A Quercus e a Conservação da Natureza

A Quercus e a Conservação da Natureza

Por José Paulo Martins e Samuel Infante


 

 

tejo intApesar de ter apenas 92.152 km2, Portugal encontra-se entre os países com maior biodiversidade do espaço europeu, mercê da sua situação biogeográfica e da história evolutiva desta região do mediterrâneo ocidental. Tal diversidade manifesta-se nos inúmeros habitats, paisagens e endemismos Portugueses e Ibéricos que de norte a sul do território nacional e com grande relevo nas ilhas atlânticas, nos oferecem esta grande riqueza natural e ao mesmo tempo nos responsabilizam pela sua preservação.

Foi a necessidade de preservação desta biodiversidade que esteve na génese da fundação da associação cuja primeira designação foi mesmo a de Quercus-Grupo Para a Recuperação da Floresta e Fauna Autóctones, mais tarde Associação Nacional de Conservação da Natureza. O próprio símbolo, uma folha de carvalho-negral, Quercus pyrenaica, denotava também a preocupação inicial com as questões da floresta autóctone sendo também essa a designação do nosso primeiro jornal.

 

Entretanto o trabalho da associação ao longo dos anos tornou-se mais abrangente, por um lado devido às exigências que os problemas de ambiente e a sociedade nos colocaram e por outro lado porque foi aderindo à associação um leque mais alargado de pessoas com formações e motivações cada vez mais diversas.

A conservação da natureza não deixou no entanto de estar nas nossas preocupações e actuações mas passámos sem dúvida a ter uma visão mais integrada e transversal desta problemática que se interliga com o ordenamento do território, a protecção do solo, a política florestal e agrícola, a gestão dos recursos hídricos, a política energética e as alterações climáticas e outras tantas vertentes importantes para uma correcta gestão dos recursos naturais.

Conservação da natureza marca passo

ouricoNas últimas décadas as questões ambientais têm tido uma relevância cada vez maior na vida da nossa sociedade. Portugal assinou e ratificou diversas convenções internacionais e entraram em vigor muitas directivas comunitárias que influenciaram positivamente as políticas nacionais na área do ambiente. A rede nacional de áreas protegidas cresceu, foram designados os sítios da rede natura 2000 e aprovou-se uma estratégia nacional de conservação da natureza e da biodiversidade.

Há sem dúvida casos de sucesso na recuperação da nossa biodiversidade como o crescimento da população de cegonha branca, o regresso de algumas aves que estavam extintas como nidificantes, caso do abutre-negro ou da águia imperial, assistimos à expansão da galinha sultana e à recuperação da foca monge mas muitas vezes tal deveu-se mais a factores laterais e não tanto a uma actuação proactiva no domínio da conservação. Na prática, tem sido difícil integrar a conservação da biodiversidade nas diversas políticas sectoriais e este sector não tem tido os recursos financeiros e humanos necessários para a efectiva implementação de estratégias, planos e acções que concretizem os objectivos definidos. Os exemplos negativos prosperam, com inúmeras áreas importantes ainda sem estarem classificadas, muitas áreas protegidas sem planos de ordenamento e gestão, o Plano Sectorial para a Rede Natura 2000 por aprovar, espécies emblemáticas como o lince-ibérico praticamente extinto, e na generalidade sem que existam os recursos que permitam uma eficaz gestão dos sítios a proteger e os planos de conservação de espécies a implementar.

O contributo da Quercus

O trabalho que temos realizado nesta área é muitas vezes pouco visível para o exterior da associação, não suscitando grande destaque nos meios de comunicação. Temos no entanto uma actuação diária, enfrentando por vezes grandes desafios, face às ameaças que se colocam ao nosso património natural e aos fracos recursos humanos e financeiros de que dispomos para a nossa intervenção. Temos conseguido levar à prática respostas diversificadas a muitos destes desafios. Por um lado através do acompanhamento de projectos, obras e denúncia de acções atentatórias do património natural, utilizando os media, as acções judiciais ou fazendo parte de Plataformas de ONGs como acontece com a “Plataforma Pelo Alentejo Sustentável”, relativa ao projecto de Alqueva e com a “Plataforma Sabor Livre”. Por outro lado através da implementação de projectos concretos de estudo e levantamento do património natural ou ainda com a criação de estruturas concretas para a conservação de espécies, de que são exemplo os centros de recuperação de animais selvagens, os campos de alimentação de aves necrófagas e a rede de micro-reservas.

