2 anos em vigor para o Protocolo de Quioto | Como vai Portugal cumprir? Um esforço possível para os portugueses

O Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) é o instrumento político que define as medidas sectoriais que permitirão a Portugal assegurar o cumprimento do Protocolo de Quioto. De acordo com a partilha de responsabilidades na União Europeia que no seu total se comprometeu a uma redução das emissões de gases de efeito de estufa de 8% entre 1990 e 2008-2012, Portugal, dado o seu estado de desenvolvimento, pode aumentar as suas emissões em 27% neste mesmo período.

 

Cumprimento de Quioto por Portugal em derrapagem

 

O PNAC 2006 assume que há uma derrapagem média de 5,8 milhões de toneladas por ano de CO2 equivalente (unidade que integra os diferentes gases considerados no Protocolo) entre 2008 e 2012. Tal significa cerca de 6% acima dos 27% permitidos e obrigará a medidas internas extraordinárias cobertas pelo Fundo de Carbono entretanto criado e com um financiamento previsto da ordem dos 350 milhões de euros ou ao recurso aos mecanismos previstos no Protocolo de Quioto de compra de emissões ou de desenvolvimento de projectos associados à redução de emissões noutros países. Os dados mais recentes relativos a 2004 mostram que Portugal estava 41% acima do ano base de 1990.

 

A primeira proposta de PNAC data de 2001. Porém, a aprovação do primeiro PNAC viria apenas a ocorrer em 2004. O actual Governo efectuou uma revisão do documento que se passou a denominar PNAC 2006 e que foi aprovado por Resolução de Conselho de Ministros em Agosto de 2006.

 

O Programa Nacional para as Alterações climáticas é constituído por um total de 44 medidas destinadas a reduzir as emissões de gases de efeito de estufa e assegurar tanto quanto possível o cumprimento do Protocolo de Quioto por Portugal, sendo que 20 fazem parte do denominado cenário de referência que corresponde ao leque de medidas inicialmente decidido e de natureza mais estruturante e 24 foram definidas como adicionais quer em 2004, quer em 2006, dada a insuficiência de redução das medidas de referência. Do total de medidas, 10 são relativas ao sector da energia, 21 aos transportes, 2 ao sector residencial e serviços, 3 à indústria, 2 à floresta, 3 à agricultura e pecuária e 3 no sector de resíduos.

 

Na sequência do previsto no PNAC 2006 e com um atraso de cerca de dois meses, foram divulgados a meio do passado mês de Dezembro os denominados Planos de Actuação que são no fundo a identificação de alguns detalhes para cada uma das medidas por parte do Ministério responsável, incluindo o seu estado de aplicação, evolução futura e indicadores ambientais que permitirão monitorizar o seu desenvolvimento.

 

A forma como os diferentes Planos têm sido publicados, com anexos técnicos com valores de redução nem sempre consistentes, para além de planos de actuação que foram disponibilizados de forma avulsa, não permite um acompanhamento adequado do PNAC e têm levado a uma impossibilidade de análise rigorosa das medidas de redução de gases de efeito de estufa. Várias medidas têm recebido publicamente um protagonismo exagerado face ao seu potencial de redução de emissões e vice-versa,

 

No que respeita às medidas quantificadas e tendo por base toda a informação actualizada recolhida pela Quercus nos elementos presentes nos diferentes planos, o total de medidas em aplicação contabilizando já desvios identificados à meta prevista para 2010 representam uma redução de emissões de 11064 kton (6667 kton de medidas denominadas de referência e 4397 kton de medidas adicionais).

 

Transportes ultrapassam produção de electricidade em 2007

 

A Quercus considera que o aumento previsto de 110% nas emissões entre 1990 e 2010 para o sector dos transportes deveriam exigir uma maior prioridade de actuação neste sector. Na energia, no mesmo intervalo de tempo, o aumento previsto é de 45%. Porém, no sector da energia o total das medidas representa uma redução de 6506 kton enquanto que os transportes representam apenas 1/3 deste valor (2289 kton).

 

De acordo com estimativas recentemente apresentadas pela EDP, as emissões de gases de efeito de estufa emitidos pela produção de electricidade serão ultrapassados em 2007 pelas emissões do sector dos transportes.

