderosas frotas europeias, que delapidam tudo por onde passam. Depois de colocarem em risco os recursos pesqueiros do Norte, as grandes frotas pesqueiras europeias centram a sua atenção mais a Sul, exercendo grande influência sobre a Comissão Europeia para que sejam eliminadas as medidas de restrição à sua actividade insustentável.
O equilíbrio ambiental que tem sido conseguido nos Açores e na Madeira em mais de cinco séculos de história, com práticas de pesca menos agressivas e mais responsáveis, é um bom exemplo de equilíbrio entre capacidade de pesca e recursos disponíveis, sendo condicente com os princípios “conservacionistas” subjacentes à política da União Europeia para o sector das pescas, pelo que a alteração desta realidade seria uma incoerência com essa mesma política.
QUERCUS preocupada com os efeitos da pesca industrial
Nesta alteração das condições de acesso às águas territoriais da Madeira e dos Açores, a QUERCUS está particularmente preocupada com os efeitos da pesca industrial por arrasto que irão fazer decrescer rapidamente os stocks pesqueiros de profundidade e destruir os frágeis habitates bentónicos, tais como bancos e montes submarinos. Estes frágeis habitates albergam algumas espécies com potencialidades comerciais, tais como a Abrótea (Mora mora), o Peixe Espada Preto (Aphanopus carbo) e o Olho-de-vidro (Hoplostethus atlanticus).
Stocks de pesca ameaçados
O Conselho Internacional de Exploração do Mar (ICES- Internacional Council of the Explorations in the Sea) considera que os stocks de pesca de profundidade estão a ser explorados fora dos limites de segurança biológicos e em 2000 este Conselho recomendou uma moratória. O ICES solicitou já em 2002 uma redução imediata neste tipo de pesca, excepto nos casos em que se possa demonstrar a sua sustentabilidade, afirmando que novas autorizações de pesca só deveriam ser permitidas apenas quando sejam implementadas de forma lenta e gradual e possuam programas de monitorização que permitam avaliar o estado de conservação das populações de peixes exploradas. Abrir a Zona Económica Exclusiva até às 50 milhas não é uma expansão lenta nem sustentável. Por outro lado, a frota europeia de pesca demersal por arrastamento irá provavelmente substituir de forma rápida a pesca local artesanal, menos competitiva e extensiva.
Vida no fundo do mar é muito frágil
A ecologia da vida existente no fundo dos oceanos é fracamente conhecida. No entanto, dois dados importantes são já perfeitamente conhecidos. Primeiro, as espécies de profundidade cresceu muito lentamente, atingem a maturidade sexual muito tardiamente e possuem taxas de reprodução muito baixas. Desta forma, os peixes de profundidade crescem de tal forma lentamente que para efeitos de exploração económica os cientistas consideram-nos um recursos não renovável. Na prática, a pesca dirigida para os recursos pesqueiros de profundidade acabam por esgotar os stocks em poucos anos, fazendo as frotas deslocarem-se, sucessivamente, para novos sítios.
Em segundo lugar, os habitates marinhos de profundidade contêm surpreendentes níveis elevados de biodiversidade. Muitas espécies vivem apenas em um ou poucos bancos submarinos, constituindo endemismos. Os recifes de coral das zonas profundas podem ser particularmente abundantes nos bancos submarinos, constituindo importantes áreas para reprodução e desenvolvimento dos juvenis de inúmeras espécies.
Incoerências da política europeia
A abertura da zona de exclusão da Madeira e dos Açores está em claro contraste com diversos desenvolvimentos recentes na política da União Europeia:
· A nova Política Comum de Pescas tem por objectivo minimizar o impacte das actividades piscatórias nos ecossistemas marinhos e permitir a implementação progressiva de uma gestão dos recursos pesqueiros baseada na preservação dos ecossistemas.
· Os bancos e montes submarinos são potenciais para serem protegidas no âmbito da Directiva Habitates , como componentes da Rede Natura 2000. Uma grande fracção (60%) dos habitates existentes nas águas que circundam a Madeira e os Açores são de importância comunitária pelo que se deverá assegurar a sua conservação.
· Na futura Estratégia Europeia para os Oceanos, concluída pela Conselho do Ambiente em Março último, a integração das preocupações ambientais e o respeito pelos ecossistemas deverá ser um elemento central nas políticas de gestão das actividades humanas, nomeadamente na pesca.
· Os bancos submarinos e os corais de águas frias são habitates incluído na Lista de Espécies e Habitates Ameaçados da OSPAR. Estes habitates deverão ser adoptados na Reunião Ministerial OSPAR que decorrerá em Junho próximo na Alemanha, por forma a cumprir com os objectivos do Anexo V da Convenção OSPAR (Convenção para a Protecção do Ambiente Marinho do Noroeste Atlântico).
· A próxima reunião ministerial conjunta OSPAR e HELCOM (Comissão de Helsínquia para a Protecção do Mar Báltico) irá estabelecer o compromisso de criar até 2010 uma rede ecológica coerente de áreas marinhas protegidas, para a qual estão propostos muitos dos habitates vulneráveis existentes no interior das 200 milhas que circundam os dois arquipélagos portugueses.
· Até a FAO está em discussão com a Convenção de Washington no sentido de serem estabelecidas regras de gestão sustentável dos recursos pesqueiros, acordando em normas para inclusão de espécies piscícolas nos anexos da CITES, impondo licenciamento à sua comercialização.
Lisboa, 09 de Junho de 2003
A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Para mais esclarecimentos contactar Helder Spínola, Presidente da Direcção Nacional da QUERCUS, 937788472 ou 964344202