 

Uma actividade diversificada

anilhagemForam muitos os projectos que desenvolvemos ao longo destes anos, uns de carácter nacional outros com âmbito mais local, envolvendo a mobilização de centenas de activistas que deram o seu melhor em prol dos valores que constituem a riqueza natural do nosso País.

Nos primeiros tempos não podemos esquecer as campanhas de protecção de aves necrófagas com a criação de zonas de Alimentação de Abutres
Outros projectos iniciais incidiram mais no estudo e recenseamento de aves, caso dos projectos com a cegonha-branca, a águia de Bonelli, a águia-real e a águia caçadeira (este em colaboração com os colegas franceses do FIR (Fond de Intervention pour les Rapaces), ou os registos relativos ao Censo Nacional de Animais Mortos nas Estradas, projectos que marcaram os primeiros anos de vida da associação, cativando e mobilizando sócios e colaboradores para a conservação da natureza, um pouco por todo o país. Também o Projecto Lampreia-de-riacho da responsabilidade do núcleo de Ourém nas ribeiras do Alto-Nabão tem mobilizado centenas de pessoas em torno de actividades de conservação e educação ambiental.

Ao longo de mais de uma década foram muitos os que colaboraram no projecto Inspecções Costeiras onde durante o Inverno e ao longo de vários troços do litoral se fizeram levantamentos relativos a aves encontradas no areal, resíduos e todo o tipo de situações que permitiam melhor caracterizar ambientalmente esses locais.

Os primeiros tempos da Quercus foram também marcados pelas campanhas contra a eucaliptação indiscriminada que teve lugar por todo o território nacional até aos finais dos anos 80 e por campanhas mais específicas com a que teve lugar na região de Coimbra contra a invasão por uma planta exótica, a Acácia.

Durante os primeiros anos foi dada atenção particular a algumas áreas naturais sujeitas à pressão urbanística, ao turismo e a outros problemas. Estas campanhas focaram áreas como a Peneda Gerês, o estuário do Rio Minho e a Mata do Camarido, a Reserva Ornitológica do Mindelo, o Rio Tejo Internacional ou a Barrinha de Esmoriz com muito trabalho de campo e edição de várias publicações incluindo o Jornal da Peneda-Gerês.

 

 

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Ação contra a eucaliptização em Valpaços – 1989

 

Projectos e acções que se destacaram

 

– A luta contra as eucaliptações nos anos 80

Numa altura e que a consciência ambiental era ainda muito pouca marcada o País assistia à eucaliptação indiscriminada de vastas áreas do nosso litoral e de áreas serranas, reconversão esta que tinha por vezes lugar em áreas com espécies autóctones e ou consideradas importantes para a conservação da biodiversidade. Esta foi a grande luta dos primeiros anos da associação que decorreu muitas vezes em sintonia com o sentir das populações locais que receavam as mudanças drásticas que estas florestações colocariam à sua região e ao seu modo de vida.

As múltiplas actividades que então decorreram tiveram alguns pontos altos com acções no terreno em conjunto com a população e que envolviam acorrentamento às máquinas como as que decorreram em Manhuncelos, concelho de Marco de Canaveses em 1988, na Serra da Aboboreira em Janeiro de 1989, em Valpaços em Março de 1989 ou ainda em Mértola, juntamente com a Associação de Defesa do Património de Mértola já no final desse ano.

 

– Protecção das aves necrófagas

Nos primeiros tempos não podemos esquecer as campanhas de protecção aos abutres, que incidiram especialmente no Alto-Alentejo com a criação da zona de Alimentação de Abutres da Póvoa e Meadas perto do rio Sever ou mais tarde com a criação do alimentador de abutres de Idanha-a-Nova e outras intervenções em Trás-os-Montes. Já nos meados dos anos 90 foram instalados outros alimentadores no Tejo Internacional bem como no Baixo-Alentejo reforçando assim o trabalho que a associação tem tido pela preservação destas aves. Foi também com base neste trabalho inicial que logo em 1990 foi publicado o Dec. Lei que define e regulamenta o funcionamento deste tipo de estruturas.