 

Na análise do Plano Nacional para as Alterações Climáticas e respectivos Planos de Actuação, há um conjunto de falhas que nos parecem relevantes:

 

– o ordenamento do território e do papel das autarquias na implementação de medidas de redução das emissões de gases de efeito de estufa é um aspecto crucial – esta integração é quase completamente esquecida no PNAC;

 

– ao nível da indústria, a legislação relativa à Prevenção e Controlo Integrado da Poluição não é contabilizada nem avaliada, sendo este um aspecto muito relevante em termos de actualização das emissões (toda a nova grande indústria desde há alguns anos e a existente a partir de meados de 2007 tem de ter a melhor tecnologia disponível implementada no quadro da denominada licença ambiental);

 

– os Planos de Actuação apresentam um conjunto de indicadores ambientais cujos valores é fundamental conhecer com a maior brevidade, estando esse trabalho em grande parte por fazer, particularmente no sector dos transportes;

 

– há uma impossibilidade de acompanhamento externo rigoroso por parte de organizações como a Quercus dado que as medidas têm um grau de detalhe e explicação muito diferenciados e nalguns casos o acesso a informação mínima que permita uma contabilização e monitorização é impossível;

 

– têm sido anunciadas muitas medidas mas sem se apresentar em diversos casos a sua calendarização, como é o caso das taxas sobre lâmpadas menos eficientes que financiarão o Fundo de Carbono e deverão desmotivar a sua aquisição pelos consumidores.

 

A Quercus considera igualmente que o Governo deverá abrir à sociedade civil a possibilidade de uma maior participação e acompanhamento, actualmente restringida à Comissão para as Alterações Climáticas que apenas integra entidades oficiais.

 

 

As 5 medidas que levantam maiores dúvidas da Quercus em termos de cumprimento

 

1 ª Redução associada às Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e Porto

Esta medida que prevê uma redução de 347 kton CO2 eq./ano corresponde a uma transferência modal de 5% dos passageiros km das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto do transporte individual para o transporte colectivo. O plano de actuação relativo a esta medida descrever o evoluir de muitas das infraestruturas já mencionadas individualmente no PNAC, não detalhando de forma minimamente aceitável como o objectivo será atingido, estando aliás muitos dos valores associados à transferência modal entre transporte individual e colectivo inflacionados.

 

2 ª Novas metas de 45% de electricidade de produção através de energias renováveis

A Quercus tem dúvidas sobre os novos empreendimentos em energias renováveis e as melhorias de eficiência nas barragens que permitam assegurar o cumprimento desta meta em 2010, pois não foi ainda dada informação detalhada sobre o planeamento associado.

 

3 ª Directiva Aterros

A implantação das diferentes infraestruturas que vão permitir cumprir a meta de limitar a 50% a quantidade de RUB (resíduos urbanos biodegradáveis) depositados em aterro relativamente à quantidade produzida em 1995 está atrasada.

 

4 ª Eficiência Energética nos Edifícios.

A implementação e verificação de todos os procedimentos associados ao impacte da nova legislação vai repercutir-se mais lentamente que o esperado.

 

5 ª Avaliação e Promoção da Retenção de Carbono em Solo Agrícola. Adopção de actividades de Gestão agrícola e Gestão de pastagens, bem como de Gestão Florestal de acordo com o Artº3.4 do Protocolo de Quioto.

A implementação e verificação de todos os procedimentos é particularmente difícil do ponto de vista científico e técnico para vir a ser aceite internacionalmente e representa ainda 1300 kton CO2 eq./ano.

 

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Imagens da acção que Quercus realizou em Lisboa

 

 

Três contributos na mão dos portugueses

 

Se um televisor por família fosse desligado da corrente em vez de ser deixado em stand-by, conseguir-se-ia uma poupança de 70 mil toneladas de dióxido de carbono/ano.

 

Se uma lâmpada incandescente por família fosse substituída por uma lâmpada de alta eficiência, conseguir-se-ia uma poupança de 100 mil toneladas de dióxido de carbono/ano.

 

Se por mês uma pessoa da família utilizasse o comboio em 60 Km em vez de ir de carro sozinha, conseguir-se-ia uma poupança de 420 mil toneladas de dióxido de carbono/ano.

 

O total destas três medidas permitiria poupar de cerca de 600 mil toneladas de dióxido de carbono por ano, o que representa 1% do cumprimento do Protocolo de Quioto por Portugal, que tem por base o valor de 60 milhões de toneladas/ano emitidas no ano base de 1990.

 

As quantificação das duas primeiras medidas foi efectuada tendo por base dados do Projecto Ecocasa desenvolvido pela Quercus e dados das emissões do sector eléctrico para o ano de 2006; a terceira medida teve por base dados de uma tese de mestrado recente.

 

 

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2007