São cada vez mais as pessoas que, em Portugal, vivem atormentadas por ter uma antena de telemóvel instalada perto de casa, e bem gostariam que ela lá não estivesse, pois nunca se falou tanto do perigo para a saúde que elas podem constituir. Mas ninguém lhes pode oficialmente dar respostas, a começar pelos médicos. O único consenso científico sobre os efeitos das emissões de radiofrequência (RF) para a saúde humana é o de que “é necessária investigação mais aprofundada”.
Sempre a mesma conclusão, quer se trate de organizações internacionais, cientistas ou as indústrias do sector. No entanto, muitos países e instituições, entre as quais a União Europeia, optaram por uma “política de precaução”. Por isso fixaram limites para as emissões, tanto para as estações de rádio e televisão como para as estações-base dos telemóveis.
“É imperativo proteger a população na Comunidade contra os comprovados efeitos adversos para a saúde susceptíveis de resultar da exposição a campos electromagnéticos”, foi a conclusão a que chegou o Conselho Europeu, que a 12 de Julho de 1999 adoptou uma Recomendação relativa à Limitação da Exposição da População aos Campos Electromagnéticos (CEM)* *(PDF-154kb). O documento foi feito a pensar “nos locais em que as pessoas passam períodos de tempo significativos”.
O Instituto das Comunicações de Portugal (ICP), entidade que no nosso país regula o sector, adoptou a 6 de Abril os níveis de referência do Conselho Europeu. Contactado pelo ABC, o ICP garantiu ter os meios para verificar o cumprimento dos limites, o que pode fazer “em resposta a pedidos de esclarecimento dos cidadãos ou no âmbito do trabalho normal de fiscalização”.
Saúde pública à margem
A instalação de estações de radiocomunicações já é regulada pelo Decreto-lei n.º 151-A/2000, de 20 de Julho, mas ainda não há qualquer intervenção das autoridades em matéria de saúde pública. Nenhum parecer é dado à instalação de antenas, sujeitas a licenciamento pelo ICP e pelas autarquias. O que torna possível a colocação de uma estação-base da Optimus no recinto do Centro de Saúde da Parede, ainda que o Conselho Europeu e a Organização Mundial de Saúde (OMS) aconselhem uma atenção especial a esses locais.
Perante um abaixo-assinado e o pedido de esclarecimento de um morador da vizinhança, a direcção do Centro de Saúde remeteu o assunto à Sub-Região de Saúde de Lisboa, responsável pelo contrato com o operador, que é válido até 2015. A torre de cerca de 25 metros foi colocada no parque de estacionamento dos utentes, nas traseiras do edifício.
José Pinto Correia, Director de Rede da Optimus, disse ao ABC que a empresa definiu “um conjunto de regras de planeamento e implementação das estações-base”, mas não existe uma diferenciação na escolha dos locais.
Instalação de antenas ignora moradores
“Para nós, é um bocado indiferente onde instalamos as antenas”, admitiu ao ABC Filipe Proença, da TMN. A OMS recomenda um cuidado especial no caso de jardins de infância, escolas e parques. No entanto, não existe um protocolo para este processo, como sugeria o “Relatório Stewart”, divulgado o ano passado no Reino Unido. A localização das antenas continua a ser ditada por critérios técnicos e comerciais, e é preciso ter em conta que existem contrapartidas financeiras à sua aceitação.
A OMS recomenda também que o processo de localização passe pela discussão aberta entre o operador, as autoridades locais e o público, como forma de salvaguardar os direitos dos cidadãos, mas na verdade a discussão só começa quando surgem os protestos. Os moradores de uma zona onde está planeada a instalação de uma antena de telemóvel, ou várias, são geralmente surpreendidos quando os técnicos aparecem para montar o equipamento.
A densidade de potência é uma referência importante para avaliar a exposição à RF, tanto no caso dos utilizadores dos telemóveis como no das estações-base. Esta grandeza pode ser medida nas imediações
das antenas, e na União Europeia o valor-guia é de f/200 W/m2 (esta grandeza é medida em watts por metro quadrado).
Os operadores, apesar de não serem obrigados por lei, fazem medições nas estações-base, até para controlar a interferências. A TMN realiza medições de densidade de potência em 25 locais, representativos dos vários tipos de antena que compõem a rede da empresa, que tem neste momento mais de três mil estações-base. A empresa pediu recentemente a colaboração do professor Luís Correia, docente de Telecomunicações Móveis no Instituto Superior Técnico, para que os dados recolhidos pudessem ser estudados.
Quanto à Optimus, todas as 1800 estações-base são controladas pelos técnicos da empresa. O ABC contactou igualmente a Telecel, mas não foi possível obter uma resposta atempada. “Com os telemóveis inverteu-se o ónus da prova. Agora é preciso provar que não fazem mal, mas isso é muito difícil”, comentou ao ABC Luís Correia, considerado pelo Ministério da Saúde um dos maiores peritos em radiação electromagnética a nível nacional.
“Se quisermos, até podemos quintuplicar a potência, porque usufruímos duma considerável margem de segurança. A potência das estações-base está 100 vezes abaixo dos níveis de referência fixados pelo Conselho Europeu”, garante o Director de Qualidade de Rede da TMN, o engenheiro Filipe Proença.
O mesmo é dizer margem de manobra, quando o concurso para operação com a tecnologia UMTS (que permitirá aceder à/ internet/ pelo telemóvel) acaba de fechar. Esta nova tecnologia vai implicar uma alargada capacidade de retransmissão e multiplicar as antenas espalhadas por todo o país.
Exposição à radiação tem vindo a aumentar
Se a potência das estações-base de telemóveis até é mais baixa que a de uma torre de rádio ou televisão (até 40 mil watts), o facto é que cada um dos operadores possui milhares por todo o país. No caso de viver junto a antenas de vários operadores e a outras fontes de emissão de ondas rádio, a densidade de potência terá de ser somada, de acordo com a Recomendação do Conselho Europeu.
“A exposição média à radiação electromagnética tem vindo a aumentar ao longo dos anos”, salienta Luís Correia. Embora considere seguros os limites fixados pelas organizações internacionais, o investigador prefere não ilibar a radiofrequência, e admite que esta possa comportar riscos para a saúde, tal como a radiação solar numa exposição prolongada.
As fontes de RF rodeiam-nos por todo o lado: torres de transmissão da rádio e da televisão, sistemas de radar ou de detecção de fogos, funcionam muitas vezes na mesma gama de frequências das telecomunicações móveis, e a uma potência semelhante. Vivemos e trabalhamos sob influência permanente dos mais variados campos electromagnéticos (CEM). Se vierem a verificar-se efeitos adversos sobre a saúde humana, eles podem ser consideráveis, se tivermos em conta que a população está exposta 24 horas por dia, 365 dias por ano.
O “Relatório Stewart”, encomendado pelo governo britânico para esclarecer definitivamente a questão dos telemóveis e da saúde pública, concluiu que “não há evidência científica de que as radiações sejam nocivas abaixo dos níveis de referência estabelecidos”, mas considerou que as lacunas no conhecimento científico justificam uma “política de precaução”.
O grupo de investigadores, que manteve o diálogo com representantes da indústria e organizações como a Powerwatch e os Amigos da Terra , recomenda, entre outras coisas, que os telemóveis sejam evitados em escolas e hospitais, onde podem interferir com vários dispositivos médicos.
A própria Organização Mundial de Saúde (OMS), apesar da posição cautelosa que tem tido sobre esta matéria, recomenda igualmente que os telemóveis sejam evitados em hospitais, chegando a afirmar que
estes “podem ser um perigo para os pacientes em cuidados intensivos” ou que usem dispositivos como os /pace-makers/, devido à possibilidade de interferência nestes aparelhos.
Viver num mar de radiação
Na Europa, Austrália e Estados Unidos surgem cada vez mais movimentos de protesto contra as torres que transmitem ondas rádio. O NIFATT (Famílias da Irlanda do Norte contra os Transmissores de Telecomunicações), que agrupa 30 comissões de moradores, está a pressionar o governo britânico a instituir uma distância mínima de 500 metros de casas e escolas. O NIFATT chega a derrubar antenas e a impedir os técnicos de as instalarem.
A instalação de estações-base de telemóveis tem gerado intensa polémica, e Portugal não lhe tem escapado. As notícias de protestos da população são frequentes e prendem-se muitas vezes com a defesa do património. Em Março deste ano, em Jarmelo, na Guarda, a população obrigou a TMN a retirar uma antena que tinha instalado em 1998 na zona histórica da freguesia, apesar de um parecer favorável do IPPAR.
Também ao nível da saúde são as pessoas que se sentem lesionadas que têm de tomar a iniciativa, apresentando queixa, procurando informação junto das autoridades – como o ICP – ou dos próprios operadores, ou ainda através de abaixo-assinados. Mas para isso é preciso que conheçam a natureza das tecnologias utilizadas e os seus eventuais riscos, o que nem sempre acontece.
A Recomendação do Conselho Europeu, tal como as normas nacionais, insistem na importância da informação ao público, mas a atribuição de responsabilidades não é clara. O ICP diz-se preparado para o
“esclarecimento de dúvidas e aconselhamento”, mas remete para as entidades licenciadoras, nomeadamente as autarquias.
Efeitos sobre o corpo humano
A fixação de limites e normas para as emissões de radiofrequência assenta sobretudo sobre o factor de aquecimento, embora admita a ocorrência de efeitos não térmicos, pela indução de correntes eléctricas no organismo. A SAR (Specific Absortion Rate – Taxa de Absorção Específica) mede o grau de absorção de energia pelos tecidos biológicos, e mede-se em Watts por Quilograma.
Os valores máximos recomendados pelo Conselho Europeu são de 0,08 W/Kg para todo o corpo, de 2 W/Kg para a cabeça e tronco, e de 4 W/Kg para os membros, tendo em conta que no caso dos utilizadores de telemóvel a exposição é localizada. Uma SAR de 0,4 W/Kg levaria dez dias a derreter um quilo de gelo.
A Cellular Telecommunications Industry Association (CTIA) encorajou os fabricantes de telemóveis dos EUA a incluir nos manuais de instruções dos aparelhos o respectivo nível de SAR. Os maiores fabricantes, a Motorola, Ericsson e Nokia, aderiram ao programa, prevendo que a partir do início deste ano também os telemóveis comercializados por estas empresas na Europa tivessem esta referência.
O ABC contactou os três fabricantes, mas apenas a Ericsson — que concebeu o T-28 c, o único aparelho que ultrapassava os níveis estabelecidos para a SAR na U.E. segundo um estudo sueco de 2000 — adiantou que a partir de Outubro todos os seus telemóveis vão passar a ser acompanhados do respectivo nível de SAR.
A preocupação em torno das radiações dos telemóveis – sobretudo a possibilidade de provocarem tumores no cérebro humano – levaram a que cedo surgissem no mercado equipamentos que prometem absorver até
90 por cento das radiações emitidas. “Os “/shields/” de facto absorvem as radiações, mas isso apenas provoca um aumento da potência dos telemóveis, acabando a exposição por ser exactamente a mesma”, afirma Luís Correia.
“Os telemóveis estão desenhados de forma a aumentar a potência quando detectam um obstáculo à comunicação”, explica Filipe Proença, da TMN. A OMS continua a sustentar, por seu lado, que estes protectores “não se podem justificar em pressupostos médicos”.
Enquanto a SAR e os efeitos térmicos da RF continuam a ser motivo de preocupação, uma parte da comunidade científica debruça-se sobre os efeitos não térmicos da RF, ainda mais controversos. Em 1999, um grupo de investigadores da Universidade de Lund, na Suécia, expôs um grupo de ratos a impulsos de micro-ondas semelhantes aos emitidos pelos telemóveis. Em dois minutos a barreira sanguínea foi rompida, tornando os tecidos cerebrais vulneráveis à entrada de proteínas e toxinas. O neurologista que conduziu a investigação, Leif Salford, lembrou na altura que “doenças degenerativas como a de Alzheimer ou a esclerose múltipla estão relacionadas com proteínas detectadas no cérebro”.
A maioria dos estudos científicos sobre os CEM está voltada para os utilizadores de telefones móveis. São poucos os que se dedicam ao estudo das estações-base, linhas de alta tensão ou torres de emissão
de rádio e TV.
A hipótese mais frequentemente levantada pelos estudos médicos é a de que os telemóveis podem interferir com o funcionamento do sistema nervoso. As queixas mais frequentes dos utilizadores prendem-se com problemas nos olhos e ouvidos, sensações de ardor ou calor, dores de cabeça e falhas de memória. A OMS admite a ocorrência de alterações na actividade cerebral e perturbações do sono, mas minimiza os efectivos riscos para a saúde a longo prazo.
A Sociedade Internacional para a Investigação da Contaminação Electromagnética (IGEF), sediada na Alemanha, detectou sintomas comuns nos moradores de 280 casas próximas de antenas de telemóveis: dores de cabeça, perturbações do sono, arritmias cardíacas e bloqueios mentais eram as queixas mais frequentes entre as pessoas que viviam na zona há mais de dez anos.
Aquele que é considerado o maior estudo alguma vez realizado para descobrir uma eventual relação entre as emissões de RF e casos de cancro começou no ano passado. Financiado pela Comissão Europeia, a investigação envolve nove mil pessoas em 14 países diferentes, e incide sobre casos de tumores cerebrais, do nervo auditivo e da glândula salivar.
A OMS iniciou o seu próprio projecto de investigação – o International Electromagnetic Fields Project — com o objectivo de fazer a revisão científica dos estudos contraditórios que vão surgindo, harmonizar os padrões internacionais e produzir material de informação. Paralelamente a organização coordena um estudo epidemiológico, que envolve dez países na tentativa de descobrir uma eventual relação entre o uso de telemóveis e o cancro. Este estudo foi antecipado para que os resultados estejam disponíveis em 2003.
Enquanto se instala no mercado e experimenta tecnologias, a indústria das telecomunicações móveis tem vindo a financiar investigação, que acaba invariavelmente por concluir que “é necessária mais investigação”. No entanto, um destes estudos, levado a cabo durante seis anos e apoiado pelo governo norte-americano, acabou por não se revelar inócuo como se esperava.
George Carlo, um dos participantes nas investigações, veio a público afirmar que as radiações dos telemóveis podem provocar alterações genéticas no sangue humano, aumentando o risco de tumores cerebrais e do nervo auditivo. “Agora as empresas de telemóveis estão a gastar milhões para me desacreditar, porque simplesmente não gostaram do que eu disse”, afirmou na altura o cientista, acusando as companhias de não terem dado ouvidos às conclusões de um estudo que elas próprias financiaram, e de não terem “a mínima consideração pelos utilizadores de telemóveis”.