 

– Cegonha-branca

O projecto cegonha-branca terá sido o o trabalho mais marcante daqueles que incidiram sobre a protecção de uma espécie pois durante vários anos foram muitos os núcleos da Quercus a responsabilizar-se pelos recenseamentos regionais, pela colocação de plataformas-ninho alternativas e pela publicação de material informativo diverso alusivo a esta espécie. São de recordar em 1988 as intervenções pioneiras junto da JAE – Junta Autónoma das Estradas, relativamente à colocação de plataforma alternativas quando foi necessário alargar estradas em Portalegre e no Torrão, os primeiros contactos com a EDP relativos à nidificação das cegonhas nos postes de alta e média tensão, o caso do julgamento de Coruche em resultado de um atentado contra a maior colónia desta ave no Ribatejo, e as diversas intervenções públicas, incluindo a televisão, que nessa época marcaram uma mudança na consciencialização da população e das entidades para a protecção desta espécie, mas também para a conservação do nosso património natural de uma forma mais geral.

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Ação contra a caça ilegal na Lagoa de Melides

– Caça e conservação

A actividade cinegética foi sempre alvo da nossa atenção pelas repercussões directas que tem sobre a protecção da fauna. Não podemos esquecer o facto de que nesses primeiros tempos da nossa actividade ainda praticamente não havia regime ordenado, a legislação era bastante obsoleta e omissa e infelizmente uma parte significativa dos praticantes desta actividade eram pouco conscientes da responsabilidade dos seus actos e do impacte no ambiente.

De forma lenta mas gradual a situação tem vindo a melhorar com o progressivo ordenamento do espaço cinegético, a criação de exames para carta de caçador mais exigentes, uma formação cívica mais consciente nos novos caçadores e algumas alterações legislativas fundamentais, nomeadamente a implementação do direito à não caça. De forma regular a Quercus foi-se manifestando sobre estas situações, seja através de notas de imprensa e de acções de rua, seja através da participação em debates e reuniões sobre esta temática.

São de relembrar algumas acções mais mediáticas como a operação Egas Moniz em Outubro de 2002 frente ao Ministério da Agricultura contestando as áreas de caça em zonas importantes do Tejo Internacional ou mais tarde em Abril de 1993 uma outra acção frente à Direcção Geral de Florestas onde se despejaram milhares de cartuchos alertando para a necessidade de classificar como reserva os terrenos entretanto adquiridos pela associação no Tejo Internacional. Já em 2002 realizámos uma acção de rua junto ao Ministério da Agricultura, com instalação de uma vedação e sinalização de área de não caça, denunciando o não cumprimento do disposto na legislação no que toca à atribuição deste direito.

Também tem sido possível melhorar o relacionamento entre as associações ambientalistas e os representantes do sector cinegético. Nestas últimas décadas aprofundaram-se relações e concretizaram-se projectos no terreno, em parcerias muito dinâmicas. O PAP (Programa Antídoto) é um exemplo desse sucesso, embora continue por percorrer um longo caminho até que acabemos com algumas práticas ilegais como o abate de espécies protegidas através do controlo de predadores, se proceda à substituição do chumbo das munições por outro material não tóxico para evitar o Saturnismo nas aves selvagens, se retirem alguns espécies da lista de aves cinegéticas ou se altere o número de efectivos para abate e as datas do calendário venatório entre outras questões.

– Programa Antídoto

O programa Antídoto surge em Portugal como resposta aos frequentes casos de envenenamento de animais selvagens. O PAP – Programa Antídoto Portugal consiste numa plataforma de cooperação entre várias organizações e instituições públicas e privadas criada em Janeiro de 2003, em Arcos de Valdevez. Esta plataforma surgiu na sequência do I Encontro Ibérico de Recuperação e Conservação de Fauna Selvagem, tendo sido a Quercus uma das suas impulsionadoras e mantendo na actualidade a coordenação deste programa. O principal objectivo é o de conhecermos a dimensão real do uso de venenos usados para exterminar algumas espécies emblemáticas (caso do Lobo-ibérico e do Abutre-negro) e a partir daí implementar uma estratégia de actuação eficaz para reduzir o seu uso contra a fauna selvagem, não esquecendo que este problema afecta também alguns animais domésticos.

Foi elaborada uma Estratégia Nacional contra o uso de venenos, concluída e assinada em Lisboa a 21 de Janeiro de 2004, por todas as entidades que actualmente compõem o grupo de trabalho, com a qual se pretende actuar em várias vertentes, nomeadamente na recolha de informação, na sensibilização e por último na criminalização judicial. Desde a sua fundação o PAP tem concretizado a edição de material de sensibilização e foi criado um sítio na Internet www.antidoto-portugal.org. Também em 2004, com a intenção de impulsionar a estratégia aprovada, o PAP adquiriu 150 kits de recolha de amostras para entregar aos diferentes agentes de fiscalização. Foram também realizadas diversas candidaturas a programas de apoio, com o objectivo de concretizar acções piloto de combate às causas que estão na origem da utilização do veneno contra a fauna selvagem, acções estas especialmente direccionadas para o sector cinegético e agro-pecuário.

– Tejo internacional

O Projecto Tejo Internacional constituiu um marco para a associação, mas também para o movimento ambientalista Português. Foi sem dúvida um projecto em que conseguimos mobilizar toda a associação para uma área do país com um património singular.

A presença de elementos da Quercus na região remonta ao ano de 1983, ou seja, é anterior à própria criação da Associação; nesse ano um dos seus sócios fundadores iniciou a recolha de dados sobre a avifauna, monitorização esta que se mantém até à actualidade. Em 1988, a Quercus, juntamente com a sua congénere espanhola ADENEX apresentou, ao abrigo do programa europeu ACMA , o projecto “Protecção do Rio Tejo Internacional e Barragem de Alcántara”, envolvendo ainda o SNPRCN (actualmente Instituto da Conservação da Natureza) em Portugal e a Junta da Extremadura em Espanha. O projecto, que decorreu entre 1990 e 1993, com várias vertentes (conservação da natureza, inventariação e estudos de flora e fauna, educação ambiental, turismo de natureza, aquisição de terrenos, etc.), visava essencialmente a conservação de ecossistemas de inquestionável valor ecológico, nomeadamente extensas manchas de matagal mediterrâneo e respectiva fauna que lhe está intrinsecamente associada. A 3 de Novembro de 1993 o projecto foi distinguido com o Galardão de Prata Ford European Conservation Awards, como corolário do reconhecimento internacional da sua importância.

Com os mesmos objectivos, mas numa vertente de Turismo de Natureza mais vincada, desenvolveu-se entre 1995 e 1998 o projecto Life Ambiente “Do Litoral Para o Interior”.

A 7 de Abril de 1994, durante a Presidência Aberta de Ambiente que então teve lugar o Presidente da República faz a estadia mais longa desta digressão sobre o Ambiente no Tejo Internacional, numa visita acessorada pela Quercus.
Ainda em 1994, e para um período de 6 anos, foi apresentada uma candidatura às Medidas Agro-Ambientais, com vista à intervenção em cerca de 50 ha de montado de azinho e olival tradicional. Entre 1998 e 1999, ao abrigo do Programa Ambiente, é executado o Projecto “Tejo Vivo” que permitiu a recuperação de infra-estruturas de apoio a actividades de Turismo de Natureza. Foi construída uma estrutura de estilo rústico na aldeia do Rosmaninhal e foram recuperadas instalações na herdade do Monte Barata, propriedade da Quercus com cerca de 400 ha adquirida em 1992. Também neste espaço tivemos a decorrer entre 1993 e 1999 um projecto demonstrativo de agricultura biológica, sendo na actualidade esta herdade aproveitada para acções de conservação de habitats e espécies e actividades de sensibilização, formação e de turismo de natureza.

Em 2004 o Presidente da República faz mais uma visita ao Tejo Internacional no âmbito de uma Presidência Aberta sobre o Ambiente. Nos 11 anos de presença permanente da Quercus na região destaca-se a aquisição de cerca de 600 ha de terrenos onde se incluem 2,5 Km de frente de rio, com locais importantes para a nidificação de diversas espécies ameaçadas como a cegonha-preta ou a águia de Bonelli, a edição de diversas publicações, a construção de alimentadores e plataformas ninho para aves necrófagas, a criação de zonas sem actividade cinegética, a marcação de percursos pedestres, etc.

