Floresta Portuguesa: Risco de incêndio continua a aumentar

A floresta reveste-se de grande valor económico, social e ambiental, tendo o seu abandono e destruição consequências particularmente dramáticas para o país.

 

Cerca de 38% do território continental português é área florestal (3349000 ha), sendo responsável por exportações no valor de 2749 milhões de euros por ano e pelo emprego de 3,3% da população activa do país. Cada hectare de floresta ardida representa um prejuízo de cerca de 3 mil euros, tendo 62% da área ardida em 2002 correspondido a um prejuízo directo, só em madeira, de mais de 58 milhões de euros, devido a 164 grandes incêndios.

 

Para além dos prejuízos económicos, os incêndios florestais têm enormes consequências na destruição de ecossistemas e emissão de grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera, um dos principais gases com efeito de estufa.

 

120 mil hectares de floresta destruídos pelo fogo todos os anos

 

Todos os anos Portugal assiste apático à destruição de enormes áreas florestais, devido à deflagração de incêndios. Ao longo das duas últimas décadas os incêndios florestais duplicaram a sua capacidade destrutiva anual. Dos 55 mil hectares destruídos anualmente no início deste período, os fogos florestais passaram a destruir mais de 120 mil hectares todos os anos.

 

Cerca de 1/3 do território nacional apresenta um risco de incêndio muito elevado, estando estas áreas localizadas na sua grande maioria na região a norte do rio Tejo. Em 2002, os incêndios florestais destruíram 70.000 há apenas nas regiões da Beira Interior e Trás os Montes, correspondendo a mais de 50% da área ardida nesse ano.

 

Abandono da floresta portuguesa promove os incêndios

 

Durante a década de 90, os incêndios destruíram uma área equivalente a 20% do território da região a norte do rio Tejo, correspondendo a mais de 1 milhão de hectares. Esta catástrofe ambiental destruiu ao longo da última década uma grande percentagem da floresta portuguesa, fazendo este nosso recurso natural regredir a uma taxa de 1,5% ao ano, nos povoamentos adultos.

 

Esta realidade aterradora do panorama florestal português resulta em grande parte de uma quase completa ausência de uma estratégia para o sector florestal. O atraso considerável na elaboração dos Planos Regionais de Ordenamento Florestais (PROFs), a falta de Planos de Gestão Florestal e os escassos Planos Municipais de Intervenção na Floresta (PMIFs), associado ao abandono das propriedades florestais, à desertificação humana no interior do país, à dispersão de competências e à ausência de uma política de prevenção, criam um panorama muito preocupante para o Verão que se inicia.

 

Necessário maior aposta na prevenção

 

Apesar do crescente investimento no combate aos incêndios florestais, com 32 milhões de euros disponibilizados pelo governo para a presente época, a área ardida em Portugal tem vindo a aumentar. Tendo em conta este inconsequente investimento no combate aos fogos florestais, torna-se evidente a necessidade de uma maior aposta na prevenção, a ser planeada e concretizada ao longo de todo o ano e não apenas na época estival.

 

Apenas com a aposta em acções de prevenção, recorrendo à silvicultura preventiva, é possível efectuar uma gestão sustentável da floresta e reduzir substancialmente as áreas ardidas. De facto temos a comprovação de que a aposta crescente nos meios de combate não fizeram reduzir o número de incêndios nem a área ardida.

 

Torna-se urgente a elaboração de um cadastro actualizado da propriedade rústica, que sirva de base para o desenvolvimento de uma política florestal promotora do associativismo e da alteração da estrutura fundiária, fazendo uso, nomeadamente, de incentivos fiscais.

Os fogos em matos poderão ser minimizados através de uma gestão adequada que conduza, através da sucessão ecológica, ao desenvolvimento da floresta autóctone, mais resistente a esta calamidade. A valorização dos resíduos florestais, nomeadamente na produção de energia, é também importante para a diminuição do risco de incêndio.

 

Crime e negligência têm de ser punidos

 

O factor humano tem sido, directa ou indirectamente, a causa, quase exclusiva, da deflagração dos grandes incêndios florestais. O desrespeito pela legislação florestal, associada ao facto de grande parte estar desactualizada (o que torna fundamental a revisão e elaboração de um Código Florestal), e as poucas restrições à utilização de fogo junto aos espaços florestais, nomeadamente com o lançamento de fogo de artifício e a realização de queimadas para renovação de pastagens e limpeza de áreas agrícolas, são factores que têm conduzido à situação problemática que se vive actualmente ao nível dos incêndios florestais.

 

Só no ano 2000, segundo a Direcção-Geral das Florestas, dos 136 grandes incêndios inspeccionados 25 estiveram associados a festas com foguetes, as quais são autorizadas pelos respectivos Governos Civis. Por exemplo, numa noite de Agosto de 2000, um foguete de uma festa numa aldeia de Góis, provocou um incêndio que destruiu 4300 ha de floresta, provocando um prejuízo directo, só em madeira, de 10 milhões de euros, isto fora os impactes negativos da destruição do coberto vegetal com toda a diversidade biológica associada, do aumento do risco de erosão dos solos para as linhas de água e da enorme quantidade de gases produzidos que contribuíram para o efeito de estufa. No entanto, estas situações passam impunes sem ninguém ser responsabilizado.

 

Para além da actuação fundamental no ordenamento e gestão florestal, torna-se cada vez mais urgente um desempenho exemplar do poder judicial na punição de situações de crime e negligência. As acções pirómanas estão a assumir, cada vez mais, proporções preocupantes que requerem uma actuação mais eficaz e enérgica por parte da investigação criminal e da justiça portuguesa. Em 2002 foram investigados 1039 incêndios florestais, dos quais um terço revelou origem criminosa. No mesmo ano, o incendiarismo foi considerado responsável pela ocorrência de 39 grandes incêndios que arderam 18.863 ha, provocando um prejuízo de mais de 22 milhões de euros.

 

Maior envolvimento do Ministério da Defesa

 

Consideramos necessário um maior envolvimento do Ministério da Defesa, recorrendo às forças militares para vigilância das matas, e questionamos se as dezenas de milhões de euros pagas a empresas nacionais e estrangeiras para combater os incêndios florestais com meios aéreos não seria mais eficaz e menos despesista se investido na Força Aérea Portuguesa e no SNBPC.

 

Acções ilegais financiadas

 

Temos constatado que, um pouco por todo o país, as Comissões Municipais Especializadas de Fogos Florestais têm obtido financiamento para a abertura de novos caminhos em áreas classificadas da Rede Natura 2000, sem o necessário parecer do Instituto da Conservação da Natureza. Defendemos que se façam caminhos apenas nos locais necessários, com fundamentação técnica e após parecer e autorização das entidades competentes.

 

Lisboa, 27 de Junho de 2003

Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza