As principais críticas e exigências da UNESCO no relatório da missão de Agosto 2012:
1. A UNESCO critica duramente o Estado Português pelo incumprimento de medidas de gestão, salvaguarda e reporte sobre o Alto Douro Vinhateiro ao longo dos últimos onze anos, em particular os procedimentos que levaram à aprovação da barragem de Foz Tua;
2. A UNESCO considera que o Alto Douro Vinhateiro é altamente vulnerável a agressões, tanto pelos impactes cumulativos de infra-estruturas como barragens, linhas eléctricas e estradas, como por impactes incrementais resultante da ausência de políticas de gestão consistentes. Considera ainda que se trata de uma região com relações estreitas entre o património cultural e natural, que não têm sido devidamente acauteladas. A UNESCO exige por isso a criação de um Plano de Gestão da zona, com força de lei, que garanta a salvaguarda de todos estes valores, o qual terá de ser discutido com as partes interessadas e submetido à UNESCO até 1 Fevereiro 2013;
3. A UNESCO considera que os impactes microclimáticos e suas consequências na produção vitivinícola não foram devidamente estudados e constituem um risco para a integridade do Alto Douro Vinhateiro;
4. A UNESCO concorda com o enterramento da central eléctrica, mas exige conhecer e pré-aprovar soluções para a subestação e para a linha de muito alta tensão. Ainda não existem projectos para nenhuma destas componentes, algo que é duramente criticado no relatório;
5. A UNESCO reconhece o papel da ferrovia na paisagem cultural do Alto Douro Vinhateiro, e critica fortemente o processo que levou à inutilização da Linha do Tua. Diz expressamente que a solução de mobilidade proposta pela EDP e pelo Governo (com teleférico e barco) não satisfaz minimamente as necessidades, quer das populações locais quer do turismo, e exige uma solução alternativa (leia-se nas entrelinhas: a reposição do serviço da linha do Tua). Exige ainda a reposição da navegabilidade do Douro, posta em causa pelas obras da barragem;
6. A UNESCO critica e pede explicações sobre as condições de segurança na obra, que já vitimou vários trabalhadores;
7. A UNESCO reconhece e lamenta os impactes severos e permanentes sobre o ecossistema e a paisagem do rio e vale do Tua, incluindo a inevitável degradação da qualidade da água, causados pela barragem. Critica ainda o incumprimento de medidas obrigatórias de mitigação de impactes, e a ausência de estudo dos impactes cumulativos de várias barragens, novas e antigas, no Douro e seus afluentes. Estes problemas são reconhecidos como ameaças sérias à integridade do Alto Douro Vinhateiro;
8. Com as novas exigências da UNESCO, o custo de Foz Tua vai ser fortemente multiplicado.
9. Esta decisão é condicional. Até que todas estas questões estejam cabalmente resolvidas (o que poderá demorar anos), a UNESCO exige que as obras se mantenham a ritmo lento.
É certo que neste relatório da UNESCO há algum recuo em relação ao relatório de Junho 2011 do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS) e às propostas de Maio 2012 do World Heritage Centre (WHC, órgão executivo da UNESCO para o Património Mundial). No entanto, este recuo tem um carácter político e não técnico. Três discrepâncias a destacar:
1. Os documentos da ICOMOS e WHC referem, de forma bem fundamentada, que “a construção da barragem de Foz Tua teria um sério impacte no Alto Douro Vinhateiro, que implicaria uma perda no seu valor e sérias ameaças à sua integridade e autenticidade”. O último relatório da UNESCO reitera que há um “dano severo e permanente da barragem e albufeira sobre o vale do Tua localizado na zona tampão” e uma “perda física de parte da propriedade, alterando o padrão e contexto da paisagem Património da Humanidade”; apesar disto, o relatório diz que “a barragem tem pequeno impacte visual”. Esta última alegação não é de todo fundamentada — é simplesmente uma opção política de fechar os olhos perante as evidências.
2. Os documentos da ICOMOS e WHC declaram inequivocamente que a zona tampão, onde se localiza a barragem e albufeira de Foz Tua, tem funções importantes e faz parte integrante da propriedade a proteger. Ao tolerar que os danos no vale do Tua não sejam tidos em conta na decisão, o novo relatório contraria frontalmente as Directrizes Operacionais para Implementação da Convenção do Património Mundial, estabelecidas pela própria UNESCO.
3. Os documentos da ICOMOS e WHC dizem expressamente que o programa nacional de barragens deve ser revisto e procuradas alternativas. Esta posição decorre das Directrizes Operacionais, que exigem uma gestão baseada nos princípios da sustentabilidade social, ecológica e económica. O novo relatório da UNESCO despreza liminarmente estes princípios, dizendo que “não está no âmbito da missão analisar o Programa Nacional de Barragens”. Estamos de novo perante uma opção política de fechar os olhos às evidências, uma vez que foram fornecidas à missão todas as informações necessárias para proceder à análise do Programa de Barragens e do projecto de Foz Tua, quer em termos da sua inutilidade, quer da equação económica e social.
Em síntese, este relatório da UNESCO, embora admita a barragem de Foz Tua, impõe a Portugal uma série de exigências que:
a) São difíceis de cumprir, e se não forem cumpridos acarretam o risco de desclassificação do Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade;
b) Não mitigam de forma eficaz os graves impactes da barragem;
c) Sairão muito mais caros aos consumidores de electricidade e ao Estado (leia-se aos contribuintes), do que parar a barragem já. Só o custo de enterramento da central eléctrica, alteração da subestação e linha custará mais que o resgate da concessão da barragem; a que há que acrescentar grandes custos acessórios como a reposição da mobilidade. Podemos estimar que os custos para os consumidores-contribuintes de a barragem avançar serão 20 a 30 vezes superiores ao custo da paragem imediata da barragem. Estamos perante mais uma das PPP, onde todo o risco fica do lado dos cidadãos.
O Governo tem alegado que não tinha dinheiro para parar a barragem de Foz Tua. Este argumento caiu no ridículo com a aprovação da Portaria 251/202, que prevê a atribuição de 300 milhões de euros de subsídios a fundo perdido às empresas eléctricas, para construir novas barragens inúteis.
As nossas exigências, que defendem os interesses do Alto Douro, do País e dos contribuintes:
– Suspender imediatamente as obras da barragem de Foz Tua;
– Revogar a Portaria 251/2012, o que dará folga orçamental para resgatar a concessão.
GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, LPN – Liga para a Protecção da Natureza, Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, FAPAS – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental, COAGRET – Coordenadora de Afectados pelas Grandes Barragens e Transvases, MCLT – Movimento Cívico pela Linha do Tua, AAVRT – Associação dos Amigos do Vale do Rio Tua, MCDLT – Movimento de Cidadãos em Defesa da Linha do Tua, Quinta do Crasto, Quinta dos Murças (Esporão SA).