Mas sem dúvida o maior legado terá sido o da consciencialização da população e autarcas locais para um modelo de desenvolvimento mais sustentado, assente na importância da conservação das riquezas naturais. Também não podemos esquecer a classificação da área como Parque Natural e Zona de Protecção Especial para a avifauna que teve lugar no ano 2000 ao fim de 13 anos de campanha por parte da nossa associação.

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Grifos no Centro de Recuperação de Castelo Branco

 

– Centros de recuperação de fauna selvagem

Desde a sua fundação que a Quercus recebe um pouco por todo o País animais feridos e debilitados a necessitarem de apoio veterinário e outros cuidados com vista à sua recuperação. Tal actividade acabou por justificar a criação de centros de recuperação de modo a garantir mais eficácia a esta acção.

O papel dos centros de recuperação de fauna selvagem não se esgota na recuperação de exemplares da fauna selvagem, contribuindo também para a recolha de informação permanente sobre os factores de ameaça às populações das espécies afectadas e permitindo a realização de estudos e actividades de educação ambiental.

Actualmente a associação gere 3 centros, um dos quais se encontra em fase de abertura na Serra de Montejunto. O Centro de Santo André inicialmente criado pelo Grupo Lontra passou a ser gerido pela Quercus em 1996 quando esta associação se integrou como nosso Núcleo Regional do Litoral Alentejano. Em 1999 entrou em funcionamento o CERAS (Centro de Estudo de Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco).

Em 1996 realizou-se o I Encontro sobre Acolhimento e Recuperação de Fauna Silvestre em Santo André e em 2003 num contexto mais alargado á escala ibérica decorre o I Encontro Ibérico de Recuperação e Conservação de Fauna Selvagem realizado em Castelo Branco entre 31 de Outubro e 3 de Novembro. Um dos objectivos desse evento era dar continuidade a todos os esforços realizados anteriormente, principalmente desde o encontro de Santo André, reunindo os melhores especialistas Ibéricos em temas relacionados com a recuperação e conservação da fauna.

Também se pretendia reunir todas as pessoas e entidades envolvidas na recuperação de fauna selvagem em Portugal de modo a dinamizar a Rede Nacional de Recuperação de Animais Selvagens (RNRAS) gerida pelo ICN que ainda não se podia considerar em pleno funcionamento. Do Encontro Ibérico saíram alguns documentos com conclusões importantes em áreas tão diversas como a eco toxicologia, recuperação de fauna, parques eólicos, linhas eléctricas, rede de centros de recuperação, etc. Esses objectivos não foram conseguidos visto que desde então pouco mudou e nenhuma das propostas incluídas nas conclusões do congresso foi aplicada. Foi no entanto no seguimento deste encontro que surgiram alguns projectos importantes no domínio da conservação da fauna, o PAP (Programa Antídoto Portugal) e o Projecto Linhas Eléctricas e Aves.


imagemaguia– Linhas eléctricas e aves

A mortalidade de aves por electrocussão e colisão em linhas eléctricas de média e alta tensão é um fenómeno estudado à escala internacional, o qual tem sido alvo de numerosos esforços com vista à sua resolução, principalmente no que toca ao seu impacte sobre as espécies mais ameaçadas (águia-imperial, águia de Bonelli, abetarda).

Nestas iniciativas estão envolvidas quer as companhias eléctricas quer as associações conservacionistas. Tendo em consideração que em Portugal esta problemática estava pouco estudada decorreu em 1999 em Castelo Branco o primeiro encontro sobre linhas eléctricas e avifauna, numa organização conjunta QUERCUS/SPEA. Deste encontro nasceu uma parceria que se propunha realizar um estudo a nível nacional para avaliar a situação e propor soluções. O desafio foi lançado à EDP e ao ICN, e em 2003 são assinados dois protocolos entre a EDP- Distribuição, o ICN, a REN S.A., a QUERCUS e a SPEA.

Após dois anos de projecto conjunto, foram percorridos mais de 5000 quilómetros a pé correspondentes a 500 troços de amostragem e estreitou-se a cooperação e entendimento entre os parceiros de protocolo. Os avanços na avaliação e discussão dos impactes da Rede de Distribuição com as populações de aves selvagens foram significativos e permitiram já em 2004, o início de correcções urgentes em troços importantes de linhas de média tensão, acções estas que correspondem a um marco na história da conservação da avifauna ameaçada.

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Cái-água – Sítio Natura 2000 Cabrela

– FCN – Fundo de Conservação da Natureza

No ano 2000 é criado o FCN – Fundo Quercus para a Conservação da Natureza, instrumento de angariação de fundos para projectos específicos de conservação de habitats e espécies prioritárias. Por diversos motivos só em 2004 o projecto teve o seu lançamento efectivo sendo neste momento o suporte da criação da nossa rede de micro-reservas biológicas espalhadas por todo o País. Este projecto surgiu face à necessidade de proteger locais onde subsistem amostras reliquiais de antigos ecossistemas, ou habitats que apesar da sua origem antrópica, resultam em locais de grande biodiversidade. De não menos importância, há também locais que, independentemente da sua biodiversidade, são repositórios de espécies raras e/ou endémicas e que também necessitam de protecção.

Em geral estes locais correspondem a terrenos privados com todas as dificuldades que tal situação ocasiona no sentido de uma gestão consentânea com a preservação dos valores em presença. Por estes motivos parece-nos de todo importante que, embora não perdendo a perspectiva global e intersectorial duma política de conservação da natureza, se considere que uma das estratégias de conservação passe pela aquisição e gestão de espaços onde se concentram valores naturais relevantes ou mesmo espécies únicas à escala nacional e ou internacional.

O FCN possui regulamento próprio, com um Conselho de Gestão, consultores científicos e desenvolve actividades de promoção e campanhas de angariação de fundos (exposições, produção de materiais promocionais, divulgação nos media, etc), além de se responsabilizar pela gestão dos espaços a proteger no âmbito deste projecto.

O FCN tem como principais fontes de financiamento os donativos de cidadãos particulares bem como de empresas e ainda a venda de materiais de promoção das campanhas em curso.

De modo a garantir a validação científica em áreas diversas da nossa intervenção foram entretanto assinados protocolos de colaboração com diversas instituições cientificas e centros de investigação, casos da ALFA , Associação Lusitana de Fitosociologia e com o TAGIS – Centro de Conservação de Borboletas de Portugal. A partir de 2004 com o lançamento efectivo do projecto das micro-reservas biológicas começámos a intervir em diversos locais. No norte do país na Serra da Freita foi recentemente assinado um protocolo entre a Quercus, a Junta de Freguesia de Arões e a Comissão de Compartes de Côvo com vista à protecção de uma turfeira, a qual já foi vedada e sinalizada prosseguindo agora a monitorização da evolução deste espaço. Estas turfeiras são habitats naturais húmidos de elevado valor biológico entre outras razões por serem características de áreas de clima temperado e estarem incrustadas em plena Região Mediterrânica.

Na zona centro, no sítio da rede natura do Sicó-Alvaiázere, concelho de Tomar, procedemos à aquisição de um terreno com um dos mais importantes abrigos de morcegos em Portugal, numa área do vale do rio Nabão cuja cobertura vegetal corresponde a matagal mediterrânico. Este abrigo alberga populações de diversas espécies, muitas delas raras ou em perigo de extinção.

No Tejo Internacional, no concelho de Idanha-a-Nova foram adquiridos mais algumas parcelas de terreno que correspondem a zonas declivosas nas margens deste rio e de barrancos afluentes do Tejo. Para além de alguns zambujeiros e azinheiras, estas parcelas possuem manchas de matagal mediterrânico e afloramentos rochosos importantes para a nidificação de espécies raras da nossa avifauna (bufo-real, cegonha-preta, abutre do Egipto e águia de Bonelli, entre outras). Estes espaços juntam-se à rede de espaços que já possuímos nessa região desde o final dos anos 80.

No Sul do País adquirimos também uma parcela para a protecção de uma pequena planta endémica, a Linaria ricardoi, um endemismo lusitano muito raro e localizado na região de Beja.

Em diversos pontos do País estamos a estudar a aquisição e ou a contratualização da gestão de diversos locais que vão desde zonas costeiras dunares e arribas marítimas, a zonas de montanha do interior norte e centro e a alguns locais do Algarve.

Autoria fotos: Paulo Lucas; Samuel Infante; Paulo Magalhães; Núcleo Regional do Litoral Alentejano; Carlos Carrapato